Devaneios Utrópicos
Para quem mora longe do país, especialmente em condições climáticas razoavelmente distintas, a lembrança do Brasil pode ser brutalmente distorcida pelo cérebro. Acredite, há de ter uma explicação física, um esfriamento de alguma membrana cerebral, algo que explique essa alucinação saudosista que acontece nessa gente expatriada. Quem está a milhas de distância de casa como eu, numa primavera ainda sem flor ou pólen, é pego por uma memória constante de uma linda praia longa e quente. A água sempre cristalina e uma paz como eu nunca vi nem nunca verei igual em Ipanema. É um lugar em perfeita comunhão entre o açaí, que eu raramente tomava, e as rodas de samba, que eu raramente ia. É um sentimento por muitas vezes ignorante. Esse congelamento do crânio que faz resumir o Brasil ao Rio de Janeiro, ainda que eu já tenha me pego sentindo saudade das ladeiras de São Paulo e do ar bucólico de Minas. Já senti também muita falta de Floripa, Manaus e Belém — e, pasmem, não conheço essas cidades.
É, ao mesmo tempo, um sentimento de culpa e carnaval.
Estar longe do Brasil faz provocar todo tipo de delírio possível quando se pensa no Brasil. O país deixa de existir e quem assume é a invenção. Tom Jobim, Macunaíma, a farofa, a banda, o bloco. Por vezes, é uma sinapse clandestina capaz de alienar a desigualdade, amenizar o absurdo e silenciar os escândalos. É, ao mesmo tempo, um sentimento de culpa e carnaval. Esses dois numa dualidade interior tão intensa que te faz não querer — nem poder — cortar nunca esse fio invisível que te liga a tudo que seu país é. Um devaneio que te compreende como causa e consequência e depois se dissolve pelo corpo todo. E quando enfim o barato passa, tentar finalmente fazer os pés encontrarem o chão em terras estrangeiras, nesse ímpeto patriótico-torto — porém mais visceral do que nunca — de costurar com a própria pele um pouco de Brasil por aqui também.
.
~ curta nossa página no facebook: https://www.facebook.com/cenaseguinte
~ e segue o nosso instagram: @cenaseguinte
