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Relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) exibe acréscimo de casos de censura contra jornalistas desde 2015

Giovanna Oriani (Gio)
Censurados
7 min readJun 10, 2021

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Por Ana Luiza Sousa Peixoto, Davi Galantier Krasilchik, Giovanna Oriani, Maria Sampaio

Colagem de fotos de jornalistas que sofreram algum tipo de agressão devido à sua profissão
Jornalistas publicamente agredidos nos últimos cinco anos.

“Foi um absurdo, foi uma violência, uma censura evidente, porque eles (parte do governo do Estado de São Paulo) estavam com medo do que eu iria perguntar”.

A sentença proferida por Maria Teresa Cruz, jornalista em que, à época, fazia parte da organização Ponte Jornalismo, tem ganhado contornos constantes — e perigosos — para o futuro do Jornalismo. Sua indignação é datada do ano de 2019, quando questionou — ou tentou — expor uma dúvida durante a coletiva de imprensa realizada pela SSP-SP, do governo João Doria (PSDB), a respeito da ação da Polícia Militar em Guararema (SP) que terminou com 11 mortos. Maria Teresa foi impedida de realizar sua pergunta — especula-se que seja em função de seu tom crítico ao sistema de segurança pública do Estado.

Era para ser um raro episódio em um país que busca brilhar por sua democracia. Não foi. A jornalista é uma das muitas vítimas que se somam ao relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) acerca da censura em todo o país. Durante o período analisado, um dado salta aos olhos: o preocupante acréscimo de casos de censura perpetuados na região Centro-Oeste, concedendo, à última, a posição máxima da qual sempre esteve tão afastada.

O local, em que hospeda-se Brasília e o poder nacional, apresentou acréscimo de 123 casos de censura desde 2015. Segundo Maria José Braga, presidente da Fenaj, há uma explicação:

É na região Centro-Oeste em que está localizada a sede principal da EBC, a Empresa Brasil de Comunicação. Atribuímos os casos à região uma vez que as falas de violência, boa parte proferida pelo presidente Jair Bolsonaro ocorreu na região.

A EBC é, de fato, um foco. De acordo com o dossiê da organização, foram registradas 138 denúncias entre 2019 e 2020. A empresa atua como um conglomerado midiático em nome da operação de instituições federais de rádio e televisão disseminadas por todo o país. Partindo dessas informações, a equipe da reportagem buscou respostas da empresa e, até o fechamento da reportagem, informou que desconhece os dados informados pela Fenaj. A declaração foi assinada por Sirlei Batista, diretora de Jornalismo da EBC e que integra a companhia anterior à chegada de Jair Bolsonaro ao poder.

O levantamento da Fenaj aponta que o principal responsável por essas agressões à liberdade de expressão foi o presidente Jair Bolsonaro. O estudo ainda indica que a maior parcela dos agressores é constituída por outros representantes de serviços públicos e políticos, que junto ao presidente da República, equivalem a aproximadamente 70% dos episódios registrados.

A presidente da FENAJ aponta um interessante histórico acerca da instituição. “A Empresa Brasil de Comunicação foi criada no governo do ex-presidente Lula como uma empresa pública, e possuía algumas salvaguardas privadas que auxiliavam na gestão da programação da EBC e discussão da mesma… a autonomia que ela possuía a princípio passa a ser mitigada, o que aumenta ainda mais uma vez no governo Bolsonaro, com uma ruptura em sua programação e propósito que agora se consolida com o andamento de um processo de privatização da mesma agora no atual regime.”, disse, ao mencionar como a transição de governo afetou as funcionalidades da empresa.

Casos EBC (2015–2020)

De acordo com a Fenaj, houve acréscimo de censura de 8.600% nos último cinco anos — mais informações na arte a seguir. O dado vem acompanhado por outro assustador relatório, o Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, que classificou 2020 como o ano mais violento desde que o censo teve seu início na década de 1990, tendo em vista que o número de ocorrências registradas dobrou de 2019 para 2020.

Crescimento das agressões contra jornalistas 2015–2020 — Fonte: FENAJ

Segundo a executiva da Fenaj, a região Sudeste é reconhecida, em uma perspectiva histórica, por ter a maior concentração de veículos jornalísticos, acumulando assim uma maior expressividade em manifestações ativas que geram, como consequência, um elevado índice de violência contra o jornalismo.

A materialização da ameaça recebe o nome de censura por comprometer qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento. Presente nas mais diversas esferas, a prática compromete o livre acesso da população a determinados dados e informações, quebrando com direitos fundamentais do cidadão através das mais distintas plataformas.

Texto em formato de cartaz com partes cobertas por tarjas pretas lendo: “Em dois mil e vinte foram oitenta e cinco casos de censura contra jornalistas registrados pela FENAJ”
Em 2020 foram 85 casos de censura contra jornalistas registrados pela FENAJ

Confira abaixo algumas informações retiradas dos Relatórios de Violência da FENAJ do ano de 2015 à 2020. Basta clicar nos anos correspondentes para visualizar ano a ano, ou então arrastar para comparar todos os dados.

Panorama geral do relatório da FENAJ (2015–2020)

Relativo ao âmbito jornalístico, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) — fundada em 1946 para representar os jornalistas brasileiros — define o fenômeno como a “Proibição da circulação da informação jornalística… ou também a retirada da informação jornalística de circulação…”, e pode se dar, principalmente, por ações judiciais ou por ordem das próprias empresas, conforme uma resposta eletrônica concedida por representantes da própria instituição.

Censura é a proibição da circulação da informação jornalística, a priori, ou também a retirada da informação jornalística de circulação, a posteriori. Ela pode ser feita pelo poder judiciário, por meio de ações judiciais que determinam a retirada de conteúdos e/ou impedem que determinados assuntos sejam tratados; ela também pode ser estabelecida pelas próprias empresas jornalísticas que, muitas vezes, impedem que determinadas reportagens sejam feitas.
Definição de censura de acordo com a FENAJ.

Considerando essas definições, são muitas as medidas que podem resultar em casos de censura, variando desde campos mais indiretos, como a intervenção de figuras de autoridade pelos meios eletrônicos, ou até agressões físicas diretas. Casos mais extremos podem resultar até mesmo em assassinatos, conforme evidencia a trágica morte do jornalista Lourenço Léo Veras, baleado em 2020 na fronteira entre o Paraguai e o Brasil.

De acordo com a presidente da Fenaj, as categorias verificadas tendem a variar anualmente, embora os critérios se mantenham sempre os mesmos: Diz a presidente:

Podemos ter anos sem casos de atentados ou assassinatos. É o que esperamos. Infelizmente não foi o que aconteceu em 2020.

Apesar dessa vasta amplitude, a executiva reforça as ações judiciais como as principais disparadoras da censura, podendo ocorrer previamente ou após a divulgação das informações.

Casos de agressões contra Jornalistas 2015–2020 — Fonte: FENAJ

Mesmo nos casos que não envolvem uma violência direta, todavia, não é incomum a imposição de represálias sobre os profissionais envolvidos, por vezes demitidos — pressionados também pela forte hierarquia presente nos maiores veículos — ou até mesmo presos pelo desejo governamental.

Segundo Guilherme Amado, vice-presidente da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), é importante traçar uma distinção entre violência e censura.

Mesmo sendo agredido, sendo intimidado, ameaçado, enfim, conseguimos driblar de uma maneira que a gente não se cala

Amado comenta também sobre como a problemática é igualmente alimentada pelo elevado número de demissões que são verificadas e pelo desconhecimento de diversos sistemas judiciais em relação aos procedimentos para questões do gênero em âmbito constitucional, fatores que ampliam as margens para injustiças do tipo. “[A falta de desconhecimento em relação à legislação] é um fenômeno das últimas duas décadas, aproximadamente; quer dizer, do fim da ditadura para cá é um fenômeno crescente e que deve ser observado com muita cautela e com muita preocupação, porque é uma das formas de censura mais efetivas hoje.”

Colagem de fotos do presidente Jair Bolsonaro.
Jair Bolsonaro liderou as agressões contra jornalistas no ano de 2020.

Diante desse preocupante panorama central, é necessário buscar soluções que possam mitigar o fenômeno em questão. Para a presidente da Fenaj, uma das principais problemáticas está nos casos que acabam não sendo denunciados, ocorrência em maior parte motivadas pelos riscos que certos jornalistas, entre os quais podemos apontar represálias e até demissões, podem sofrer.

Desse modo, “o primeiro passo é combater a impunidade, que segundo a organização é o verdadeiro combustível para a violência contra o jornalista… É necessário que as organizações sindicais se manifestem bem como é preciso que haja medidas governamentais para a proteção de jornalistas (que não atuam como funcionários públicos), em um contexto em que o nosso próprio presidente é um dos principais agressores…”. Aos seus olhos, foi isso que verdadeiramente levou ao aumento súbito que ocorreu nos resultados do ano passado.

Nessa busca por possíveis soluções, o jornalista Hélio Schwartsman, vítima de diversas pressões ao longo de sua carreira, destaca a importância da resistência da parte dos profissionais do setor e a necessidade de se levar os casos mais devastadores à tribunal. Análogo a essa fala, Guilherme Amado reforçou a grande necessidade de se noticiar esses casos, numa tentativa de diminuir a pressão individual que muitas vezes os desestimula a lutar por seus direitos.

NOTA: Esse trabalho foi desenvolvido para a disciplina de Pesquisa em Jornalismo, ministrada pela Professor Rafael Sbarai (rafaelsbarai) no curso de Bacharelado em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da FAAP — Faculdade Armando Alvares Penteado.

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