A crise dos grandes números: a verdade sobre métricas de vaidade.

Filipi Tieppo Barbaro
Center for Design Acceleration
4 min readAug 3, 2020

Um texto muito mais que polêmico sobre o vício de empreendedores em querer prever cenários inexistentes.

Foto retirada https://www.thisamericanlife.org/88/numbers

Primeiramente, esse texto vai ser um choque para muitos empreendedores. Não pelo teor da escrita, mas porque vai de encontro com muita coisa realizada por eles que, no final do dia, não faz sentido nenhum. No entanto, não queremos mostrar que tudo está perdido, queremos sim mostrar o caminho certo para o futuro das startups.

Em segundo lugar, não estamos falando de algo novo. Já em 2010, o brilhante Eric Ries fez um post bem bacana sobre as métricas de vaidade. Mesmo depois de dez anos, elas ainda estão entre nós e mal percebemos o quão vaidoso estamos sendo ao apresentá-las.

Vamos às ideias: todo empreendedor (ou quase todo) começa a vender sua ideia com a seguinte narrativa: “Fizemos um estudo de mercado e com a análise do cenário macro vemos a possibilidade de faturamento na casa de milhões”.

— Ok, você acaba de prever uma ótima expectativa de venda. Mas o que você já construiu a respeito do seu negócio que diz que esta oportunidade será de fato alcançada?

Projeções de crescimento e TAM gigantesco

Antes de falar de projeções astronômicas, vamos falar um pouco sobre o conceito de TAM, SAM e SOM. Esse conceito, bem explicado pelo Steve Blank em seu livro “Manual do Empreendedor”, é muitas vezes mal utilizado pelos empreendedores. Útil para a reflexão sobre o tamanho da oportunidade: TAM significa o total de mercado disponível, SAM o total de mercado endereçável e SOM o total de mercado acessível. Em outras palavras o TAM é algo utópico, SAM inatingível e SOM é o que você teria se nenhum outro concorrente existisse na Terra. É aí que nasce a vaidade:

A primeira vaidade empreendedora é sempre mostrar projeções de crescimento com curvas exponenciais, sempre com a argumentação “se mantivermos o crescimento que tivemos até aqui, em X meses teremos um faturamento de X milhões”.

Não me entendam mal, mas projeções em cenários incertos (onde startups atuam), não passam de um alto divertimento com números e fórmulas de excel. Vou explicar… primeiramente, essas projeções costumam estar calcadas em números de base fraca. Por exemplo, uma empresa iniciou o ano com 10 clientes e termina o ano com 1000 clientes. Um crescimento notório de 10.000 % (dez mil por cento). Se o empreendedor ou empreendedora projetar o crescimento atual para o futuro, nas mesmas condições, a empresa teria que terminar este segundo ano com 100.000 (cem mil) clientes.

Claramente esse é um exemplo esdrúxulo, mas o que eu quero evidenciar aqui é que o nível de dificuldade de crescimento aumenta significativamente com o aumento da base de clientes. Em termos técnicos, a taxa de crescimento tende a ter uma desaceleração ao longo do tempo devido ao aumento de dificuldade prospectar e adquirir novos clientes.

Ao simplesmente assumir crescimento passado como projeção futura, você está afirmando (nas entrelinhas) que será capaz de mitigar 100% dos custos e das dificuldades advindas do crescimento, tal como você fez quando partiu do zero… acho bem difícil aceitar essa premissa!

E vamos ser sinceros, projeções são apenas para “inglês ver”. Estamos trabalhando com um cenário incerto, onde há grande probabilidades de pivotagem e necessidade de adaptação imediatas. É tanto que cada vez mais vejo investidores profissionais simplesmente ignorando as projeções que as startups apresentam por entenderem que não passa de suposições sobre o incerto.

Cada vez mais eu vejo investidores preocupados mais com a capacidade de adaptabilidade e de coachability dos empreendedores, do que se o negócio é fenomenal. Ou seja, cada vez estamos menos preocupados com o futuro em si e mais com a sua capacidade de lidar com o futuro, mesmo ele sendo incerto. Isso implica em “sair do prédio” e “conhecer seu cliente”. Eric Ries disse sobre essa dinâmica no seu livro Lean Startup, mas o que ele quer dizer?

— Aprendizagem, pura e simples, ouça o que seu cliente diz, sobre o que você fez e principalmente pelo que você não fez. Isso quer dizer o seguinte: sua startup precisa sofrer críticas para poder melhorar, ela precisa passar por diversos processos de iteração e rearticulação (o famoso aprendizagem validada e pivotagem). Aprenda, aprenda e aprenda. Nunca esqueça desse lema.

Só com a aprendizagem você consegue chegar a cenários mais realistas, considerando que estimar projeções é praticamente impossível, "exercitar e incorporar" é a capacidade chave para você tornar sua startup uma empresa de sucesso. Além disso, um segundo ponto, e na minha opinião, muito pior que o primeiro, é que você está me afirmando (novamente, nas entrelinhas) que seu produto já está pronto e sabemos que isso não é verdade… por mais “pronto que seu produto esteja” você sempre terá que fazer melhorias, melhorar UI e UX, criar e desenvolver novas funcionalidades… tudo isso para ai sim, crescer e expandir sua base de clientes.

Novamente, é difícil aceitar que com o seu produto atual, você será capaz de imprimir a mesma taxa de crescimento, porque, possivelmente, as pessoas que aceitaram seu produto inicialmente, são seus early adopters, o que são a menor proporção da sua base de clientes.

Por fim, o que quero deixar de conselho aos empreendedores é: não tente encantar por métricas e estimativas. Encante pelas grandes “pequenas vitórias” que você e seu time conquistou ao longo do tempo. Ouse contar que você foi responsável em fazer algo que ninguém mais conseguiu e que isso se resumiu a um crescimento X em tantos meses ou a uma validação bem feita.

E sobre o futuro?

Mostre igualmente o que você espera fazer, quais são seus próximos passos, independente de grandes números. As oportunidades chegam para aqueles que se expõe a elas. Faça acontecer, trabalhe por isso. E se precisar de alguma ajuda, entre em contato com a gente. Nós podemos te ajudar no que for preciso.

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Filipi Tieppo Barbaro
Center for Design Acceleration

MSc Production Engineering — Open Innovation Enthusiastic. Startups and Entrepreneurship Advisor.