The Dream Team: um bom time empreendedor vai muito além de uma pessoa de tech e uma de business.

Thomaz Martins
Center for Design Acceleration
6 min readMay 14, 2020

Dificilmente o empreendedor encontra-se sozinho, a maioria das empresas é fundada por equipes e não por indivíduos. Então o que seria um bom time empreendedor?

“O talento vence jogos mas só o trabalho em equipe ganha campeonatos”. — Michael Jordan

Photo by Austin Distel on Unsplash

Uma startup não é uma “entidade mágica”, algo que por si só realiza uma atividade ou desempenha um produto. Uma startup é uma “instituição humana” (Ries, 2011), formada por pessoas que possuem seus problemas e limitações. Então sim, vai dar merda no processo empreendedor. E está tudo bem. O importante é entender os mecanismos pelos quais as merdas podem acontecer para conseguirmos mitigá-los.

Então vou dividir este texto em 3 partes:

  1. Características que ajudam a startup a obter bom desempenho.
  2. As merdas/problemas que podem ocorrer a partir destas características.
  3. Características que mitigam tais problemas (para assim ficarmos apenas com as coisas boas).

1 Características boas para o desempenho

Visto que a startup é uma "entidade humana", pode-se dizer que boa parte do sucesso deste novo negócio está ligado as habilidades destes humanos em tomar decisões sob incertezas (principalmente quando o produto/modelo de negócio é muito inovador).

Para ampliar as chances de sucesso é importante que a equipe fundadora tenha competências complementares. Estas características "heterogêneas" da equipe permitirão uma maior possibilidade de ações frente às escolhas estratégicas do negócio.

Assim, a existência de uma equipe faz sentido quando os membros desempenhem papéis diferentes ou trazem diferentes habilidades para a mesa.

"Uma equipe é um grupo de indivíduos, cada um possuindo um conjunto diferente de habilidades, mas que possuem coletivamente todas as habilidades necessárias para alcançar os objetivos da equipe." (CLARK, 2005)

Muitos empreendedores param a leitura aqui e vão correndo buscar seu "par": alguém de negócios ou de tecnologia para formar sua própria versão de "Steve Jobs e Wozniak". Mas isso não é suficiente. Empreender é um jogo de longo prazo, mesmo que seu objetivo seja vender a startup daqui 5 anos (visto que 5 anos é mais tempo que muito relacionamento!).

É crucial para o bom desempenho do negócio que o propósito dos empreendedores esteja alinhado. Quando há essa convergência entre o propósito dos founders e a visão de futuro do negócio a probabilidade da startup performar é muito maior (DIERDORF et al., 2011).

Resumo: um time com habilidades complementares (conhecimento de negócios, tecnologia e do setor de atuação) e com objetivos alinhados (tanto objetivos pessoais quanto sobre o que esperam do negócio) terá mais chances de obter um bom desempenho.

2 Problemas e tretas

Lidar com pessoas é complicado. O ser humano apesar de ser um "animal social" manifesta diversos conflitos em suas relações diárias.

Segundo a clássica definição de March e Simon (1981, p.160), conflito é:

“um colapso nos mecanismos decisórios normais, em virtude do qual um individuo ou grupo experimenta dificuldades na escolha de uma alternativa de ação”.

E como eu disse: está tudo bem ter conflitos! Na verdade, como startups estão desenvolvendo algo inovador é natural terem diversas "alternativas de ação" e com isso "dificuldades em suas escolhas".

Tarefas não rotineiras (ou inovadoras) são tipicamente tarefas complexas sem soluções padrão, exigindo decisões por parte dos sócios "sem uma resposta certa". Como cada sócio tem formações e experiências diferentes, é natural que priorizem tarefas diferentes a serem realizadas. Estes conflitos de tarefa são inerentes do processo criativo e podem ser benéficos, visto que os empreendedores estão ampliando seu leque de opções e decisões.

O problema é quando estes conflitos viram afetivos, ou seja, quando deixam de ser uma discussão saudável sobre as atividades do negócio e atingem questões pessoais. A famosa "treta". Os sentimentos feridos que resultam de um conflito de tarefas mal gerenciado podem facilmente estimular brigas entre os sócios.

Esse conflito afetivo considera a tensão e o atrito de relacionamento entre as partes que tomam decisões e claramente possui efeito negativo no desempenho do time (STEFFENS et al., 2012). Como gestor em programas de apoio ao desenvolvimento de startups já vi mais de um caso de startup que estava performando e acabou encerrando atividades por brigas pessoais entre os sócios. Espero que isso não esteja acontecendo com você neste momento, mas caso esteja tem sim formas de mitigar essas tretas!

Resumo: características heterogêneas (que são boas para o negócio) podem gerar conflitos de tarefas (o que tem de ser feito no negócio). Quando estes conflitos do dia a dia atingem o lado afetivo (viram treta), a startup deverá ter baixo desempenho ou até quebrar.

3 Características que mitigam

Durante meu mestrado na FGV EAESP realizei uma pesquisa no Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios, ainda inédita, sobre conflitos entre sócios fundadores de startups. Neste estudo identificamos 2 características que reduzem a probabilidade de um conflito de tarefa virar afetivo.

A primeira delas é a confiança entre os membros. Quando os sócios não confiam uns nos outros eles provavelmente interpretam conflitos de tarefa de forma negativa e pessoal. Caso exista confiança estes sócios estarão mais propensos a aceitar discordâncias, interpretando as diferentes opiniões sobre tarefas a serem realizadas como algo positivo. Basicamente pensam que o outro sócio quer o bem do negócio.

A segunda característica é a capacidade de dar e receber feedback. Quando um dos empreendedores possui dificuldade em interpretar críticas ao seu trabalho, sentindo que a crítica é direcionada para a sua pessoa, os conflitos de tarefa podem convergir em conflitos afetivos. Ao escalar estas discussões o ambiente empreendedor torna-se insustentável para o desenvolvimento do negócio.

Resumo: para reduzir as chances do conflito do dia a dia (tarefas e procedimentos) virar uma briga pessoal é importante que os empreendedores tenham confiança entre si (tanto na índole do outro quanto na competência) e saibam dar e receber feedback (separando críticas ao seu trabalho de criticas a sua pessoa).

Conclusão: o que buscar em um time societário?

Tão importante quanto olhar para as habilidades técnicas das pessoas que formam a startup é entender como estas pessoas se relacionam.

Ao formar seu time busque conhecer em profundidade o ser humano por trás das habilidades: entender seus objetivos de vida, objetivos com o negócio que está sendo formado, e como lidam com críticas e feedbacks. Além disso é muito importante ter um período de "namoro", onde poderão se conhecer melhor e estabelecer (ou não) uma relação de confiança.

Modelo explicativo sobre relação societária e desempenho do negócio (elaborado pelo autor).
Modelo explicativo sobre relação societária e desempenho do negócio (elaborado pelo autor).

Caso seu time já esteja formado, sem problemas. Vale a reflexão: Temos as habilidades necessárias? Sabemos lidar com a crítica do outro? Confiamos no outro? Temos objetivos alinhados?

Caso não saiba responder alguma destas respostas, ou elas sejam negativas, está na hora de dialogar com sua equipe e explorar cada uma das 4 características: heterogeneidade, feedback, confiança e objetivos.

Conversas difíceis hoje podem evitar grandes perdas (financeiras e emocionais) no futuro.

Boa sorte :)

Referências

CLARK, Richard E. Research-Tested Team Motivation Strategies. Performance Improvement, Volume 44, Number 1, January, 2005

DIERDORFF E. C.; BELL S. T.; BELOHLAV J. A. The power of “we”: Effects of psychological collectivism on team performance over time. Journal of Applied Psychology, 96: p.247–262, 2011.

MARCH, J.; SIMON, H. Teoria das organizações. 5. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1981.

RIES, Eric. The Lean Startup: How Constant Innovation Creates Radically Successful Businesses: How Relentless Change Creates Radically Successful Businesses. Portfolio Penguin; 2011.

STEFFENS, Paul; TERJESEN, Siri; DAVIDSSON, Per. Birds of a feather get lost together: new venture team composition and performance. Small Bus Econ. V.39: p.727–743, 2012.

--

--

Thomaz Martins
Center for Design Acceleration

Diretor da FGV ventures & Founder do Center for Design Acceleration. Facilito processos de inovação para que pessoas possam mudar o mundo :)