Da internet do conteúdo à internet das coisas: de onde viemos e para onde vamos.

Tiago Barros
CESAR Update
Published in
8 min readMar 21, 2018

Este post é o primeiro de uma série sobre Internet das Coisas e seus impactos. Quer entender o que significa a Internet das Coisas? Então leia aqui.

A internet começou a partir da ARPANET, iniciativa de pesquisadores e militares dos Estados Unidos para troca e compartilhamento de informações durante a guerra fria. Com o final da guerra fria, o governo dos Estados Unidos permitiu que os pesquisadores que tivessem contribuições e estudos na área de defesa entrassem na ARPANET, e, a partir disso, foi criada uma nova ARPANET, dissociada da rede militar. A rede evoluiu de 2 computadores conectados em 1969 para centenas deles em 1977. Neste momento já existiam a maioria dos protocolos necessários para o roteamento e transmissão de dados em pacotes.

Mapa lógico da ARPANET em março de 1977. Imagem de domínio público, criada em 31 de dezembro de 1976, retirada da Wikipedia.

Em março de 1989, Tim Berners-Lee, ao perceber que os pesquisadores do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear) tinham dificuldade em compartilhar suas pesquisas de forma estruturada, escreveu um artigo com uma proposta de arquitetura para o gerenciamento de informação das pesquisas. Essa arquitetura juntava o conceito de hipertexto com os protocolos de comunicação por pacotes e permitia estruturar a informação através de hiperlinks. Ou seja, Tim Berners-Lee propôs uma interface de usuário unificada para todos os tipos de informação, suportada por um novo protocolo de transporte.

Segue abaixo a tradução do texto (com o acréscimo de mais algumas informações) retirado da página da ACM sobre o Prêmio Turing de 2016, entregue a ele:

Para implementar essa arquitetura, Berners-Lee definiu várias ferramentas, dentre elas:

- Uniform Resource Identifier (URI) que serve para permitir que qualquer objeto (como um documento ou imagem) na Internet seja nomeado e assim identificado.

- Hypertext Transfer Protocol (HTTP) que permite a troca, recuperação ou transferência de um objeto através da Internet .

- Navegador da Web, um aplicativo de software que recupera e processa recursos na World Wide Web, juntamente com links clicáveis ​​para outros recursos e, na versão original, permitiu aos usuários modificar páginas da web e criar novos links.

- Hypertext Markup Language (HTML) que permite aos navegadores web traduzem documentos ou outros recursos e os renderizam como páginas multimídia.

- Servidor HTTP (httpd) programa sem interface direta com o usuário que responde a uma conexão TCP e serve páginas em hipertexto.

Berners-Lee publicou o primeiro website, http://info.cern.ch/, em 6 de agosto de 1991.

Primeiro website, exibido no simulador do LineMode Browser — Fonte: http://line-mode.cern.ch/www/hypertext/WWW/TheProject.html

Assim, estava definida a World Wide Web, rede mundial de servidores de hipertexto. Em 1994 Tim Berners-Lee criou o W3C— World Wide Web Consortium, que define os padrões da internet.

Foi dessa forma que a ARPANET se transformou na "internet do conteúdo". Redes de pesquisa de vários países começaram a se conectar nessa rede mundial, agora chamada de internet, para trocar e compartilhar seus estudos. No Brasil, o órgão responsável por isso foi a RNP — Rede Nacional de Ensino e Pesquisa.

A partir de 1991, com a internet aberta ao público, a WWW cresceu, e as pessoas e empresas passaram a se conectar nessa rede. Nesse começo, a conexão era feita por modems, ligados à linha telefônica fixa. O usuário discava para outro número de telefone fixo, que possuía um modem, que por sua vez estava conectado a algum computador já conectado à internet. Estávamos conectando lugares, pois não é a toa que os conjuntos de páginas na WWW eram chamados de sites. A internet passou a ser um "lugar" para encontrar informação sobre lugares físicos e encurtar distâncias, e as pessoas "entravam e saíam" da internet.

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As empresas logo perceberam que poderiam conectar os seus clientes aos seus "lugares virtuais" e começaram a ofertar os seus serviços na internet. Desta forma, se tornou possível, via internet, fazer transferências bancárias e pagar boletos, comprar diversos artigos de consumo, reservar uma mesa num restaurante ou compartilhar os vídeos das suas últimas férias. A WEB 2.0 estava instalada, a "internet dos serviços".

Com a popularização da telefonia móvel, começaram a surgir vários desses serviços com foco no compartilhamento de informação. A conexão de dados da telefonia móvel proporcionou a inserção das pessoas na internet o tempo inteiro. Ninguém mais "entrava na internet", todos já estavam conectados 24h por dia. Além de conectar lugares, a internet agora conectava pessoas. As pessoas passaram a ter uma representação virtual na internet, ou simplesmente um "perfil", quando houve uma explosão de serviços para a conexão de pessoas em redes. As redes de pessoas, ou redes sociais, transformaram a internet em "internet das pessoas". E essa foi a terceira onda.

Fonte: http://realtradersblogs.com/all-youd-like-to-learn-about-social-internet-marketing.html

Nesse momento, a internet já possuía mais de 120 milhões de sites e era acessada por mais de 1 bilhão de pessoas, caminhando seguindo os largos passos da Lei de Moore. Essa evolução transformou os computadores em dispositivos ubíquos e possibilitou o surgimento dos smartphones, grandes responsáveis pela internet social. Entretanto, a redução do tamanho dos transistores tem um limite (atualmente a Intel está projetando chips com transistores de 10nm) e alguns já começam a afirmar que a Lei de Moore está chegando ao fim.

A Lei de Moore trouxe mais do que a ubiquidade da computação e da internet e não poderia acabar sem deixar o seu último legado. A grande quantidade de smartphones demandou a produção em massa dos seus componentes: microcontroladores, rádios, telas, baterias e sensores; e isso tornou esse tipo de hardware ainda mais barato, a ponto de possibilitar embarcá-lo em coisas comuns, como lâmpadas, portas, geladeiras e sapatos. Microcontroladores, sensores e atuadores passaram a estar cada vez mais presentes em coisas cotidianas. Conectar, então, essas coisas à internet passou a ser uma questão de tempo. Estava surgindo a "internet das coisas".

Fonte: KNoT Network of Things — http://knot.cesar.org.br

Internet das Coisas: Embarcar sensores, atuadores e conectividade nas coisas, para compartilhar seus dados e, com isso, agregar mais valor.

Na verdade, o termo "Internet of Things" foi cunhado por Kevin Ashton em 1999, com a idéia de utilizar RFID para rastrear os cosméticos da P&G e evitar que eles faltassem nas lojas. Ashton percebeu que o processo "manual" de controle do estoque das lojas era a raiz do problema.

Human-entered data is error prone, inexact, and expensive: no one can afford to be constantly entering data about all the details of an ever-changing environment. {…} Computers needed to gather their own information by sensing the world for themselves. — Kevin Ashton.

Em tradução literal: Os dados inseridos por humanos são propensos a erros, inexatos e caros: ninguém pode se dar ao luxo de entrar constantemente com dados sobre todos os detalhes de um ambiente em constante mudança. {…} Os computadores precisam reunir suas próprias informações, sentindo o mundo por si mesmos.

Apesar de ter convencido os diretores da P&G a financiar o seu Auto-ID Center no MIT, a grande maioria das empresas não estava muito interessada em IoT. A Internet das Coisas só começou a ganhar popularidade e atenção mundial mais de 10 anos depois.

Nesse meio tempo, um grupo de professores e alunos do Instituto de Design de Interação de Ivrea na Itália desenvolveu a plataforma Arduino, uma placa microcontrolada barata e fácil de usar, que possibilita a construção de objetos interativos por pessoas que não tinham o conhecimento em computação embarcada. Era a ferramenta necessária para que qualquer pessoa pudesse desenvolver projetos de objetos físicos dotados de sensores e atuadores. A plataforma Arduino, por ser completamente open source, cresceu tanto que ganhou a atenção de grandes empresas de tecnologia, como a Intel e o Google. E aí, adicionar conectividade à plataforma Arduino foi questão de tempo, e permitiu que cada vez mais pessoas começassem a criar objetos interativos e conectados.

O mundo então voltava seus olhos para a Internet das Coisas. Em 2011, o Gartner incluiu "Internet of Things" no seu hype-cycle de tecnologias emergentes pela primeira vez. Em 2014 o Google comprou a Nest (fabricante de termostatos conectados na internet) por US$ 3,2 bilhões; e o tema da Consumer Electronics Show — CES 2014 foi IoT. E foi nesse ano que Internet das Coisas alcançou o pico das expectativas infladas no hype-cycle do Gartner.

Fonte: Gartner hype-cycle on emerging technologies, 2014.

Vários institutos de pesquisa de mercado começaram a lançar suas previsões: de 7 a 11 trilhões de dólares em negócios de IoT em 2025. Isso trouxe a atenção de mais empresas, como IBM, Microsoft, Amazon e Apple. Cada uma queria sua fatia no mercado. IoT era o tema de quase todas as conferências em 2015.

Entretanto, não aconteceu com IoT o mesmo que aconteceu com a WWW de alguns parágrafos atrás: Não havia (na verdade não há ainda) um padrão para a Internet das Coisas. Esse "padrão" significa um conjunto de protocolos únicos utilizados por todos os dispositivos e aplicações. Um dos motivos é que, ao contrário da WWW, IoT foi feita a muitas mãos. Cada uma delas "dando o seu pitaco". Cada pitaco desses era um protocolo, na camada de aplicação, para empacotar e enviar os dados das coisas. Outro motivo é que IoT depende bastante da conectividade sem fio.

E cada coisa que você deseja conectar à internet tem requisitos diferentes em termos de alcance, largura de banda, consumo de energia e custo.

Por exemplo, WiFi pode ser adequado para conectar TVs à internet, mas uma forma de comunicação sem fio bem mais barata, com menor largura de banda é mais adequada para conectar uma lâmpada. Assim, uma miríade de protocolos (pilhas de protocolos na verdade) surgiu para conectar as mais variadas coisas: de carros e TVs a lâmpadas e vasos de plantas.

É nessa realidade que estamos construindo a internet das coisas hoje. Além da complexidade, a segurança, usabilidade e interoperabilidade são os principais desafios de IoT. Mas isso já é assunto do próximo post. Fique ligado! Até lá.

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