Desafio dos 3Ds - Design, Desenho e “Devs”

Cora Sales
CESAR Update
Published in
8 min readJun 21, 2018

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Dia desses, certo grupo de desenvolvedores de software começou uma discussão sobre desenho. Alguns mencionaram que praticavam bastante na infância mas com o tempo deixaram pra lá, enquanto outros afirmavam nunca terem tido talento pra coisa, e não saber fazer nada muito além de bonecos de palito.

Pessoas em pé reunidas em segundo plano, conversando e rindo, segurando pranchetas. Ao fundo, uma projeção de slides. No primeiro plano, uma mesa com desenhos e chocolates em cima, e uma placa luminosa “Vamos desenhar?”.
Cartaz de divulgação do workshop, com o desenho de Urbano Chagas.

Ao me envolver na conversa, fui incentivada a organizar um workshop, inicialmente apenas para membros do projeto, onde pudéssemos falar mais sobre essas dificuldades de expressão no trabalho. Escrevi um breve roteiro de 4 encontros semanais, apresentei para colegas designers, e concordamos que esse seria o piloto de uma proposta para praticar desenho de observação dentro do CESAR. Por se tratar de uma primeira tentativa, achamos por bem abrir vagas apenas para desenvolvedores, testers, e líderes do Projeto SPA.

Gif utilizado em slide do Encontro 1. Cena do filme Tempos Modernos (1936), com uma espécie de robô girando uma espiga de milho na boca do ator Charles Chaplin. Balões de fala com a frase “Eu amo inovação, principalmente quando ela anda para trás”.

E esse foi o nosso começo: Depois do almoço, extendendo aquela pausa no meio do expediente uma vez por semana. Tendo duração de uma hora, dividida entre um primeiro momento de fala, e um segundo momento de “mão na massa”. Com direito a todo material fornecido pela instituição: prancheta, lápis, e papel… mas nada de borracha. O hábito de querer se desfazer de um traço marcado no papel, na vontade de manipular o aspecto final, não era parte do que estávamos buscando.

Considerando o contexto da tecnologia (mais precisamente a área de Engenharia de Software), se permitir participar dessas práticas (dentro e fora da instituição) repercute profissionalmente numa maior desenvoltura diante de questões sobre o que, para quem, e de que forma serão implementadas as soluções que construímos. Essencial quando estamos falando de inovação, né?! :)

As decisões tomadas diariamente, sob a luz de monitores e em meio a prazos apertados, sofrem com os reflexos mecânicos adquiridos em um cotidiano de repetição. O que fazemos para tentar combater esses eventos é possibilitar discussões sobre humanidades — e melhor ainda se resultarem em práticas! Práticas que incitem não só a criatividade como processo, mas a consciência de pertencimento ao lugar, e as oportunidades de explorá-lo.

Desenho de Rennê Vasconcelos, resultante da observação de sua mesa de trabalho.

Encontro 1 — Sobre arte

Para ser mais exata, essa ideia surgiu em meio à velha discussão sobre o que é arte, quem é artista…

“Quem poderia responder o que é arte? Chama um designer! Mas que saiba desenhar, né?! Não é artista que fala dessas coisas? Nunca entendi.”

Bom, não. São muitas questões mesmo… E ao longo da minha formação fui incentivada a não desviar dessas discussões — pelo contrário. No entanto, para muitas pessoas esse tipo de pergunta não aparece na faculdade, nos lugares que frequenta, nem mesmo no cotidiano do trabalho. Por isso, essa se mostrou uma boa oportunidade de provocar esse tópico, mesmo que de maneira bem breve.

Participantes sentados, vistos pela lateral, no primeiro dia de workshop no auditório do CESAR Apolo. À direita da foto, sentados ao fundo, estão alguns dos designers do projeto que presenciaram esse momento: Wayne Ribeiro, Stuart Marcelo, e Eduardo Oliveira.

Para abordar esse tema, minhas maiores referências são os encontros que participei no Grupo Risco! de desenho com modelo vivo, e aulas durante o curso de Design da UFPE — de arte contemporânea com Gentil Porto Filho, e as práticas plásticas e corporais com Oriana Duarte. No entanto, pelas premissas da proposta (não é um workshop de arte, nem de história, nem de teoria), do local, e pelo fato de ainda estudar sobre isso também, essa parte teórica não foi desenvolvida. Mas alguns pontos importantes foram salientados antes de começar:

Gif criado para slide do Encontro 1, como uma tela em que se está digitando um texto. Usando termos de linguagem de programação computacional (Python) para falar sobre falsa fórmula da arte.
  1. Desenho, Design e Arte são conceitos extremamente diferentes e independentes um do outro, mas que podem se relacionar. Por várias questões são usados de maneira equivocada, mas não deveriam ser confundidos, principalmente pelos que praticam.
  2. Ser artista não é uma profissão. As “fórmulas” que existem para enquadrar isso como um ofício são falhas, apesar de muitos afirmarem o contrário. (Saiba mais no trecho “Artes apropriadas”, do texto Ex-Arte: Práticas Desviantes do prof. Gentil Porto Filho)
  3. Desenhar não exige talento, vocação, ou dom. Não exige nem técnica, nem material específico. O desenho é encarado tanto como processo, quanto como resultado. E o produto dessa prática pode não ser arte.
Imagem do filme Ferris Bueller’s Day Off — Curtindo a Vida Adoidado (1986), com a interferência gráfica de um balão de pensamento com a frase “O traço claramente denota…”, criada para slide do Encontro 1, em tom de ironia à posturas que costumamos ver nos frequentadores de museus de arte.

Com relação a esse último ponto - que foi o tema do workshop - existem orientações para se obter determinados fins. Muitas vezes isso exige prática, além do conhecimento de técnicas e materiais. E ainda existem vertentes realistas, abstratas… Mas para esse momento também não adentramos nisso.

O exercício proposto para este primeiro dia foi desenhar um telefone que estava sobre uma mesa. O telefone é similar aos utilizados por todos diariamente, e o exercício era atentar para os detalhes da imagem que se apresentava alí, em fatores como a incidência da luz, forma e tamanho dos elementos.

Desenhos à lápis, por Rafael Gomes (esq.) e Cleydiane Lima (dir.)

Encontro 2 — Sobre perspectiva

Meme retirado da internet com a frase “tudo é uma questão de perspectiva” em inglês, junto a uma montagem com duas fotos do Principe William. Na primeira, ao ser visto de lado, ele parece estar mostrando o dedo médio da mão direita. Na segunda imagem, sob perspectiva frontal, está mostrando três dedos da mão direita (dedos médio, anelar e mínimo). A montagem mostra como cabe uma interpretação diferente para cada ângulo de visão do mesmo momento.

Antes de falar sobre “direcionamentos técnicos” para o desenho em perspectiva, contextualizamos esse assunto revisando um pouco dos pontos do encontro anterior. A palavra perspectiva significa ver através de, derivada do grego optiké (ótica). É algo que percebemos diariamente através dos nossos olhos, mas a mente permite ir além — e um dos pontos levantados foi justamente com relação ao exercício do design, durante a investigação de um problema, em termos do que ocorre quando consideramos apenas uma maneira de entendê-lo.

Existem vários tipos de perspectivas, no entanto, como o objetivo não seria desenvolver o desenho numa precisão técnica, também não focamos nesse tópico. Linhas guias, ponto de fuga, e efeitos de sombra (hachura e esfumato), foram as técnicas mencionadas nesse encontro. E o exercício proposto foi seguindo a idéia do anterior, contando com elementos a mais no cenário, e notando as diferentes perspectivas nos resultados.

À esquerda, foto do Encontro 2, no momento em que desenhavam os objetos em cima da mesa (televisão, notebooks, telefone e fios). E à direita, desenho de Thiago Chaves.

Encontro 3 — Sobre figura humana

O Encontro 3 foi para explorar a percepção da figura humana, mais especificamente as expressões e características faciais das pessoas com quem convivemos diariamente, e muitas vezes não notamos detalhes particulares que fazem parte de quem são. O exercício proposto era sentar em duplas, observar o outro por cerca de um minuto, e então desenhar.

Retratos de Fernando Oliveira por Raphael Gomes (esq.), e Cleydiane Lima por Flávia Bacic (dir.).
Selfie com os participantes. Eu em primeiro plano, e em segundo plano, da esquerda para a direita: Walter Ferreira, Cleydiane Lima, Flávia Bacic, Fernando Oliveira, Rennê Vasconcelos, Raphael Gomes e Eduardo Souza.

Nesse encontro contamos com a presença do ilustrador eduardo souza, mestre em Design pela UFPE, que falou um pouco sobre desenho de anatomia humana, além de mostrar os estudos que mantém no seu sketchbook.

Foi um momento de muita descontração e descobertas entre os colegas. Alguns comentavam que nunca tinham percebido um sinal no rosto do outro, ou que a proporção de uma parte do rosto com relação a outra era bem maior, e etc.

Retrato de Rennê Vasconcelos, por Walter Ferreira.

Ao final, todos foram às mesas de colaboradores que não participaram do encontro, para questionar qual dos participantes estava alí representado nos desenhos. E vibraram muito identificando os rostos! :)

Encontro 4 — Sobre paisagem

Houve duas semanas de hiato entre o Encontro 3 e o 4, em que o desafio foi: desenhar a sua mesa de trabalho, vista do lugar que você senta todo dia. Mesmo sem nos encontrar, e sabendo que a prática é importante quando o intuito é chegar a um determinado nível, essa entrega também foi um exercício de disciplina e autonomia.

Desenho do desenvolvedor Raphael Gomes, que utilizei em slide do Encontro 4, para exemplificar como poderia ser construído um desenho de observação representativo, com muitos elementos e planos. No desenho, ele representa a sua mesa de trabalho, com garrafa, monitor, notebook, telefone, teclado, e vários fios.

Para falar sobre planos de paisagem e revisar técnicas de perspectiva, apontei então para os trabalhos que foram entregues e já apresentavam essas características, mesmo sem ser de conhecimento do autor.

Em seguida, o desafio final no último encontro foi ir até a mesa de trabalho de um colega qualquer do projeto, e desenhar o que visse, sob a perspectiva que quisesse. Na entrega desse exercício também aconteceu de perguntarem aos colegas se reconheciam as mesas pelas características desenhadas.

Desenho por Thiago Chaves, da vista da mesa de trabalho de Cleydiane Lima — e sua coleção de objetos de tartarugas.

Mini expo

Mostrando nosso resultado ao público, criei pequenas pranchetas legendadas em MDF no L.O.U.Co (Laboratório de Objetos Urbanos Conectados do Porto Digital) para exibir os desenhos na parede do CESAR Apolo. Quem nos visitar pode conferir, mas por tempo limitado. ;)

Na imagem da esquerda, alguns desenhos expostos na parede. Na imagem à direita, o público, de costas para a câmera, observando os desenhos expostos.

É isto.

Foi uma experiência inédita pra mim, e sem dúvidas muito edificante, em vários sentidos. Como primeira iniciativa própria no CESAR, foi fundamental todo o apoio que recebi. Os resultados incríveis do pessoal (tanto físicos como os desenhos em si, até as conversas técnicas ou filosóficas, nos intervalos do trabalho) foram percebidos por todos, principalmente por aqueles que duvidavam da sua capacidade. As lembranças em mim vão da real importância diária de estreitar laços entre as frentes do projeto, até a perda total do controle (se é que um dia tive algum) sobre o bullying com os desenhos do coleguinha — porque pense numa turma inteira “do fundão” esse projeto… Hahahah!!! ❤

Desenvolvedores e testers sentados no auditório do CESAR Apolo. No primeiro plano, Wallace Thierre sorri olhando para a câmera, e faz um sinal de paz com a mão esquerda. Em segundo plano, estão Raphael Gomes e Thiago Chaves, com pranchetas no colo, olhando para outra direção.

Meus agradecimentos à todos do Projeto SPA. Ao gerente Urbano Chagas, e as líderes Sheila Vieira, e Flávia Bacic, que incentivam ações assim, mantendo o clima de união, e integração da equipe. Ao apoio total dos designers, principalmente dos mentores (e amigos) Elisa Sattyam, Tamires Serra, e Eduardo Oliveira; e também aos ilustres Stuart Marcelo, Wayne Ribeiro, Guilherme Nogueira, e Celso Hartkopf.

Selfie com o pessoal, sorridentes, durante um dos encontros do workshop.

E o assunto continua até hoje por aqui! Seguimos em construção, na força-tarefa da equipe de design, para iniciarmos o desenvolvimento de uma próxima proposta. Quem sabe vem aí uma edição com mais vagas para outros projetos e áreas do CESAR?! o/

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