Personagem César com dúvida entre escolher a caixinha do ux design ou a do design de interação

Interaction Designer vs. UX Designer

Rodrigo L. Carneiro
CESAR Update
9 min readMay 29, 2020

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O que um romano peludo pode ensinar sobre nomenclaturas em design

Saber o que um designer faz apenas pela nomenclatura do seu cargo não é algo fácil. Existem diversos nomes e até para profissionais da área fica complicado distiguir. O que faz um designer de interação? E um UX designer? E o que os diferencia?

Spoiler: designer de interação é um termo de origem acadêmica da Interação-Humano-Computador (IHC); enquanto ux designer é um termo que vem das ciências comportamentais, com maior capilarização no mercado.

Para tentar explicar isso, imagine-se na Roma antiga. Um cidadão comum normalmente tinha três nomes próprios: um prenome, escolhidos ao gosto do patriarca entre umas 12 opções existentes; Um agrupamento familiar, conceito jurídico de organização social parecido com um sobrenome; E um cognome, apelido que era dado ao longo da vida e servia também para diferenciar membros do agrupamento familiar. Assim, Caio Júlio César era o Caio, do agrupamento dos Júlios, que era César (“peludo” no original do latim, o que era uma grande ironia pois Júlio César era careca)*. Esse sistema de nome ajudava a qualquer cidadão entender quem era o outro cidadão na sociedade apenas ao saber o seu nome.

Personagem César sendo chamado por peludão. O personagem é careca e tem uma roupa ao estilo romano.

E César, o Peludão, então decide estudar design. Ele descobre que, ao contrário dos nome na Roma antiga, existem vários nomes para definir a atuação de um designer.

Talvez porque as atribuições e habilidades de um designer mudam mais rapidamente do que de uma estrutura de sociedade, atribuições que não existiam há pouco tempo (ex: interface de voz). Além disso, diferentes áreas podem dar sua própria nomeação a uma atividade, ainda que o objetivo final seja parecido.

Eu costumo me intitular com diversos nomes. Geralmente só como Designer. Product designer quando trabalho em todo o ciclo de um produto. Designer digital para os amigos da faculdade. Service designer quando atuo como consultor em design. Nas redes sociais assumo o UX/UI designer por causa da popularidade. Já meu cargo atual é designer de interação e foi uma das motivações de escrever esse texto: nomenclatura faz diferença?

César com dúvida encarando objeto. 2 balões de pensamentos. Balão 1: numeral 9 em algarismo romano. Balão 2: Um gancho

Diferente da Roma antiga, não há uma regra clara de como chamar um designer. Ter é um conhecimento de base, ouvir o que outros profissionais estão falando e ter acesso a pesquisas podem te ajudar a definir o que faz sentido para cada um.

Para Peludão entender um bom começo seria explorar o contexto histórico que surgiu o design (ou pelo menos tentar fazer um recorte, já que ele não vivenciou essa época). Eu o apresentaria a dois grandes pesquisadores da área, Gui Bonsiepe e Bernhard Bürdek. Para entender que o inicio da prática do design está nos aspectos artesanais e artísticos. Da relação do design com o fazer, com o pôr a mão na massa e como esse pensamento está ligado a origem do design como disciplina, principalmente com a revolução industrial.

Também mostraria que o desenvolvimento industrial tornou a atividade de fazer artefatos mais complexa devido ao aumento da oferta e produção de produtos. De uma atividade de criação de artefatos únicos para projetos de produção em série. O trabalho foi aos poucos mudando do paradigma de produção (mais técnicas e processo) para o paradigma do uso dos artefatos (mais sobre pessoas e percepções efetivas, afetivas e com significado).

Gui Bonsiepe, iria talvez lhe explicar calmamente (com um português claro misturado com um toque de espanhol) que a função do designer não seria mais só de um criador de artefatos, mas fazer “mais habitável o mundo” dos artefatos materiais e simbólicos. Como numa tentativa constante de integrar a ciência e a tecnologia na vida cotidiana de uma sociedade, focando na interseção entre o usuário e o produto/informação.

Nas minhas palavras: a função do designer é criar artefatos que façam sentido para as pessoas.

César mostrando um app para outro personagem. O outro personagem com roupa casual romana com dúvida.

Essa é uma das explicações do surgimento do design como disciplina. É como se a definição do objeto/artefato definisse a atuação (e a nomenclatura) do designer. O que não muda é a preocupação com as pessoas. Desde o começo da revolução industrial até os dias de hoje o foco é em criar produtos que sejam usáveis, agradáveis e desejáveis. O que muda é a plataforma, os processos e como irá atender as necessidades das pessoas.

E hoje em dia?

Design tem diversas faces, por isso apresentaria para Peludão o trabalho no setor de inovação, no qual faço parte. Trabalho diretamente com a criação de artefatos digitais (como sites e apps) e serviços. Artefatos que até os anos 80 eram caros, logisticamente desafiadores e os usuários eram profissionais especializados. Hoje, a maioria dos artefatos digitais são utilizados por pessoas comuns e cada vez mais o perfil desses usuários têm se tornado heterogêneo.

César está segurando ferramentas de trabalho, olhando para um vídeo do youtube sobre como construir aquedutos.

Essa evolução trouxe a oportunidade dos designers fazerem a diferença: entendendo as complexidades culturais/pessoais, traduzindo isso em negócios e serviços que sejam tecnologicamente viáveis. As definições do que um designer faz nesse contexto as vezes é ambíguo, podendo confundir a discussão e o ensino da área. A designer Analía Ibargoyen tratou essa questão argumentando que é comum alguns conceitos nesta área serem costumeiramente utilizados por seus praticantes sem um maior embasamento, sendo apoiado mais em experiências. As prováveis causas seriam:

  • Variedade de conceitos dinâmicos como emoções e afetividade. Imagine a dificuldade de definir satisfação ou felicidade de alguém. Não é nada trivial e não há um consenso nos modelos atuais;
  • Unidade de análise muito adaptável, numa tentativa de uma abordagem multidisciplinar em um usuário que seja replicado a todos os demais. Ou a dificuldade de entender as particularidades de cada indivíduo que se perde durante uma produção em massa; e
  • Abordagem fragmentada e complexa através do uso de diversos modelos teóricos com diferentes paradigmas.
César olhando para 3 telas. 1 tela: formas abstratas. 2 tela: diferentes objetos com água. 3 tela: diagramas

Novos problemas trazem novos conceitos. As vezes os conceitos são ultrapassados antes de amadurecem. Uma evidência disso é a relevância e popularidade de algumas disciplinas que tratam da relação de pessoas com o uso de artefatos ao longo do tempo: a Ergonomia por volta dos anos 10, a Fatores Humanos nos anos 40, Usabilidade no início dos anos 50, o Design de Interação nos anos 80, Experiência do Usuário em 95 e mais recentemente o Design de Experiência.

Assim, temos um proliferação de cargos e nomes, como designer de interface, designer de interação, web designer, designer digital, designer thinker, designer de experiência do usuário, designer de produto, etc. Para ajudar Peludão, vou focar em duas nomenclaturas: designer de interação e ux designer.

Designer de interação

A engenharia de software trabalhou por muitos anos focado na concepção de artefato com metas em desempenho e solução de problemas funcionais. Quando fator humano e a relação do usuário com os artefatos ganhou mais importância um novo campo de estudo focado nessa relação e nas interações surgiu, o Design de Interação.

César ao lado de tela com código. Acima uma escala, de interaction design à esquerda até ciência da computação à direita.

Yvonne Rogers, Helen Sharp e Jenny Preece definem que o design de interação é o desenvolvimento de produtos interativos que fornecem suporte às atividades cotidianas das pessoas, alem de criar experiências que melhorem a satisfação durante o uso de um artefato.

Alan Dix entende que o design de interação não é apenas sobre como fazer artefatos, mas é sobretudo entender e escolher como esse artefatos irão afetar o jeito que as pessoas trabalham. O foco seria em duas metas:

  1. Metas de usabilidade, que estão preocupadas em preencher critérios específicos de usabilidade; e
  2. Metas decorrentes da experiência do usuário, que propõem a explicar a qualidade da experiência no uso dos artefatos.

Enquanto a meta de usabilidade é mais prática podendo ser testada, a meta de experiência tende a ser mais aberta, como métodos mais investigativos. É um processo técnico e experimental com foco nas necessidade do usuário.

César sentado olhando para uma tela. Cientista feliz com jaleco anotando reação. Na tela está um desenho feliz e gráficos.

Yvonne Rogers, Helen Sharp e Jenny Preece argumentam ainda que não existe uma teoria unificada ou um framework que seja usado de maneira genérica para aplicar o design de interação. Existem experimentos testados e resultados relevantes que podem ser utilizados, dependendo do tipo de projeto e metodologia aplicada. Desta forma o processo de design de interação é flexível, pode ser adaptado ao contexto da sua aplicação e é norteado por três características-chave:

  1. Pessoas: os usuários e clientes devem estar envolvidos no desenvolvimento do projeto;
  2. Objetivos: no início do projeto é preciso definir, documentar e acordar quais são os objetivos específicos de usabilidade e experiência do usuário que serão utilizados;
  3. Iterativo: a iteração é desejável em todas as etapas do processo pois refina as soluções através da percepção dos usuários e clientes.

UX Designer

É uma nomencaltura que não existe um consenso sobre sua aplicação. Enquanto alguns pesquisadores (como a professora Carine Lallemand) questionam os valores que a UX pode adicionar a conceitos já estabelecidos como a usabilidade e a ergonomia, outros pesquisadores (como Marc Hassenzahl) concordam que UX é uma perspectiva verdadeiramente ampliada e diferenciada na qualidade dos produtos interativos.

Essa é a questão que a pesquisadora Effie Lai-Chong Law e mais tarde Carine Lallemand investigaram através de uma entrevista internacional com vários pesquisadores e profissionais de da área de design digital. O objetivo é tentar definir: O que é UX?

César olhando para um globo terrestre. Dos continentes saem várias placas de com o símbolo de interrogação.

O que a pesquisa revela é que o conceito de UX design não é algo novo e já existia uma abordagem sobre o tema na literatura da área de desenvolvimento de software, com suas raízes com a usabilidade e design de interação. O próprio Don Norman foi um dos primeiros a usar o termo “Experiência do Usuário” com o objetivo de descrever todos os aspectos de uma experiência pessoal com um sistema. O autor acreditava que o termo usabilidade era muito limitado para representar uma visão mais abrangente do que era a interação humano computador

Ao nível teórico, a UX está de acordo com alguns correntes de pensamento: a da teoria da atividade, a da cognição distribuída, a de estudos de usabilidade e a de design emocional. Tanto a teoria da atividade quanto a cognição distribuída entendem a UX como parte de um processo complexo no qual a tecnologia é elemento mediador entre o usuário e a atividade. Estudos de UX ampliam o conceito de usabilidade para uma visão mais abrangente enquanto o design emocional ajuda a formalizar uma ponte entre design e a geração de emoção.

Setas circulares, com ida e volta apontando para 3 elementos. Pessoa (César), tecnologia (celular) e a atividade (blocos).

Marc Hassenzahl entende UX como a conseqüência de um estado interno do usuário (predisposição, expectativas, necessidades, motivações, humor, etc.) as características projetadas do sistema (complexidade, propósito, usabilidade, funcionalidade, etc.) e o contexto (ou ambiente) onde a interação acontece (definição organizacional/social, significância da atividade, a voluntariedade de uso, etc.). Já David Sward define UX como o valor decorrente da interação (ou antecipação da interação) com um produto ou serviço e o que apóia o seu lançando em um contexto de uso (como tempo, localidade e disposição do usuário).

Quanto a questão de UX ser uma palavra nova para um mesmo conceito, o de usabilidade, Carine Lallemand trás uma ideia de volatilidade de conceitos na área de Interação-humano-computador, IHC.

Em uma visão macro, UX e usabilidade podem ser considerados parte do IHC, definidos em ISO ( ISO 9241–210 de 2019 fala sobre principios do design centrado no humano que revisou a ISO 13407, de 1999, que focava em questões de avaliação de usabilidade) e fazem parte de um design de interação. Entretanto o uso do termo UX não exclui o uso do termo design de interação, ainda que a perspectiva do usuário continua como ponto central do processo de desenvolvimento nos dois casos.

Uso das nomencalturas

César apontando para um quadro com anotações e um balão de fala. Ao fundo, caixas de design esquecidas com teias de aranha.

A empresa que trabalho atualmente adota o termo Designer de interação porque surgiu dentro da universidade, em um centro de informática. Era o termo que eles conheciam dentro da área de conhecimento deles. Entretanto o termo UX Designer é um termo mais popular, que vem sendo mais utilizado e tendo mais aceitação.

Não há um consenso sobre as atribuições de cada nomenclatura, mas são parecidas. A diferença é que design de interação é um termo com origem mais acadêmica da IHC, uma sub-área das ciências da computação. Já UX design é um termo que vem das ciências comportamentais, com uma maior aceitação pelo mercado.

No final do dia não importa o nome que nós damos, mas o valor que entregamos. Então, fique a vontade para denominar-se com o termo que faça mais sentido para você.

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