O fenômeno da cores

Ricardo Dias
CGNow
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7 min readApr 23, 2019

A iluminação está entre os principais fatores responsáveis pela qualidade de uma cena. Mesmo para fotógrafos, cineastas ou pintores, o domínio sobre esta fascinante força da natureza é almejada e buscada. A forma como a iluminação é disposta em uma cena pode trazer um ambiente de poder, de nostalgia e de terror. Pode ainda nos causar tristeza, alegria ou repulsa, dependendo da intensidade e da técnica utilizada para empregar a iluminação.

Se a iluminação não estiver em harmonia com o objetivo da cena, pouco importarão belos personagens ou objetos bem posicionados. A má configuração da iluminação pode comprometer uma cena que poderia ser um sucesso visual e até mesmo sentimental no expectador.

Analisando alguns filmes de grandes empresas, como a Pixar ou a Dreamworks, percebemos que nem sempre existe uma preocupação exagerada no que se refere à realidade dos objetos ou ao formato dos personagens, todavia a iluminação e a coloração destes filmes é sempre impecável. Na verdade, as cores são bonitas por causa da iluminação bem elaborada.

A cor é fruto do seu cérebro

Embora o estudo das cores pareça ser uma matéria contemporânea, na verdade, ela já é efetuada desde do ano 400AEC. O primeiro estudioso das cores que se tem registro foi o famoso filósofo grego Aristóteles. Depois dele, muitos outros vieram, como Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Goethe e muitos outros.

As cores, como a música, são alvo de nossas emoções e tem o poder de aguçar nossa percepção e também atrair nossa atenção. Se perguntarmos para um leigo no assunto, como uma criança, por exemplo, sobre o que mais chama a sua atenção em um filme de animação da Pixar ou da Dreamworks, ela certamente responderá que são as cores.

Não importa se é uma animação como Madagascar ou um filme clássico de aventura como Indiana Jones, a iluminação é a chave para o expectador ser atraído para dentro da fantasia proposta na obra. Mas o que tem a ver iluminação com cor? Parece que estou mudando de assunto. Só parece!

Cena do filme Indiana Jones e a última cruzada

Explicando de forma bem simples, as cores não são nada mais que um fenômeno óptico provocado pela ação dos feixes de luz sobre as células da retina que por sua vez é capaz de processar 3 frequências de luz que correspondem respectivamente ao Vermelho, ao Verde e ao Azul. Em outras palavras, nossos olhos funcionam pelo “sistema aditivo”, também conhecido como RGB.

Segundo o Prof. Mazviita Chirimuuta, estudioso deste fenômeno e autor do livro “Outside Color”, o nosso cérebro “pinta dinamicamente a cena que estamos vendo com base nas frequências presentes nos feixes de luz recebidos pela retina”. A variação dos feixes de luz é provocado pela absorção da luz efetuada pelos objetos (árvore, cadeira, parede, etc ). Quando a luz base em algo, ela é filtrada e devolvida para a retina com as frequências da cor. Este processo de filtragem é o “sistema subtrativo”, também conhecido como CMY.

A temperatura da luz

Você já sabe que a cor não passa de um fenômeno óptico provocado pela ação dos feixes de luz sobre as células da retina. Agora, aprofundando um pouco mais neste curioso fenômeno, vamos entender o funcionamento da temperatura da luz e como esse conceito pode ajudar em criações artísticas.

No processo da iluminação, a retina capta as frequências da luz e envia ao nosso cérebro as coordenadas corretas para que possa ser efetuada a coloração da cena que estamos enxergando. Estas frequências de luz são chamadas de “temperatura da luz” e tem importância fundamental tanto na criação de ilustrações como na animação.

No século XIX, um estudioso físico-matemático britânico chamado William Thomson Kelvin descobriu várias coisas sobre a luz e como ela influencia na geração das cores. Suas descobertas e contribuições foram tão importantes que seu pais o elevou honrosamente, em 1892, com o título de Barão Kelvin.

Entre as suas contribuições, a mais importante é justamente a que nos interessa. Ele desenvolveu a escala Kelvin que serve para medir a temperatura absoluta da luz (onde o Zero Absoluto, ou Zero Kelvin é definido como 0 K, que equivale a -273,15 graus Celsius). O “Kelvin”, ou “K” é uma “unidade de medida” e sendo assim não utiliza os prefixos “grau” ou “graus”.

Tudo o que é aquecido produz energia e com base nisso, Kelvin notou que ao aquecer um objeto qualquer até atingir a medida de 973,3 K (equivalente a 700 graus Celsius) a energia produzida começa a emitir uma luz vermelha escura. A frequência desta luz vai variando de cor conforme a intensidade da energia, formando uma matiz de cores que definem a temperatura da luz.

Barão Kelvin e sua escala de temperatura

Essas variações são chamadas de “espectro visível da luz”, ou simplesmente de “cores espectrais da luz”. Se você usa o Adobe Photoshop ou algum programa parecido, com certeza já viu a escala Kelvin na ferramenta Hue/Saturation (Matiz/Saturação) que efetua um balanço na tonalidade da imagem com base na temperatura das cores.

A brilhante descoberta de Kelvin é usada até hoje inclusive na indústria cinematográfica. Nem é preciso falar que a partir de agora a escala Kelvin vai fazer sentido em todas as artes que você criar.

Usando a temperatura da luz para criar ambientes convincentes

As pessoas que trabalham com 3D e se deparam com as lâmpadas 3D pela primeira vez, logo percebem que é possível mudar suas cores. A pessoa pensa: “que legal, quando ou for fazer um abajour verde, é só escolher a cor aqui!”. Na verdade, a maior finalidade das cores nas lâmpadas é simular a temperatura da luz.

Poderemos gerar os mais diversos ambientes simplesmente mudando a temperatura da luz, ou seja, setando a cor correta na luz emitida. Na vida real, tipos diferentes de luz podem mudar totalmente a coloração da cena, criando ambientes diferenciados. Na imagem abaixo, o mesmo brinquedo é iluminado a partir de temperaturas diferentes.

A luz de uma cena real é composta por centenas de cores diferentes, mas sempre predominando de acordo com a temperatura atual. Para saber qual cor usar como predominância na iluminação de sua cena 3D, basta consultar a escala Kelvin, que contém a medição da temperatura da luz em ambientes reais.

Na vida real, você encontrará diferenças bruscas de temperatura na comparação entre ambientes interiores (dentro de casa) e exteriores. Isso acontece por diversos fatores como rebatimentos de luz, reflexos, efeitos atmosféricos, etc.

Para saber qual temperatura usar, basta fazer uma média da variação para chegar a um resultado mais preciso. Por exemplo, os ambientes exteriores em um dia comum variam entre 4500 K e 6200 K, sendo assim, usamos a média desta variação que seria 5600 K.

Também os ambientes interiores com luz incandescente, variam entre 2800 K e 3400 K, sendo a média de 3200 K.
Com luz fluorescente, os interiores podem variar entre 4000 K e 7000 K, sendo a média de 4300 K.

Na tabela de referência abaixo, temos as temperaturas com suas respectivas situações:

Exemplos reais de temperatura

Para fixar um pouco mais sobre a temperatura de cor, vamos analisar situações reais onde o conceito acontece.

Por enquanto é isso. Sinta-se à vontade para comentar sobre o artigo dando sua opinião. Até a próxima!

Referências

PEDROSA, Israel. Da cor a cor inexistente. Senac Nacional, 2009, 254p.

CHIRIMUUTA, Prof. Mazviita. Outside Color. MIT Press, 2015, 245p.

SILVEIRA, Fernando Lang. Cor de ondas luminosas refratadas. 2013. Disponível em: <https://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=606>. Acesso em: jul. 2018.

HEILE, Frank. Why Colors are AMAZING. 2014. Disponível em: <https://consciousness_science.quora.com/Why-Colors-are-AMAZING>. Acesso em: mai. 2018.

KELLEHER, Colm. How we see color. 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l8_fZPHasdo. Acesso em: mai. 2018.

EL-SALAHI, Ibrahim: The Reality of Color Is Perception. 2015. Disponível em:<http://nautil.us/issue/26/color/the-reality-of-color-is-perception>. Acesso em: jul. 2018.

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Ricardo Dias
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