Como conectar-se em tempos de isolamento social… Foto by pexels.com

Otimismo em tempos de pandemia

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O mundo parou.

O impensável aconteceu. Qualquer pessoa que dissesse que em abril de 2020 restaurantes, lojas e parques estariam fechados e que um terço do mundo estaria isolado em suas casas, seria tachado de louco, delirante. E no entanto, aqui estamos…. Algo nessa escala traz uma certa vibração no ar, um senso de algo diferente…

O mundo vai mudar.

É a frase que tem aparecido em muitos posts, tweets, vídeo… De fato estamos passando por um momento histórico que será muito estudado e discutido no futuro. O que vai sair desse momento? Difícil prever. Mas certamente podemos olhar para o passado e ver se podemos pescar algumas lições a serem aplicadas nos dias de hoje. Mas eu preciso discordar dessa máxima das redes sociais que anda circulando por aí. O mundo não vai mudar.

O mundo já mudou.

O mundo em que vivíamos em dezembro de 2019 morreu quando o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado, ainda em janeiro. A gente é que não se tocou. Continuamos nossa correria de um lado para outro, mandando e-mails, fazendo compras e achando que no final do ano conseguiríamos fazer aquela viagem.

Vivemos agora num lugar onde não é seguro visitar seus próprios pais, onde as crianças não podem brincar juntas e muitos já sofrem as consequências econômicas das restrições de um mundo em quarentena.

Mas será mesmo que é outro mundo?

Todo dia eu olho pela minha janela e as árvores aqui continuam crescendo. Miquinhos às vezes passam por aqui e continuam comendo bananas. Os patos do lago lá de baixo continuam nadando.É possível encontrar nas redes centenas de fotos de animais passeando pelas cidades vazias. A terra continua girando em torno do sol do mesmo jeito de antes.

O “mundo” não está nem aí pra gente.

Engraçado como fazemos isso de forma automática. Chamamos de “mundo” o que na verdade é só uma parte pequena dele. O coronavírus está matando apenas humanos. Mesmo com relatos de felinos exibindo sintomas, a pandemia é só nossa. Todo o resto da vida que existe neste planeta (incluindo vírus altamente eficientes), vai seguindo muito bem, obrigada. (ou tão bem quanto pode com vizinhos tão ruins como nós.. Mas isso é outro assunto)

A humanidade por outro lado…. Está trancafiada, com medo, contando seus mortos.O desconhecido chegou rápido e chegou com vontade. Algo tão drástico e repentino tem que mudar nos mudar de algum jeito… Não é?

A humanidade vai mudar?

Eu sou assinante do Meio. Sempre valeu muito a pena mas ultimamente tem valido cada centavo. Todo sábado eles escolhem um assunto relevante para fazer um artigo mais profundo. E um dos artigos que fizeram lá no começo do COVID-19, quando a OMS ainda nem tinha tirado o rótulo de “pandemia” do bolso, foi sobre a pesta negra — e como ela teve um impacto muito profundo na sociedade da época.

Peste negra — aquela doença do séc.14, quase 700 anos atrás, mas que mesmo assim continua fazendo parte do nosso imaginário coletivo. A palavra “quarentena” por exemplo nasceu com a peste negra. A imagem da morte como um esqueleto a cavalo, foice à mão, também. Resumindo muito a história, a peste negra impôs uma série de mudanças que tirou a humanidade da idade média e a levou para a Renascença.

(se quiser, assine o Meio! As edições premium de sábado ficam disponíveis lá no site para assinantes. Faço propaganda por que realmente acho o trabalho deles de grande relevância.)

É verdade que por mais terrível que seja viver essa pandemia de coronavírus, ela não é nada perto do que foi a peste negra. E o mundo não está mais mergulhado na ignorância (ao menos, não completamente). Difícil comparar 2020 com 1347. Mas se tem uma coisa que sempre nos afeta profundamente é a sensação de ameaça real e iminente à nossa espécie. Por mais improvável que seja que este vírus consiga nos eliminar da face da terra, o medo é irracional, cego e desperta em nós os mais básicos instintos de sobrevivência. E sim, isto é capaz causar grandes mudanças nos humanos. Então, vou arriscar aqui e dizer:

A humanidade já mudou.

Humanidade, essa palavra grande, que parece até pomposa, representa um grande conjunto de humanos, pessoas. E as pessoas já mudaram. Mudaram seus hábitos, mudaram seus olhares, mudaram suas prioridades, emoções e sentimentos. É impossível negar. Você pode até dizer que é temporário, mas nada remodelado pode voltar a ser exatamente o que era antes.

É algo parecido com uma fileira de dominó, só que as peças somos nós e não dá pra ter idéia do desenho que vamos formar. A mudança é certa. Mas e a direção? Para cima, para melhor ou para baixo, para pior?

Em outras palavras, o copo está meio cheio ou meio vazio?

No momento atual, analisando o furacão enquanto se corre dele, depende de como se olha. Mas é aí que entra o otimismo.

Já falei outras vezes, mas vou repetir: otimismo para mim não é olhar o copo e dizer “ele está meio cheio”. O tal do copo (que na minha metáfora contém água, mas você pode preencher com cerveja se preferir) só é relevante se puder matar a sede de alguém.

Otimismo é um ato político.

Otimismo tem que levar à ação, à propostas, à novas visões. Se ninguém acredita que é possível um futuro melhor, quem é que vai se mexer para criá-lo?

E neste momento em que centenas de mudanças, pequenas e grandes, estão acontecendo em todo o globo, podemos escolher para que direção queremos mudar. E agir de acordo. O exemplo mais óbvio são as milhares de iniciativas de solidariedade que podemos ver pelo mundo. Não é clichê. São pessoas, acordando, confrontando uma mudança inevitável e escolhendo mudar para melhor. Claro, há também outras pessoas confrontando o mesmo e escolhendo a outra direção.

Siga na direção melhor, mesmo assim.

A humanidade nunca andou, e nem nunca vai andar, como um grande bloco numa única direção. Somos muitos, formando milhares de grupos diferentes e desiguais. E todos têm diferentes definições do que é melhor e do que é pior. Não precisamos todos concordar desde que sejamos capazes de ouvir um ao outro.

Há uma frase do livro “Belas maldições” de Neil Gaiman e Terry Pratchett que adoro citar quando me dizem que as pessoas são naturalmente boas ou más:

“A maioria dos grandes triunfos e tragédias da história, não acontecem porque as pessoas são boas ou más em si mesmas, mas porque as pessoas são, basicamente, pessoas.”

Algumas coisas vão melhorar, outras vão piorar. Mas, de forma geral, ao longo dos séculos temos mantido uma tendência de melhora. É comum ouvir pessoas mais velhas afirmando “no meu tempo era melhor”, mas quando começamos a enxergar para além do nosso pouco tempo de vida e para além do nosso umbigo dá para perceber que “antigamente” não era tão legal assim…. No tempo da minha tataravó ainda havia a escravidão. Antes disso, democracias eram raras pelo mundo. Antes disso, a fome era algo muito real e devastador para uma grande parte do planeta (quando você passar meio dia sem comer e pensar “estou com fome”, pense de novo). Embora seja fácil citar alguns exemplos terríveis e recentes da nossa história, a tendência é de melhora para a maioria das pessoas caminhando sobre esta pedra flutuante. De forma individual e de forma coletiva. Temos controles sobre as nossas escolhas, mas não temos controle sobre todas as escolhas coletivas. Dito isso, preciso citar outra frase que gosto muito:

“A forma mais comum de abrir mão do seu poder é pensar que você não tem nenhum”

(do original “The most common way people give up their power is by thinking they don’t have any”)

Esta frase é da escritora americana Alice Walker (ela escreveu, dentre outras coisas, “A cor púrpura”). Poder escolher é um grande poder. Também é um grande privilégio, muitas pessoas vivendo no mundo hoje, realmente não tem muita escolha. Então, se você pode escolher, não desperdice isso. Escolha ser otimista e empurrar todas as mudanças que puder na melhor direção.

Garanto que vai valer a pena.

Mas não vai ser fácil. Acordar todo dia na incerteza, sentir medo pelos seus filhos, parentes, amigos, sentir que a morte anda rondando tão de perto é assustador e cobra um preço alto do nosso emocional. Mas respirar fundo e escolher ao menos uma mudança positiva por dia, pode ajudar.

No caos desta pandemia, uma das únicas coisas sobre a qual temos controle é sobre nossas ações.

Doe o que puder. Se não puder doar dinheiro ou coisas, doe seu tempo ou um ombro amigo. Ajude quem estiver perto ou quem estiver longe. Ajude um pequeno negócio. Não se cale diante de absurdos. Procure e divulge informações confiáveis e úteis. Admita sua ignorância e ouça a ciência. Fale sobre as coisas boas que aconteceram. Leia. Divirta-se e divirta aos outros (taí uma nobre função para as redes sociais).

Não tenha medo de imaginar um futuro, mesmo que ele pareça tão distante e improvável.

Proteste contra toda a bagunça que nos colocou nesta situação praticando o otimismo nas suas palavras e nas suas ações. Muito está errado, mas nós somos capazes de fazer melhor.

Plante árvores cujos frutos serão colhidos por seus netos. O otimismo é assim. Corre através das décadas, às vezes até dos séculos. Mas sempre dá frutos.

Estamos em 24 de abril de 2020, 6a semana da quarentena e Dani Lima tem acordado dia sim, otimista, dia não, exausta. E assim vamos seguindo. E lembre-se, se puder, #fiqueemcasa

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Dani Lima | Product Designer and Brand Designer
Chá com Design

Designer apaixonada por entender problemas complexos e criar soluções digitais simples, úteis e agradáveis | www.danilima.com.br