Análise | Endling — Extinction is Forever (PS5)

Desastres ambientais e consumismo cercam a obra, que procura conscientizar trazendo novos pontos de vista.

Gustavo Maganha Andria
Chá de entretenimento
6 min readNov 23, 2022

--

Título de estreia do Herobeat Studios, desenvolvedora independente espanhola, Endling — Extinction is Forever é um jogo de aventura e sobrevivência em que assumimos os pelos da última raposa viva, que luta contra uma crise ambiental sem precedentes para salvar seus filhotes e dar continuidade à espécie.

Publicado pela HandyGames, Endling foi lançado para PS4, Xbox One, Switch e PC e foi subsidiado com a ajuda do “Fondo Europeo de Desarrollo Regional” (FEDER), que tem como finalidade ajudar na recuperação econômica de regiões e investir em projetos que apresentem objetivos de criação voltados ao impacto ambiental.

Com um claro direcionamento temático e crítico, será que Endling conseguiu quebrar limitações e dificuldades para trazer a mensagem que propõe? Confira mais sobre o game nos próximos parágrafos.

Uma raposa entre cães

Endling — Extinction is Forever apresenta-se como um jogo que tenta conscientizar o público sobre mudanças climáticas e seus impactos. Com isso, mostra ao jogador um ambiente inóspito, com o objetivo de causar repulsa e desconforto, alertando sobre assuntos como poluição, degradação ambiental e consumismo. De infinitas maneiras (até mais eficientes) de criticar o destino para qual o mundo em que conhecemos caminha, o Herobeat Studios escolheu trazer a perspectiva selvagem de uma raposa-vermelha para relatar o sofrimento que animais em regiões afetadas vivenciam a todo momento.

A narrativa de Endling é simples e direta. A raposa dá a luz aos quatro últimos filhotes da espécie em um inverno trêmulo e deve sobreviver a todo custo com a única motivação de encontrar um lugar melhor para viver, longe de todos os desastres que vê à sua volta. Paralelamente à peregrinação das raposas, as histórias de alguns sobreviventes são contadas por meio de flashbacks, que começam a aparecer após um evento que direciona o mamífero a seguir em frente a todo custo.

Apesar de não ser o foco da aventura, o enredo serve para acompanhar as percepções subjetivas do jogador. Não necessariamente você precisa entender tudo que acontece com os sobreviventes ou com a própria raposa, mas a mensagem em destaque no ambiente marca o suficiente para plantar uma sementinha sobre o bem-estar ambiental no fundo dos pensamentos reflexivos. Com a dificuldade de nos colocarmos na pele da protagonista, fica mais fácil encarar a situação como um grande alerta sobre nossas ações do dia a dia. Endling, nesse quesito, é menos sobre experiências e mais sobre consequências.

As várias tocas disponíveis pela aventura servem como local seguro para salvar o progresso e descansar. Divulgação/Herobeat Studios

Noites curtas, dias perigosos

A jogabilidade de Endling é focada na sobrevivência, com ciclos diários, barra de fome e mecânicas secundárias de confrontos e ferimentos. A construção geral tem como base uma ferramenta de noite/dia, limitando propositalmente as escolhas de quem joga para favorecer a imersão e o gerenciamento do conforto e saúde dos filhotes.

Ao anoitecer, devemos sair da toca e ir em busca de alimentos, que variam de pequenos animais a cogumelos e ovos no topo das árvores. O interessante é que com o avanço dos acontecimentos, a comida torna-se mais escassa e decisões questionáveis, como comer lixo, viram a primeira opção. A jornada noite adentro deve terminar até o nascer do Sol, que revela não só a situação precária de um mundo consumido por desastres, mas também perigos e mais obstáculos no caminho de retorno ao lugar seguro.

Durante a busca por alimentos e meios de sobreviver, a raposa pode caçar, escalar e se espremer de inúmeras formas a fim de explorar cada fresta de fazendas decadentes, rios cinzas e cidades consumidas pela poluição. Um botão que representa o focinho fareja possíveis pontos de interesse e um comando de esgueirar permite se aproximar de presas e evitar certas confusões.

Perigos não faltam, de noite e de dia. Divulgação/Herobeat Studios

Ainda que bem construído, o sistema rotineiro de “sair para procurar por comida, gerenciar o tempo e voltar para a toca” acaba ficando cansativo ao longo dos 30 dias de exploração total do jogo. A principal crítica ao game como um todo também vai para esse sistema. Com o salvamento estando disponível apenas ao fim de cada noite, não é divertido ter de lidar com a pressão de perder certo progresso por ter ido um pouco além da conta.

A exploração acaba limitada e, mesmo com a evolução dos filhotes aprendendo novos truques, parece que o mundo semi-aberto de Endling nunca foi feito para ser totalmente explorado. É fácil falar que há erros no ciclo dia e noite, mas a parte difícil é tentar arranjar desculpas para corrigi-lo. A forma como o jogo foi construído é essa: pressão a todo instante pela sobrevivência. Se era a real intenção, é complicado dizer, mas gostaria que, ironicamente, tivessem optado por um pouco mais de liberdade.

Encontrar pontos de interesse pelo cheiro é parte crucial da experiência. Divulgação/Herobeat Studios

Que som a raposa faz?

É importante destacar que, para atingir a proposta de conscientização como um todo, Endling investe nas interações diretas com o ambiente e coloca quem joga em situações atípicas ao ciclo constante de sobrevivência. Por meio de um botão dedicado à comunicação, a raposa consegue emitir sons para chamar os filhotes, distrair inimigos e assustar presas. Consegue também retribuir os poucos atos de sensibilidade de vidas sofridas que vagam pelo território desolado e, em determinadas ocasiões, construir alianças com outros animais.

Essa comunicação, aliada ao estilo gráfico voltado ao cartunesco, consegue direcionar acontecimentos ao campo da imaginação. Ao não encarar o mundo de Endling como algo palpável, o medo de que talvez algum dia aquilo torne-se realidade vem à tona e substitui qualquer outra percepção sobre a mensagem que a obra propõe. Não estamos acostumados a observar games que fazem críticas tão diretas e abertas. Ainda menos games conseguem orbitar tal recorte trazendo níveis satisfatórios de polimento como o título do estúdio espanhol faz.

Uma mamãe Texugo encontra-se na mesma situação de desespero. Divulgação/Herobeat Studios

Conclusão

Endling — Extinction is Forever é um game de sobrevivência 2D que traz a perspectiva de uma raposa-vermelha e seus filhotes para alertar sobre as mudanças climáticas e as degradações da vida selvagem por conta das ações humanas. Com uma história simples e impactante, prefere focar na jogabilidade, trazendo mecânicas de caça, coleta e exploração geral de ambiente. O estilo visual procura não roubar a cena da mensagem e a interação de quem joga com o mundo atinge camadas que conseguem intensificar a experiência e promover a imersão, pontos tão necessários para estimular a reflexão.

Apesar do sistema dia-noite ser o centro da obra, a ferramenta acaba causando uma pressão acima do ideal, desencorajando a exploração e permitindo que a frustração entre em um território já assolado por queimadas e destruição. Juntamente, o sistema de salvamento não agrada, intensificando a perda de progresso à medida que riscos viram necessidade.

RESUMO: Mundo destruído, ambiente inóspito e filhotes fofinhos. Endling reúne uma perspectiva inovadora com uma crítica sólida ao modo com que vivemos nos dias de hoje. É um jogo que causa impacto e traz importantes mensagens em meio à jogabilidade voltada ao risco e consequência. Representa, talvez, um incentivo para que mais produções voltadas ao ambiental virem realidade. A experiência é altamente recomendada para todos os públicos e merece destaque pela coragem de encarar um tema socialmente importante de forma explícita, coesa e peluda, mantendo os focinhos à mostra.

--

--