TRADUÇÃO

Black Lives Matter não é um desafio de design

Texto de Schessa Garbutt publicado em Design Toast

Natália Oliveira
CHAMA — textos
5 min readJun 17, 2020

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[O texto original pode ser acessado aqui. Tradução livre.]

Se você veio aqui para ficar frágil, por favor, esqueça isso ou vá embora.

Se veio aqui para ouvir e aprender como você prometeu que iria, bem-vinda(o). Obrigade por dar continuidade e reservar tempo e espaço mental para isso.

Como designer afro-latine, eu sigo vários outros designers, artistas, ilustradores, calígrafes e agências no Instagram. Isso me ajuda a acompanhar as tendências visuais e me permite apoiar meus colegas e suas realizações. Às vezes, serve como uma versão visual de notícias quando eventos da cultura pop estão acontecendo.

Mas esse mês, e essa semana especificamente, houve um formigamento nos dedos enquanto eu dava scroll. Tinha uma pedra no meu estômago. As redes sociais tornam tão fácil experienciar o FoMO [Fear of Missing Out = “medo de ficar de fora”], especialmente quando há um novo desafio (como Inktober, Mermay, 36 Days of Type — apenas alguns que eu adio a cada ano) como o propósito de manter seus sucos criativos fluindo e de mostrar seu estilo. Há um amável senso de comunidade criativa e diversão ali. Contudo,

Black Lives Matter não é um desafio de design.

George Floyd não é um exercício de retrato.

Você não é o próximo Shepard Fairey. Esse momento não é sobre você.

Sim, você pode ler isto e bufar e justificar os motivos pelos quais sua arte e intenções são diferentes, mas intenção não é a mesma coisa que efeito. Quando eu deslizo pelo seu post, é assim que ele é lido (além da legenda literal):

“#vidasnegrasimportam está em alta e eu preciso que todos saibam que sou progressista, então eu vou gastar umas duas horas criando algo que — de forma não ofensiva — demonstra apoio aos protestos (mas não a depredação!), e esperar que isso receba vários likes, que seja compartilhado e que seja escolhido por uma página mais popular que precise de conteúdo. Talvez até o BLM [abreviação do movimento mundial Black Lives Matter (Vidas Negras Importam)] chegue a compartilhar! Isso validará a mim e minha aliança, além de ser uma forma de promover minhas habilidades! Todos saem ganhando!”

Também conhecido como sinalização de virtude. Esforço criativo não significa que você colaborou com o que é necessário neste momento.

Quando vejo seu lettering à mão super-trabalhado, sua releitura da selfie de George e seu pôster de protesto em tipografia retrô, eu sinto que eu — como uma pessoa negra no ramo criativo — deveria estar participando. Se alguém deveria estar fazendo declarações, emitindo opiniões e oferecendo arte para o mundo, esse alguém deveria ser eu.

Eu não quero me sentir desse jeito. Eu não quero sentir que minha identidade, minha dor, meu ativismo é uma oportunidade de relações públicas que eu estou perdendo — mesmo que ainda estejamos processando nossa raiva e tristeza e descobrindo o que podemos fazer materialmente para promover a mudança — porque artistas não-negres saltaram tão rápido na chance de angariar alguns likes, compartilhamentos e seguidores e foram bagunçando as vias aéreas. Não quero sentir que sou uma tendência e “meu momento” passou.

Estou de luto. Estou cansade. Todo dia alguém é morto só por se parecer comigo. Eu sou re-traumatizade cada vez que vocês compartilham vídeos de abate de uma pessoa negra/parda/queer. Eu não consigo nem imaginar trabalhar numa peça de arte agora. Mas, vocês preferem gritar para o mundo que se importam comigo com um trabalho, que materialmente não beneficia ninguém, e uma legenda com chavões que limitam a conversa a “precisamos fazer melhor”. Façam melhor, então.

Como nos protestos e doações, sigam a liderança de ativistas e artistas negres que têm feito o trabalho. Não caia na onda de reformular as mesmas imagens no seu estilo único.

Sua intenção é boa. Você quer mostrar às pessoas próximas seu posicionamento no que deveria ser um problema não-partidário (mas infelizmente não é). Você quer mostrar seu apoio, mostrar que você está pronto para colocar esforços nesse movimento como um aliado. Aqui vai como você pode redirecionar essa energia (além de doar):

  1. Questione por que você está postando o que está postando. Isso vai guiar o que você deveria estar criando, ou se nem deveria estar criando. Talvez não seja a sua vez de falar. (Se ainda tiver dúvidas se deveria criar/postar alguma coisa, tome isto como um sinal e foque sua energia num outro ponto. Veja abaixo.)
  2. Utilize essa energia para se educar. Interaja com o pensamento negro. Leia e compartilhe artigos, filosofia, romances e história. Não consegue comprar nenhum livro de jeito nenhum? Programe um lembrete para comprá-los daqui a alguns meses, ou comece uma troca de livros entre amigos.
  3. Essa energia também pode ser usada para refletir sobre seu próprio privilégio. Exercite descentralizar você mesmo e seus sentimentos nesta conversa. Leve o tempo que você levaria para criar algo apenas sentade em silêncio ou escrevendo um tipo de diário.
  4. Use aquela energia para continuar a ter duras conversas com seus parentes e colegas de trabalho. Mudança é uma semente que é plantada e regada continuamente. Alguns dos seus ainda recebem notícias só pela TV e eles não terão suas visões desafiadas por alguém a não ser você. Chame a atenção de sua/seu Diretor(a) Criativo(a). É desconfortável. Faça. Não se esconda atrás da sua introversão artística.
  5. Se você precisa criar uma arte, aqui vai um desafio: descubra como beneficiar o movimento sem beneficiar a si mesmo. Um querido amigo trocou seus desenhos por dinheiro destinado a doações. Ele não postou os desenhos para ser admirado. Aqui tem uma thread com outras ideias.
  6. Dê ênfase a artistas negros. Exiba nossas artes e pensamentos, quando estivermos prontos para isso. Não me aborde no meio de uma revolta e me peça para contribuir, de graça, para sua página ou revista que sempre esteve em falta com a diversidade. Eu não vou criar conteúdo sem remuneração para ajudar na sua sinalização de virtude. Tente novamente daqui a um mês, um ano ou quando tudo isso “acabar” e a hashtag não estiver mais em alta. Compartilhe trabalhos e conquistas negras regularmente, sem esperar reciprocidade.
  7. Continue compartilhando recursos como fundos de fiança, práticas seguras de protesto, espaços seguros, conteúdo educacional sobre o BLM, estatísticas, e informação relevante para manter nosso impulso.
  8. Proteste.

Estou escrevendo isto em junho de 2020 sabendo que “o momento” logo terá passado. Infelizmente, terá uma próxima vez. Você deve ter cometido alguns erros e tropeços no passado, mas palavras como essas não têm a intenção de te dar medo de agir. Você não está sendo cancelado. Isto faz parte do trabalho, da construção e desconstrução que estamos fazendo juntos, mantendo o ego de lado. Obrigade por tomar um tempo para desconstruir, hoje.

Agora, aja.

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