“Diego o vô quer que tu faça a barba dele”
Tomar consciência de que o biso já não é capaz de realizar uma tarefa simples sozinho mudou tudo. Foi necessário ter muita coragem e força para aceitar, não conseguia olhar nos olhos dele ao reconhecer limitações impostas e permanecer forte. Desabei.
Ao entender que a idade chegou, foi preciso ter a capacidade do acolhimento sem revolta e desenvolver a compaixão sem pena. Um exercício árduo construído no cotidiano, através da prova prática que tenho exercido dia após dia. Todos nós sabemos a teoria, hoje só falamos da necessidade de amor e tolerância. Talvez o real problema seja esse, falamos muito sobre amor e sentimos pouco.
Aos poucos tenho me reconstruído. Sinto amor ao conviver com ele e essa palavra basta. Sinto a rotina passar mais rápido, sei que cada dia tenho menos tempo com ele. Percebo que a minha relação com o tempo mudou, o conceito de vida também. Aprendi que somos mais impacientes do que parece, mas entendi que a força vem da aceitação desse processo.
Pretendo aprender o máximo com o biso e seus desafios cotidianos. Aprender com a dificuldade em sair da cadeira, com a perda de coordenação e aceitar que ele precisa de mim, da minha vó e das pessoas que amam ele. Percebi que a luta aos 90 é diferente da luta aos 20 e nem por isso é menor, o sentido ainda é o mesmo. É viver.
Envelhecer nada mais é do que pedir força emprestada. Se durante boa parte da vida ele me abraçava e pegava no colo, hoje quem ajuda ele a levantar e da carinho sou eu. Não existe fragilidade, tristeza e dor nesse processo. É a simplicidade da vida exigindo maturidade, mais nada. Nossos juízos de valores e preconceitos é que criam tantas polêmicas e dogmas sobre a idade. É o nosso medo que dificulta a aceitação.
Em um mundo plástico de pessoas virtuais e sentimentos vazios a moda é não envelhecer. A internet conseguiu vender sentimentos, banalizar a simplicidade da vida e patentear felicidade através do egoísmo. Me vejo aos vinte e três anos questionando valores e entendo que para algumas pessoas eu não faça sentido. Porém, para outras pessoas eu sou um universo inteiro.
Nesse universo que sou, existe medo. Dentro de mim carrego a insegurança de perder o biso, assim como ano passado perdi a bisa. É óbvio que conviver com isso dói, mas a dor seria muito maior se eu fosse incapaz de aprender. Prefiro dar significado a minha vida a deixar que façam isso por mim. É muito vazio permitir que o ato de envelhecer seja apenas uma circunstancia temporal. Sou melhor do que isso.
Obrigado por pedir que eu faça a tua barba, biso.
Obrigado por me ensinar tanto com a oportunidade.
Obrigado.
Apenas, obrigado.