Merson e a ponta de sua Bic

Chicos Cataletras
Chicos Cataletras
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2 min readJul 15, 2017

Vanderlei Pequeno

Ontem, 30, na derradeira noite do friorento junho, aconteceu, no Sebos Aluados, Rua Francisco de Barros, descida para a Ponte Velha, Cataguases, a abertura da exposição dos desenhos do escritor e desenhista Emerson Cardoso, agora com os seus desenhos que menos se prestam a enfeitar casas carentes das belezas de superfície do que inquietar anda mais possíveis almas que que habitem algum fundo de poço.
Emerson, aparecendo desta vez como Merson, passa aos desavisados a impressão de desapego, e até de negligência, no trato e composição de sua obra.
Parece faltar acabamento. Todos os seus desenhos são criados na ponta da simples e popular “Bic”, entendo, como forma de desafio aos cânones, ou rompimento deliberado com as regras da criação clássica, estabelecidas, usuais. Sei lá.
O apressadinho em formar conceitos e crente que Arte só existe embrulhada em papel de presente de aniversario, seguramente, vai se decepcionar.
Os desenhos apresentados pelo artista — e que continuarão expostos na Aluados, Deus sabe até quando — são, na pontuação do escritor José Antonio Pereira, “traspassados de sexualidade”. Essas manifestações, presentes nas obras, fogem ao terreno do razoável do criador, existindo nele — e em nós — nas profundas de nossas inquietações. E saem pelos dedos — passando pela Bic do artista — no ato da criação.
E já sabemos: essas energias vitais, mal tratadas ou não resolvidas na guerra intestina da alma dos artistas, costumam produzir manifestações ridículas, intragáveis, menores. Não e o caso de Merson. Suas torres, curvas e montes, revelam que o corpo humano ainda é uma referência decisiva na produção da boa arte.
Igrejas, calçadas, canetas, glúteos, pernas, taças — celebremos — em traços que nunca revelam natureza em estado bruto, — sem impressionismos — emergem nos desenhos de Merson. Mas através de sugestões que podem ser o Nada. O Nada necessário ao Sentir-a-Obra-de-Arte que convém seja apreendida pelo outro sem preconceito, longe da luz cartesiana que nos amarra e escraviza ao real, muitas vezes, cegando-nos; longe da luz da razão.
A propósito, lembro Pessoa: Tudo, menos ter razão. Vale considerar isso, para o deleite da visita à obra de Merson.
Emerson Cardoso é também escritor e já publicou o excelente “Símiles” em poesia, com ilustrações de Altamir Soares; com este, José Antonio Pereira, José Vecchi e o cara que vos fala, mostra seu talento no livro “A Casa da Rua Alferes e outras Crônicas”, vindo a lume, já há algum tempo, pela Editora Cataletras.
Todos e todas à Sebo Aluados para um encontro com as linhas da Bic de Merson!

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