5 livros de ficção que todo jornalista deveria ler

Uns pitacos a pedido do Nexo Jornal

Christian Carvalho Cruz
Christian C Cruz
3 min readJul 25, 2022

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Benedetti: simples e contundente como não podemos ser

Meu amigo marceneiro Clébison abraça madeira. A primeira vez que vi fiquei comovido. Ele abraça, cheira, acaricia, e, no silêncio matuto dele, vai imaginando a melhor forma de manejar aquelas vigas e pranchas de peroba, imbuia e emburana, pra que elas lhe dêem móveis dignos de satisfação e orgulho. O Clébison conhece as fibras, a resistência, a densidade, a textura, o desenho dos veios de cada espécie. Mais do que esse saber obrigatório no ofício dele, porém, o Clébison ama as madeiras.

É nele que eu penso quando leio textos jornalísticos e me sinto entristecido com tanta falta de afeição pela nossa matéria-prima. Por que os jornalistas brasileiros descuidamos assim da escrita? Quando foi que paramos de abraçar e cheirar as palavras? O declínio da qualidade da imprensa brasileira tem muitas causas. E sua recuperação, se ainda interessar a alguém, demanda muitos esforços. Um deles essencial: o reapaixonamento do jornalista pela escrita. Sim, a notícia é fundamental. Mas a notícia bem escrita é melhor, porque não apodrece na chuva como um banco de jardim feito em freijó, madeira inadequada para áreas externas.

Há um tanto de trabalho artesanal no jornalismo que precisamos recuperar. O Clébison se conecta todos os dias com o ofício dele abraçando a madeira. E nós o que devemos fazer? Ler ficção ajuda. Mas ler ficção não só com os olhos de quem lê. Ler ficção com os olhos de quem vive de escrever. No deleite com a leitura de histórias bem contadas, os jornalistas podemos encontrar, como os bons marceneiros, o rumo da satisfação e do orgulho pelo trabalho bem executado. Quantos prêmios, seguidores ou curtidas ganharemos com isso? Certamente nenhum.

A Louca da Casa
Rosa Montero (trad. Paulina Wacht e Ari Roitman, Harper Collins, 2016)
Um elogio ao devaneio, à invenção, ao delírio, à imaginação, essas abstrações que são o cimento das catedrais literárias e também podem erguer bons textos jornalísticos. Heresia? Nem tanto. Quem se permite imaginar está condenado a ser mais curioso, a fazer perguntas melhores e conduzir a apuração a lugares surpreendentes. Já serve pra alguma coisa.

A Trégua
Mario Benedetti (trad. Joana Angelica D’Avila Melo, Alfaguara 2007)
A escrita mais bonita é a mais simples. E a mais simples nunca é a mais fácil. O diário do viúvo Martín Santomé, “um homem maduro, de muita bondade, meio apagado mas inteligente”, é traiçoeiro: nos faz acreditar que podemos escrever de maneira simples, bonita e contundente como Benedetti. Não podemos. Mas tentar não fará mal a ninguém.

28 Contos de John Cheever
John Cheever (trad. Jorio Dauster e Daniel Galera, Companhia das Letras, 2010)
É possível gritar com elegância e placidez contra a hipocrisia, o elitismo, a mediocridade, a vida vazia e de aparências que constituem a burguesia em qualquer parte do mundo. O alvo de Cheever são os hipócritas, os elitistas e as almas capengas que cintilam nos subúrbios americanos. Suas armas: a ironia e a total falta de misericórdia. Jornalistas, uni-vos!

Vidas Secas
Graciliano Ramos (Record, 2012).
Uma boa frase é feita de palavras insubstituíveis, cada uma no seu lugar, escolhidas com obstinação e música. Quanto menos palavras, melhor a frase, quase sempre. Então podemos reduzir os adjetivos e nos livrar dos advérbios, lugares-comuns e da empáfia. Quando conseguirmos enfileirar frases assim teremos uma obra-prima. Graciliano foi jornalista.

A Hora da Estrela
Clarice Lispector (Rocco, 1998)
No fim, escrever é uma impossibilidade. Nunca daremos conta nem estaremos à altura das histórias que queremos passar adiante. Só podemos, resignados, nos debater, estrebuchar, tatear e, como o autor que Clarice inventou para narrar a vida de Macabéa, ter consciência do inconsciente: “Por que escrevo? Antes de tudo porque captei o espírito da língua e assim às vezes a forma é que faz conteúdo. Escrevo portanto não por causa da nordestina mas por motivo grave de força maior”.

Publicado originalmente no Nexo Jornal, em julho de 2022

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Christian Carvalho Cruz
Christian C Cruz

Eu escrevo reportagens, perfis, livros, roteiros, fotografias