A Escada Rolante de Relacionamento
Texto traduzido e adaptado do livro Stepping Off the Relationship Escalator
A famigerada frase “em um relacionamento” tende a evocar um enredo familiar com personagens e símbolos bem conhecidos: um conto de fadas com final feliz ou, no mínimo, uma comédia romântica.
Há um nome para esse script que molda os relacionamentos íntimos na maioria das sociedades ocidentais: a escada rolante de relacionamento. Em suma, a escada rolante de relacionamento tradicional é assim: duas (e apenas duas) pessoas sentem uma atração inicial, começam a sair, se tornam romanticamente e sexualmente envolvidas, namoram e se tornam exclusivas, adotam uma identidade compartilhada como um casal, passam a morar juntos, fundem suas vidas — casam, têm filhos e permanecem juntas até que a morte os separe.
Esse é o pacote padrão de expectativas sociais para relacionamentos íntimos. Os parceiros seguem um conjunto progressivo de etapas, cada uma com marcos visíveis, em direção a um objetivo claro. É o padrão pelo qual a maioria das pessoas avalia se um relacionamento íntimo é significativo, sério, bom, saudável, comprometido ou digno de esforço.
O objetivo no topo da escada rolante é alcançar uma relação monogâmica permanente.
CARACTERÍSTICAS DA ESCADA ROLANDE DE RELACIONAMENTOS
- Monogamia: de acordo com as normas sociais atuais, isso significa um relacionamento fechado onde sexo e romance são compartilhados exclusivamente entre dois parceiros. Sexo e / ou romance geralmente diminuem em relacionamentos monogâmicos de longo prazo, então a monogamia não garante acesso ao sexo ou romance — mas impede buscar isso fora de um relacionamento monogâmico.
- Fusão: os parceiros moram juntos e combinam a infraestrutura de suas vidas diárias, como o compartilhamento de finanças. Além disso, eles também tendem a fundir suas identidades até certo ponto. Normalmente, eles começam a se ver e se apresentar como uma unidade — por exemplo, dizendo “nós” com mais frequência do que “eu”.
- Hierarquia: tradicionalmente, alguns tipos de relacionamento são considerados os mais importantes e geralmente superam outros relacionamentos por padrão. Normalmente, um relacionamento romântico é considerado mais importante do que quase qualquer outro relacionamento adulto que alguém possa ter, como amizades (paternidade e algumas outras responsabilidades para com a família imediata, geralmente são exceções permissíveis a essa hierarquia.).
- Conexão sexual e romântica: As pessoas tendem a presumir que os parceiros da escada rolante fazem (ou pelo menos, em algum ponto, fizeram) sexo um com o outro, além de estarem apaixonados. Além disso, é amplamente aceito que, se um relacionamento for saudável e forte, esses parceiros devem continuar compartilhando sua conexão sexual e romântica — exceto em casos com obstáculos como idade, doença ou deficiência. Há um estigma sutil de que se os parceiros nunca se conectaram sexual e romanticamente, então algo deve estar errado, ou pelo menos não totalmente válido sobre o relacionamento deles, invalidando pessoas que se enquadram no espectro da assexualidade
- Continuidade e consistência, pelo menos como meta: a escada rolante é uma viagem contínua de ida. Os relacionamentos não devem pausar ou retroceder para um estado menos fundido. Além disso, os parceiros da escada rolante definiram papéis permanentes — por exemplo, eles não devem alternar entre serem amantes e amigos platônicos. (na verdade isso geralmente acontece em relacionamentos tradicionais de longo prazo, mas geralmente não é abertamente reconhecido.) E, finalmente, o relacionamento deve durar para sempre; a morte é a única maneira de terminar que não é automaticamente considerada um fracasso. No entanto, muitos relacionamentos íntimos são fluidos (mudando de forma ou papéis ao longo do tempo), descontínuos ou finitos. Eles podem ser profundamente significativos — embora pelos padrões da escada rolante, tais relacionamentos possam ser considerados insignificantes, uma perda de tempo ou uma falha.
Pra ilustrar tudo isso, bora de historinha:
Chris conhece Dana e o santo bate na hora, aquela atração mútua arrebatadora, vocês sabem. Eles começam a conversar e sair junto com a galera, e então eles saem em encontros — só os dois, moh romântico. Eles se beijam e começam a ficar animados.
Mais datas seguem — agora eles estão namorando. Eles começam a transar. Quando estão juntos, muitas vezes dão as mãos ou se envolvem em outras demonstrações públicas de afeto socialmente aceitas. Eles desenvolvem padrões regulares de comunicação diária, com muitos telefonemas, mensagens de texto e interação nas redes sociais. À medida que se apaixonam, eles obsessivamente pensam e fantasiam um sobre o outro.
A parada fica séria quando eles começam a dizer: “Eu te amo”. É quando começam a se sentir comprometidos. Esse compromisso, óbvio, envolve monogamia: eles param de ficar, transar e de flertar com outras pessoas e de frequentar bares sozinhos. Seus perfis de namoro nos apps desaparecem. Eles se tornam oficiais no Facebook botando em relacionamento sério um com o outro.
A partir daí, eles começam a se considerar um casal. Começam a dizer “nós” muito. Ao falar com os outros, eles começam a se referir um ao outro como “meu namorado” ou “minha namorada”. E entre si, eles começam a usar termos carinhosos, como “amor” ou “bebê”, “gatinho(a)” com a mesma frequência com que se dirigem pelo nome.
À medida que o investimento emocional se aprofunda, eles passam a se sentir um tanto possessivos um com o outro. Assim, eles sentem, e às vezes agem, com ciúmes sempre que outra pessoa parece interessada ou interessante para seu parceiro. Eles também se sentem desconfortáveis com os relacionamentos anteriores um do outro, então ainda bem que eles não são próximos de seus ex-namorados!
Chris e Dana agora passam quase todo o seu tempo livre juntos. Isso significa que eles veem seus amigos com muito menos frequência, mas presumem que seus amigos entendem e apoiam isso.
Outras pessoas começam a se referir a eles como uma unidade: “Chris e Dana”. Eles se tornam os companheiros padrão um do outro em quase todas as ocasiões, especialmente em eventos de alto nível, como festas de fim de ano, onde os convites pedem +1. Eles conhecem a família e os amigos um do outro — embora vários de seus amigos solteiros lamentem o quão pouco os vêem hoje em dia. Agora, Chris e Dana se socializam principalmente com outros casais comprometidos.
Depois de alguns meses de namoro sério, eles fazem o que sempre presumiram que deveria acontecer a seguir: se estabelecem e vão morar juntos, compartilham uma cama e começam a mesclar suas finanças.
Eles exibem a foto um do outro no trabalho e se sentem livres para pontuar a existência de seu relacionamento em conversas casuais, mesmo com colegas de trabalho ou estranhos.
Eles começam a tomar todas as decisões importantes juntos, e muitas outras menores também. Discutem ou pelo menos assumem um futuro compartilhado de longo prazo. Eles se tornam mutuamente responsáveis sobre seus comportamentos e como gastam o tempo e têm toda a certeza de que realmente são feitos um pro outro.
Quando Chris é aceito em um programa de pós-graduação de prestígio em outro estado, Dana sacrifica sua carreira para que eles possam se mudar e ficar juntos. Eles apóiam os objetivos, interesses e sonhos um do outro, que felizmente se alinham em sua maioria; aqueles que não se alinham tão bem, em sua maioria, desaparecem.
Uma noite, Chris faz o pedido a Dana durante um jantar à luz de velas, e Dana aceita com entusiasmo. Exibindo seus novos anéis, eles anunciam publicamente o noivado com muito entusiasmo e são unanimemente parabenizados.
Eles facilmente adquirem uma licença de casamento. Seu casamento é realizado em uma igreja e é assistido por muitos amigos e familiares, que trazem presentes.
Chris e Dana economizam dinheiro — ajudados, em parte, por incentivos fiscais matrimoniais. Eventualmente, conseguem comprar uma casa juntos.
Quando têm filhos, não há dúvida sobre a capacidade de serem pais. Eles sentem um imenso orgulho por terem criado uma família real. Seus parentes mostram respeito, orgulho e interesse pelo casamento e pela família de Chris e Dana.
O tempo todo, o relacionamento de Chris e Dana parecia completamente natural e destinado a ser, como se suas vidas não pudessem ter se desenrolado de outra maneira.
Inevitavelmente, o casamento é ocasionalmente perturbado por conflitos e ressentimentos. De vez em quando, eles ferem os sentimentos um do outro e se irritam com os hábitos pessoais e domésticos um do outro.
Às vezes, eles anseiam por algo diferente — geralmente silenciosamente, pois temem se separar. Acreditam que a única maneira de mudar significativamente o relacionamento seria rompendo — o que acarretaria o divórcio, uma grande perturbação na vida e estigma para eles e seus filhos. Isso seria um fracasso! A ideia de ficarem sozinhos (sem a outra metade) e ter que recomeçar os enchem de pavor.
Chris e Dana nunca consideram outros parceiros sexuais, embora às vezes a conexão sexual pareça um pouco obsoleta. A fidelidade é importante para eles, por isso permanecem fiéis um ao outro, mesmo depois de muitos anos juntos. Eles ainda compartilham afeto e sexo. Ainda se amam — talvez não com a paixão de seu romance inicial, mas de uma forma que permanece mútua e genuína.
No geral, a vida juntos parece frutífera. Seus padrões parecem familiares e reconfortantes, não apenas para eles. Outras pessoas entendem facilmente como interagir com Chris & Dana; eles sabem o que esperar do casal e o que é apropriado. Cada um deles ainda tem contato com amigos, embora a maioria das amizades não pareça tão próxima ou importante como antes.
Quando Chris tem um ataque cardíaco repentino, Dana é imediatamente notificada como parente mais próximo. No hospital, ela precisa apenas mencionar que eles são casados para poder ir ao leito de Chris e tomar decisões médicas enquanto ele está incapacitado. Felizmente, Chris tem uma recuperação total, com grande parte dos custos cobertos pelo seguro de saúde conjugal, que é um benefício do emprego de Dana.
Seus filhos crescem e se mudam, e eles compartilham pacificamente a velhice no ninho vazio . Eles desenvolvem alguns hobbies separados e renovam e aprofundam os laços com os amigos e a comunidade.
Depois de muitos anos, Dana fica frágil e doente. Chris, seus filhos e netos oferecem carinho e apoio até o fim. No funeral dela, todos oferecem condolências a Chris e elogiam seu casamento perfeito.
E para Chris, que nunca quis nenhum outro tipo de vida e amor, foi realmente muito perfeito. Afinal, eles fizeram tudo certo, alcançando o tipo de feliz para sempre que todos deveriam desejar.
Como muitas pessoas, Dana negligenciou a criação de um testamento formal. Portanto, após a morte de dela, Chris herda automaticamente, sem questões jurídicas ou problemas fiscais, a maior parte da propriedade de Dana e assume a propriedade exclusiva de seus ativos conjuntos. Além disso, Chris começa a receber benefícios do Seguro Social, bem como a renda de pensão de Dana. Essas coisas materiais não compensam a falta de Dana ferozmente todos os dias, mas ajudam Chris a sobreviver ao resto da vida.
A história de Chris e Dana provavelmente não reflete precisamente seus próprios relacionamentos ou os de pessoas que você conhece. Poucos relacionamentos estão 100% na escada rolante em todos os detalhes. Normalmente, é uma questão de quanto um relacionamento específico assemelha-se à forma, trajetória, marcos e objetivos associados à escada rolante de relacionamento.
Além disso, a escada rolante é um alvo móvel, graças à evolução social. Por exemplo, hoje em dia, muitos casais conseguem andar de escada rolante sem se casar, ter filhos ou ser socialmente colados pelo quadril.
Dito isso, a escada rolante de relacionamento não existe no vácuo. Raça, classe, religião, origem cultural, orientação sexual, identidade de gênero, deficiência e tipos semelhantes de contexto podem definir o que significa andar de escada rolante. Isso porque as normas sociais tendem a acomodar privilégios sociais.
Ela é o que a maioria das pessoas cresce acreditando que os relacionamentos íntimos deveriam ser e como deveriam funcionar. Esse modelo normalmente é profundamente enraizado em uma idade precoce e é reforçado em todas as fases da vida. Como os relacionamentos da escada rolante seguem um conjunto fundamental de normas sociais, geralmente são considerados normais.
Mas sabemos que não funciona pra todo mundo. Você segue um script pré-estabelecido ou criou o seu roteiro original?