Manual para a Não-Monogamia

Leonardo M.
Compersão
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10 min readApr 14, 2021

Primeiramente, senta que la vem textão. Segundamente, não espere que este texto seja de muita ajuda — cada relacionamento é diferente, e não há nenhum sistema garantido para fazer qualquer relacionamento “funcionar”. Além disso, ser não-monogâmico, é sobre jogar o protocolo fora, não tentar fazer com que as relações “funcionem” segundo algum padrão, É aceitá-las como são e como mudam. Ao mesmo tempo, não se pode negar que algumas abordagens e comportamentos tendem a resultar em uma dinâmica saudável, e outros não; e como a maioria de nós não cresceu com muitos bons exemplos de relacionamentos não-monogâmicos para aprender, quanto mais discutirmos e compararmos nossas experiências, mais bem equipados estaremos para mapear juntos esse território desconhecido. Livrar-se da programação convencional de união de casais é o primeiro passo.

INSTRUÇÕES

Ser Honesto num Mundo Desonesto

A primeira coisa a enfatizar é que ser não-monogâmico não é uma forma de evitar a necessidade de honestidade em um relacionamento. Na verdade, é uma forma de promover a honestidade. A monogamia, não em casos individuais, mas como uma instituição em uma cultura restritiva, desencoraja a honestidade ao punir quaisquer desejos ou verdades que estejam fora do modelo romântico tradicional. A não-monogamia pretende abrir um espaço no qual a honestidade seja possível, mas também depende da honestidade para tornar esse espaço possível.

Não quero dizer que precise estabelecer uma nova regra, que todos os afetos devem compartilhar tudo um com o outro, detalhe por detalhe; mas compartilhe tudo o que concordar em compartilhar e cuide daquilo que você precisa também, incluindo o que você precisa para ter certeza de que será capaz de ser honeste. Toda a ideia de estar se relacionando sem tentar impor um modelo às suas relações é pra ser capaz de ser o que você é, sem mentiras, culpa ou dissimulação. Ao mesmo tempo, muitos de nós que crescemos lutando no modelo da monogamia ainda mantemos todos os maus hábitos que aprendemos com ele: desonestidade, vergonha, evitação, medo. Mesmo quando estamos em um relacionamento que oferece espaço para nossos “desejos perigosos”, tendemos a destruir esse espaço por não confiar nele e, assim, perder a confiança que o sustenta. Esforce-se para praticar honestidade sempre. Se você não consegue ser honeste, tente trabalhar nisso antes de se envolver profundamente com outras pessoas. Ninguém deve se envolver com alguém em quem não se possa confiar para compartilhar verdades importantes — especialmente as assustadoras.

Estabelecendo Expectativas

Verifique no início de qualquer relacionamento ou qualquer interação (como sexo pela primeira vez) que coloque o relacionamento em uma nova base, sobre quais são suas necessidades e expectativas individuais e níveis de conforto, e certifique-se de que vocês chegaram a um entendimento comum antes de prosseguir. Isso vai economizar muitas dores de cabeça mais tarde! Se suas necessidades mudarem ou se você se sentir diferente do que esperava em uma situação, não tem porque sentir culpa — mas seria legal informar a outra pessoa. Na verdade, você provavelmente deveria checar com seus afetos ocasionalmente, apenas para ter certeza de que os sentimentos delus não mudaram sem que elus reconheçam ou articulem isso.

Provavelmente os novos afetos em um relacionamento não-monogâmico sentiram-se insegures sobre seu anseio pela monogamia, ou pelo menos algumas das garantias que ela professa oferecer e sentiram-se envergonhades de seus desejos pelos outros. É importante que evitemos desenvolver uma cultura competitiva de não-monogamia, na qual as pessoas devem sentir vergonha por querer qualquer coisa “burguesa” ou “tradicional”. Tudo, cada desejo e necessidade, tem que ser respeitado, senão não se trata de uma revolução, apenas o estabelecimento de uma norma diferente. Se a não-monogamia é importante pra você, pode ser que você desenvolva uma atitude insistente ou até mesmo afrontosa sobre isso, em face desta sociedade hostil; certifique-se de que isso não se traduza em você fazendo com que os outros sintam que devem seguir alguns padrões ao seu redor. Aceite qualquer coisa que os outres digam sobre as necessidades delus com apoio — elus estão lhe fazendo um favor sendo francos com você. Talvez as diferenças no que você deseja signifique que vocês não podem se envolver de certas maneiras, pelo menos por enquanto. Isso ainda é melhor do que tornar o outro infeliz, lutar para fazer o outro mudar ou negar suas necessidades um pelo outro.

Os termos em que seu relacionamento começa provavelmente definirão o tom que ele terá por um longo tempo. afetos que começam com uma filosofia não-monogâmica compartilhada e estabelecem confiança um no outro com sucesso, provavelmente terão poucos problemas em manter um relacionamento não-monogâmico saudável pelo tempo que ambos desejarem. Afetos que iniciam uma relação monogâmica e decidem mudar a estrutura para a não-monogâmica, porém, podem encontrar dificuldades, pois suas expectativas e formas de se sentirem segures e amades podem já estar atreladas à questão da “fidelidade de outre parceire”. ” Agora, se você realmente quer DESTRUIR um relacionamento, comece numa estrutura monogâmica (ou simplesmente deixe rolar, para que as suposições possam se desenvolver sem serem verificadas pela realidade), então transe com outra pessoa e depois diga ao sue parceire que você quer ser não-monogâmico; para a destruição máxima, nem mesmo confidencie que você dormiu ou está dormindo com outra pessoa — deixe que elu descubra isso como uma surpresa! Obviamente, essa não é a maneira de ter um caso de amor saudável.

Lidando com Ciúmes

Nunca dê a um afeto motivo para se sentir ameaçade pelo lugar de outre em sua vida ou coração. Nesta sociedade, estamos constantemente sendo levados a sentir que estamos competindo uns com os outros, então nos sentimos ameaçades pelos outros. A não-monogamia saudável deve refutar esse condicionamento, não reforçá-lo. Deixe claro, tanto em ações quanto em palavras, que seu relacionamento com cada pessoa (afeto ou não!) depende apenas de si mesmo, não da maneira como se compara a outros relacionamentos. Você não está procurando a esposa ou marido perfeito, pegando e descartando pessoas enquanto procura a mercadoria final no mercado de parceiros; em vez disso, você está cultivando relacionamentos duradouros e adaptáveis ​​com indivíduos que você ama e trata com respeito e apoia os projetos de vida uns dos outros. Os afetos, em tal cenário, não devem ter mais motivo para temer ou ter ciúme um do outro do que os amigos — na verdade, um bom motivo para ser não-monogâmico é promover em seus relacionamentos amorosos as qualidades que fazem suas amizades funcionarem, ou, melhor, para distorcer as linhas entre os dois.

Como você cresceu nesta sociedade, haverá situações em que um ou os dois sentirão ciúmes. Há muitas coisas que você pode fazer para resolver isso quando for você sentindo. Primeiro, tente separar e identificar seus diferentes sentimentos, para que você saiba a que está reagindo. A causa mais prevalente do ciúme é a insegurança e para estar em qualquer relacionamento bem-sucedido, você precisa ter os pés no chão, se sentir bem consigo e ter um senso de seu próprio valor e atratividade. Nesse sentido, levar uma vida que ajude a respeitar a si é praticamente um pré-requisito para qualquer intimidade com os outros. Ao mesmo tempo, você deve ser capaz de pedir garantias ao seu afeto sempre que precisar — é muito melhor falar quando precisar do que se conter para não “colocar pressão”, apenas para explodir ou implodir mais tarde. Para voltar ao assunto da autoconfiança, amar a si tornará muito mais fácil acreditar nas outras pessoas quando elas tentam te assegurar..

A insegurança pode se manifestar na projeção: pode ser fácil imaginar que o metamour do seu afeto é absolutamente perfeito. Tente obter alguma perspectiva; pode ser que você passe mais tempo pensando no metamour do que na pessoa que está contigo. Ninguém é perfeito, nem mesmo a Outra Mulher; e, estando em um relacionamento não-monogâmico, você tem menos a temer do que em um casal monogâmico: seu afeto pode ter experiências com outras pessoas e desfrutar de estar com elas sem sentir que deve deixá-lo. Fora do paradigma do casal, ninguém pode roubar ninguém de você — até que ponto você é bom para uma pessoa determina o quanto ela ficará com você. Se você tem um amor forte ou antigo, nenhuma aventura ou flerte pode colocá-lo em perigo. A única coisa que determina o fim de um relacionamento, é o próprio relacionamento.

A insegurança pode não ser a única coisa que você está sentindo. Você também pode julgar seu afeto — pode ficar desapontade com elu por se sentir atraíde por alguém que você considera indigno ou pode se sentir protetor por motivos semelhantes. De qualquer forma, você tem que confiar que seu afeto sabe o que é bom para elu — não há como evitar isso. Seu parceiro provavelmente sabe do que precisa muito melhor do que você, e a decisão não é sua, de qualquer maneira.

O ciúme também pode advir de sentimentos de competitividade com outres afetos, especialmente membros do mesmo sexo — esses sentimentos são estimulados nesta sociedade e muitas vezes servem para nos isolar de camaradas em potencial. Mais uma vez, espero que você veja que quem quer que seu afeto confie é digno de respeito. Ser capaz de ver os metamour do seu afeto como amigos ou pelo menos aliados pode ser revolucionário, em uma sociedade que faz a gente se voltar uns contra os outros por causa de romance.

Também pode ser que o seu ciúme seja causado por instabilidades ou incongruências no próprio relacionamento, que talvez precisem ser resolvidas. O ciúme nem sempre é um sentimento meramente irracional e destrutivo; frequentemente, pode ser um barômetro útil para avaliar o que está acontecendo dentro e entre as pessoas.

Quando você estiver com ciúme e insegurança, pode ser útil lembrar que o grau de liberdade que seu afeto possui também se estende a você. Se você não gostaria de ter sua autonomia restrita, fique feliz por vocês dois não estarem restringindo um ao outro. Se você teve relacionamentos ou se sentiu atraíde por outras pessoas além de seu afeto, pondere essas experiências para ter uma perspectiva sobre o que seu afeto pode estar sentindo; se esses flertes não diminuíram a importância do seu afeto para você, eles provavelmente não ficarão entre vocês também.

Quando seu afeto estiver com ciúmes, tente não cair no cenário padrão de acusações, negações, ataques, defesas, suspeitas, recriminações e auto-recriminações. Dê um passo para trás e certifique-se de que está claro o quão importante seu afeto é para você; enfatize que nenhuma outra atração ou relacionamento pode ameaçar aquele que vocês compartilham. (Por outro lado, é claro, nunca diga isso se não for verdade!) Se os termos do relacionamento ou suas expectativas mútuas tiverem que ser renegociados, não adie ou contorne o problema.

Na pior das situações: você está envolvide com duas pessoas, e elas têm uma aversão intensa uma pela outra! Isso pode ser muito desagradável para todos. No entanto, ainda existem algumas coisas que você pode fazer para manter as coisas o mais tranquilas possível. Não tome partido — recuse-se a sentar-se como um juiz enquanto um tenta convencê-lo da transgressão do outro. Tenha suas próprias opiniões sobre como eles estão se comportando, é claro, mas enfatize que você não está interessado em ser persuadido a ser partidário. Enfatize para ambos são importantes para você — deixe claro que não haverá escolha de um em detrimento do outro, e que se um dos relacionamentos terminar, será devido a fatores internos a ele, não externos. Incentive os dois a resolverem as coisas como adultos, se possível. Não sirva de pombo-correio entre entre eles. Definitivamente, não se deixe tomar decisões para apaziguar qualquer um deles, mesmo que inconscientemente — isso só vai fazer você se ressentir delus e se decepcionar, a longo prazo.

Resistindo a Hierarquias

Você deve ter ouvido falar do modelo do “parceiro primário”, um dos esquemas mais discutidos na não-monogamia. Alguns acham que esses esquemas sugerem hierarquia ou protocolo. Por isso, eles sustentam que cada um deve ser seu próprio parceiro primário e se esforçarem para se comprometerem com todos os parceiros com quem compartilham a vida, sejam quais forem os papéis que desempenhem. Na verdade, arriscamos muito não permitindo que essas funções sejam fluidas o suficiente para acomodar todas as mudanças pelas quais os relacionamentos, necessidades e expectativas estão sempre passando. É importante que as pessoas em um relacionamento saibam o que esperar umas das outras, mas títulos formais não devem ser necessários para isso.

Falando em hierarquia de parceiros, outro comportamento remanescente que você pode ter carregado do gueto da monogamia é a tendência de tratar afetos além de seu “parceiro primário” com menos respeito ou sensibilidade. Isso é algo que as pessoas, especialmente os homens, fazem ao trair em relacionamentos monogâmicos: motivados pela culpa, maltratam a companheira adúltera, como se para mostrar que, embora estejam traindo a parceira, ainda a valorizam acima de todas as outras. Na não-monogamia todos os relacionamentos devem ser tratados com respeito: todas as plantas e animais em um ecossistema são igualmente importantes, independentemente de quão grande ou pequeno seja o papel que desempenham.

Conclusão

Ninguém deve pressionar os outros em um modelo de relacionamento com o qual eles não se sintam confortáveis. Isso só pode deixar ambas as partes infelizes. Ao mesmo tempo, você não está forçando os outros a nada ao tomar suas próprias decisões sobre o que é certo para você. Tome suas decisões, deixe que as outras pessoas tomem as delas e onde há um consenso, vocês poderão se encontrar. Idealmente, cada casal deve ter a mesma ideia do que eles querem que seja o relacionamento; realisticamente, as pessoas acabam tendo que fazer concessões — apenas tente se certificar de que são compromissos mutuamente benéficos. Mais uma vez, não existe um modelo perfeito: cada casal, trisal e comunidade deve descobrir por si mesmo como se dar bem e ser felizes juntos. O que funciona para um pode não funcionar para outro — pode nem mesmo parecer saudável ou sensato para outro, mas é assim que funciona.

“Eu tenho uma última pergunta. Se eu tiver mais de um afeto ao mesmo tempo, não vou acabar chamando-os pelos nomes errados na cama e me metendo em problemas com todo mundo? “

Na verdade, quando você está acostumado a se envolver sexualmente com mais de uma pessoa, os nomes dos afetos deixam de ser ruídos que você faz por hábito sempre que está excitade e passam a se referir às pessoas reais em questão . Por não ser monogâmico, você pode descobrir que, quando está na cama com alguém, está presente com essa pessoa como um indivíduo, e não como um papel em sua vida, mais do que se estivesse com uma namorada ou namorado. Se esse não for o seu caso, não há nada que diga que você tem que ir para a cama com mais de uma pessoa ao mesmo tempo para ser não-monogâmico — ou mesmo com qualquer pessoa, nesse caso. Não monogâmico e celibatário, também é uma opção legítima.

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Leonardo M.
Compersão

Não-monogâmico, focado no prazer dos momentos e das pequenas coisas (como a música) e também das grandes coisas, como as pessoas.