Não é Apenas um Filme
O Perigo de Romantizar Comportamentos Tóxicos em Romance e Comédia Romântica.
Acredite ou não, os meios de comunicação de massa são poderosos agentes de socialização que fazem uso de simplificação, distorções da realidade e símbolos dramáticos e estereótipos para comunicar mensagens com as quais os consumidores aprendem e modelam muitos de seus comportamentos — ambos saudáveis e disfuncionais. Uma área do aprendizado social se preocupa com a socialização sexual e modelos para casais românticos.
Na verdade, romance e mídia de comunicação em massa compartilham uma longa associação: a noção atual de romance, que data do “amor cortês” do século 12, foi disseminada pela primeira vez para as massas por trovadores (precursores, em certo sentido, de artistas modernos de mídia de massa) e mais tarde pelos primeiros capítulos e romances do primeiro meio de comunicação de massa: os livros.
Infelizmente, os meios de comunicação raramente apresentam modelos realistas e saudaveis de sexo, amor, e romance. Se as pessoas dependem da mídia para socialização sexual/romântica, a precisão desses retratos torna-se crítica. Se suas representações forem imprecisas e irreais, seus efeitos podem ser prejudiciais.
Quando os casais têm expectativas baseadas em impressões inadequadas ou contraproducentes da mídia de massa, seus julgamentos podem ser prejudicados, resultando em respostas comportamentais e / ou emocionais que podem ser inadequadas. Expectativas irrealistas sobre romance podem criar relacionamentos disfuncionais e infelizes. Depressão, abuso e violência estão entre os resultados possíveis.
Esses mitos e estereótipos amplamente difundidos pela mídia podem diminuir seriamente a personalidade das pessoas de todas as idades (muitas vezes socializando-as sem seus conhecimento e consentimento) e por isso é importante refletir sobre a disseminação desses retratos irrealistas, mas normalizados, assim como a adoção do público dos mesmos como modelos.
Assistir a um filme em que um homem é retratado como alguém que aterroriza uma parceira íntima estimula as pessoas a ver uma perseguição persistente como problemática. Por outro lado, assistir a um filme em que um homem continua a perseguir uma mulher após repetidas rejeições (muito comum em comédias românticas) e, no final das contas, ganha seu afeto influencia as pessoas a enxergarem o stalking persistente como aceitável ou mesmo desejável, e isso faz com que elas sejam mais toleráveis a este tipo de comportamento na vida real. Os dois casos são problemáticos, (e ambos dão cadeia), mas o segundo é internalizado como romântico.
Desde esperar gestos gigantescos de afeto até ignorar comportamentos extremamente tóxicos, as comédias românticas incutiram o desejo de perfeição nas mentes de seu público.
Os filmes românticos, especialmente as comédias românticas, retratam comportamentos tóxicos e a dinâmica do relacionamento de uma maneira positiva.
Exemplos:
Stalking: . A palavra “stalking” pode ser usada casualmente no facebook, mas é um comportamento sério, às vezes mortal, extremamente ilegal. E ainda assim é romantizado em filmes como Major League, Sleepless in Seattle e Love Actually. Muitas estudos de pesquisa foram feitos neste tópico. Em Sleepless in Seattle, a mina descobre onde o cara vive e trabalha pra maquinar um encontro “ao acaso”. Romantizar a obsessão de um homem por uma mulher reforça as ideias da sociedade de que um homem tem direito à perseguição. Eu gostaria de perguntar, então, por que os achamos românticos?
Insistência: “Não” significa “talvez mais tarde”, de acordo com a cultura pop. Naturalmente, essas histórias alimentam a “mitologia do cara legal”, de que tratar bem uma mulher, dar-lhe presentes e gestos atenciosos e defender sua honra fará com que ela se apaixone por você cedo ou tarde. Essa mitologia é tão poderosa que a indústria de flores, chocolate e diamantes tirou proveito dela. O amor, aparentemente, pode ser comprado. Só que não.. As pessoas são boas umas com as outras o tempo todo, e uma mulher pode receber centenas de gestos atenciosos de centenas de homens. Ela não pode amar todos eles. Para resolver essa dissonância, alguns homens acreditam que a persistência é a chave. E em filmes como Say Anything, Scott Pilgrim vs. the World e Titanic, a persistência eventualmente desgasta as defesas da mulher. E, aparentemente, essas defesas são o antídoto para o amor automático em relação ao perseguidor.
Enganação: Em alguns lugares, o contato sexual em circunstâncias fraudulentas ou enganosas é considerado estupro. Por extensão, qualquer envolvimento romântico pode ser considerado moralmente questionável e legalmente problemático. E ainda assim, inúmeros romances apresentam o protagonista masculino assumindo uma identidade falsa (Revenge of the Nerds, Down with Love), plantando memórias falsas (Overboard) ou perseguindo uma mulher com base em uma aposta (10 Coisas Que Eu Odeio Em Você, Ela é Demais).
Manipulação: Este é o comportamento tóxico mais comum romantizado no filme. De Grease a Buffy the Vampire Slayer e The Notebook, os protagonistas manipulam com seus interesses amorosos, organizam pessoas e coisas para fazê-los se apaixonar por eles e mentem abertamente. A noção de que romance envolve mentir para pessoa que você quer conquistar, fazer com que se sintam mal consigo mesmas, compartilhar segredos ou espalhar boatos entre amigos e outras ações de manipulação está profundamente enraizado na cultura pop.
Agora, antes de ir e dizer: “É apenas um filme”, considere que somos socializados pelos filmes, mesmo se mais tarde compreendermos que eles são “falsos”. Por exemplo, os ideais de princesa (alô Disney) são internalizados por jovens espectadoras. E, de fato, as pesquisas mostram que o consumo de mídia tem um efeito mensurável sobre atitudes e comportamentos, mesmo que o consumidor saiba que é fictício. A capacidade de distinguir entre a ficção e a realidade começa em uma idade jovem, assim como nossa tendência de usar a mídia para contextualizar o que estamos observando em nossa sociedade. No caso de filmes românticos ou comédias românticas, assisti-los pode reforçar os mitos sociais mantidos pelo espectador e fazer com que a gente os reproduza aqui fora, na realidade.