Quando o Ciúme é Mascarado de Amor

Leonardo M.
Compersão
Published in
3 min readMar 31, 2021

“Você não fica com ciúmes?” é a pergunta mais frequente que alguém em um relacionamento não-monogâmico recebe. Para muitas pessoas, até mesmo pensar em sue parceire se divertindo com outra pessoa é o suficiente para desencadear uma resposta de ciúme angustiante. E por que não seria? Na cultura pop existem pouquissímos exemplos amplamente conhecidos de não-monogamia no qual ela é uma coisa boa para todos os envolvidos. Em vez disso, somos expostos a histórias de terror — políticos renunciando com vergonha de serem pegos em um caso, dramas de televisão e filmes de grande orçamento cujas tramas giram inteiramente em torno de um triângulo amoroso tumultuado e inúmeras histórias pessoais de engano, infidelidade e desgosto.

As pessoas consideram ciúme uma parte natural da vida e nutrem ressentimento em relação a ex de sues namorades, ficam tensas quando alguém é amigável demais com a pessoa amada. E o pior é que esse comportamento é incentivado. Vivemos num mundo em que inseguranças e ciúmes são alimentados por uma cultura de competição e padrões de beleza excessivos. Um mundo onde é de boas dar show e repreender sue namorade por se sentir atraide por outras pessoas e julgar essas outras pessoas, algo que, por sua vez continua a alimentar a mesma cultura negativa.

Por outro lado, as pessoas ficam perplexas com a falta de ciúme de quem quer que esteja num relacionamento com elas. Eu já tive uma namorada que me dizia que sentia atração por um amigo meu e perguntou setava tudo bem. Eu dizia que sim, pra ela fazer o que tivesse vontade. Ela ficava puta por eu não sentir ciúmes. Sendo que sentir, eu sentia, me sentia inclusive estranho por ser alguém próximo de nós, mas dizia que isso era algo que eu tinha que lidar, que não impediria ela de dar vazão a isso, caso ela quisesse. Isso deixou ela cheia de inseguranças e dúvidas. A lógica é a seguinte: se não estou com ciúmes, isso significa que não me importo com o que ela faz, significa que não estou investido no relacionamento, significa que eu realmente não a amo! Quando na verdade eu apenas queria que ela fosse livre pra fazer o que tivesse vontade.

É alarmante a frequência com que o ciúme é mal interpretado como amor. Ninguém quer ter alguém hiperciumento, possessivo e controlador, mas há um consenso geral de que se sue parceire realmente se preocupa com você e não quer te perder, deve haver pelo menos algumas demonstrações de ciúme. Se pessoas no bar começarem a olhar pra você ou se sue colega de trabalho estiver flertando contigo, é esperado que haja pelo menos um comentário, talvez um estufar no peito e um aperto de mandíbula. E as pessoas acham, oh, tão fofo!

Muito disso decorre de noções arcaicas de cavalheirismo masculino romântico. O cavaleiro avança para defender sua donzela de bandidos, dragões e (mais importante) dos outros cavaleiros tarados e cheios de tesão.

O romance de um homem protegendo sua amada donzela é um fio condutor, mas a ideia de uma mulher protegendo seu parceiro tem o mesmo fascínio. A história é atraente — você protege a pessoa que ama de quaisquer ameaças, reais ou imaginárias. Mostra o quanto você está disposto a lutar por eles e o quanto deve realmente amá-los.

Essa abordagem positiva e romântica do ciúme alimenta uma cultura de justificativa para o mau comportamento. O cara que repreende sua namorada por usar um vestido curto está apenas tentando protegê-la de outros homens que se aproveitariam dela. A esposa que persegue as amigas do marido nas redes sociais só está fazendo isso porque não quer perdê-lo. O ciúme pode trazer à tona o que há de pior em nós — a pessoa que por dentro está com medo, presa, insegura e não vai sossegar até se sentir segura novamente. Mas sustentamos nosso amor pela outra pessoa, nossa preocupação, nosso lado nobre, para mascarar a pessoa pequena, assustada e ciumenta por dentro. “Eu só fico com ciúmes por causa do quanto eu te amo!” No final do dia, quem poderia discutir com uma pessoa supostamente tão amorosa assim né?

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Leonardo M.
Compersão

Não-monogâmico, focado no prazer dos momentos e das pequenas coisas (como a música) e também das grandes coisas, como as pessoas.