A matemática é uma ciência exata?

Alberto Akel
Unidades Imaginárias
6 min readMar 7, 2017
Turbulência causada pela asa de um avião

Realizar experiências, observar o mundo natural, formular hipóteses e testa-las são procedimentos fundamentais para qualquer um que tente fazer ciência. Podemos por exemplo avaliar o crescimento de uma planta, colocando um grupo em uma sala escura, sem luz solar e outro grupo ao ar livre. As plantas dentro da sala escura morreram em poucos dias, já as da outra sala, viveram. Concluímos deste simples experimento que as plantas precisam de luz.

O exemplo das plantas recai no velho problema da indução, que já foi muito bem discutido por A. F. Charmes no clássico livro “What Is This Thing Called Science?” Os argumentos indutivos não são argumentos logicamente válidos. Não é o caso de que, se as premissas de uma inferência indutiva sejam verdadeiras, então a conclusão deve ser verdadeira. É possível a conclusão de um argumento indutivo seja falsa embora as premissas sejam verdadeiras e, ainda assim, não haver contradição envolvida. Em outras palavras, pode haver lógica, mas a premissa inicial ser falsa.

Mas como podemos ter certeza de que nossa conclusão ou hipótese é verdadeira? E as plantas que vivem dentro das cavernas com carência de luz solar? E as plantes que se encontram dentro de rios e mares? Vou dizer: Não temos certeza!

Na verdade, uma certa dose de incerteza é recorrente na maioria ciências. Há sempre uma infinidade de variáveis que devemos levar em conta antes de qualquer afirmação conclusiva. Tudo isso para que ela possa ser questionada de forma pontual.

Na matemática, a mais verbalmente explicita das ditas ciências exatas (seja por mérito ou demérito), nenhuma quantidade de experiência é suficiente para tornar conclusão totalmente válida sem que todos os casos possíveis sejam esgotados. Porém, na grande parte dos problemas de matemática é impossível esgotar todos os casos possíveis. Veja por exemplo a seguinte conjectura:

A soma de dois números inteiros pares é sempre par

Embora, não podemos testar todos os inteiros pares (há uma infinidade dele), podemos pensar que essa afirmação é verdadeira usando argumentos lógicos e válidos. A esses argumentos chamamos de prova. (Veja a prova dessa conjectura em inglês aqui).

Isso de fato é bem especial na matemática, podemos provar algo sem necessariamente observar uma contraprova. Por meio de indução lógica e na maioria das vezes, temos certeza disso. Porém isso possibilita uma seguinte pergunta:

A matemática é exata, uma ciência exata? Ela é consistente e livre de contradições?

De acordo com o dicionário Houaiss da língua Portuguesa, “exato” significa que não contém erro, que possui grande rigor ou precisão, perfeito ou irretocável. Mesmo assim, parece que termo exato pode variar em significado de acordo com quem você conversa ou mesmo com o grau de precisão da afirmação. A frase “matemática é uma ciência exata” leva com certa frequência pessoas a crerem que a matemática é livre de erros, com grande rigor e precisão.

Se você afirmar que pode obter respostas exatas de perguntas matemáticas, isso às vezes é verdade no sentido epistemológico. Porém, nem sempre a matemática é tão poderosa quanto podemos imaginar como será mostrada a seguir. Deste já peço desculpa aos matemáticos pela falta de rigor e formalismos nos exemplos tratados a seguir.

Aprendemos, ou pelo menos tentamos, que um número irracional é um decimal que nunca se repete e é infinito. A parti desta definição, não há nenhuma maneira que podemos afirmar ou escrever o valor exato de um número irracional, não importando quantos dígitos de um número irracional escrevemos, será no máximo uma aproximação real. Quando escrevemos π =3,1416 está incorreto, a notação correta deveria ser π ≅3,1416. O símbolo ≅ significa aproximadamente igual a.

Outro exemplo que é análogo ao dos números irracionais é o conceito de limite de um número. Quando escrevemos o limite de 1/n quando n se aproxima do infinito é zero. De fato, não há um número grande o bastante, como o infinito para que 1/n seja igual a zero, podemos escolher qualquer número e ele sempre será um número inversamente pequeno a este, mas não zero.

Há certos problemas na matemática onde a única pergunta é a existência de uma certa quantidade. Um desses problemas são os números transcendentais, que são números reais ou complexos que não são raízes de nenhuma equação polinomial com coeficientes (π e e são exemplos destes números conhecidos). Durante algum tempo sabia-se que esses números existiam, Geoge Cantor provou que o conjunto dos números algébricos é enumerável, o que foi surpreendente: a enumerabilidade deste conjunto implicaria a existência de uma “quantidade” infinitamente maior de transcendentes do que algébricos, muito embora se conhecessem pouquíssimos exemplos o mais inusitado é que ele não exibiu um número destes sequer¹.

De fato, quando Georg apresentou e provou isso, a parti da sua teoria dos conjuntos no final do século 19, houve uma considerável resistência dos matemáticos de renome da época com Poincaré, muito disso se deu devido a algumas de suas posições filosóficas e pessoais. Cantor acreditava que sua teoria dos números era contrária ao materialismo e ao determinismo, ficou um tanto assustado ao notar que era o único membro da faculdade que não se apegava as crenças deterministas².

A falta de determinismo nos resultados matemáticos também foi encontrada por Poincaré, que quando estudava sistemas gravitacionais de três corpos, verificou que os sistemas de massa gravitacionais evoluíam sempre para formas cujo equilíbrio era irregular. As órbitas mútuas sempre tendiam a não serem periódicas, tornando-se complexas e irregulares. Os resultados observados que levavam à confusão e à desarmonia, não condiziam com a harmonia que ocorria na mecânica clássica.

Poincaré neste seu trabalho acabou por descobrir uma possibilidade da existência de um sistema desordenado, com variáveis ao acaso. Na época não houve um interesse prático na sua teoria de órbitas irregulares, sendo muitas vezes considerada a teoria uma aberração matemática. Talvez esse seja um dos primeiros resultados que levariam a mais tarde o desenvolvimento da Teoria do Caos.

Comportamento de um sistema de três corpos. dois sois fixos. você pode brinca com sistemas de três corpos aqui.

Até aqui o leitor pode estar um pouco confuso. Bem a ideia é essa mesmo. Desde pequenos infelizmente ouvimos que existem três áreas: Exatas, Humanas e Biológicas. O quão prejudicial é essa limitação imposta? O quão perigoso pode ser para um físico ou matemático que desconhece sua história? O quão ao terrível é um engenheiro que não tem senso de ética social? Ou mesmo um biólogo que tem dificuldade em quantificar seus resultados ou modelar computacionalmente? Da mesma forma, a mera ausência, ou as vezes, aversão ao rigor metodológico nas ciências humanas podem ser capazes de comprometer os estudos de áreas como antropologia, sociologia e linguística. De outra forma, podemos aplicar estatística inferencial e dedutiva, usar modelos matemáticos, formalizações lógicas e matemática para produzir conhecimento com rigor em humanas. Como isso, criar condições para boas políticas públicas inclusivas.

Em partes concordo com Adonai Sant’Anna, quando diz que o termo “Ciência exata” deve ser percebido mais como manobra de burocratas para definir critérios de distribuição de verbas cientificas. Para quem não lembra o programa Ciência sem Fronteiras começou excluindo as áreas das humanidades, um tanto irônico para o nome sem fronteiras (quais fronteiras?). Ao mesmo tempo volta e meia, vejo algumas pessoas em debates bobos com um repudio/orgulho de serem de exatas/humanas. Sinceramente, tenho dificuldade de assimilar esse tipo de orgulho da própria ignorância e repúdio de conhecimento, mas estou trabalhando nisso, ou pelo menos tentando.

Até o próximo texto ;)

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1-De fato, em 1844, Joseph Liouville mostrou que todos os números de liouville, que são definidos por : 0<|1-p/q|<1/q^n, são transcendentais, estabelecendo, assim, a existência de números transcendentes pela primeira vez. Feito isso, bastava ele provar que esse conjunto era não vazio, e foi isso que ele fez, o primeiro número exibido desse conjunto ficou conhecido como constante de Liouville. Depois de provar que existia uma constante de Liouville, foi fácil exibir uma infinidade de números transcendentes.

2-Determinismo, é a ideia segundo o qual tudo está determinado, isto é, submetido a condições necessárias e suficientes. Uma relação é determinada quando existe uma ligação necessária entre uma causa e o seu efeito; assim, neste sentido, o determinismo é uma generalização do princípio da causalidade, que liga cada acontecimento a um outro (é esta causalidade que o cientista pretende conhecer estabelecendo leis).

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Alberto Akel
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Apenas um cientista latino americano sem dinheiro no bolso (sem parentes importantes e vindo do interior) Unidades Imaginarias | Eureka Brasil | Pint of Science