Fichamento 2 | O Culto do Amador

Pedro Victor Lacerda
Cibercultura 2019.1
6 min readJun 5, 2019

Nesta atividade, dispõe-se o pensamento controverso de Andrew Keen sobre a cultura da participação tão louvada por outros autores, dentre os quais, Chris Anderson — ao qual o primeiro chega a citá-lo e contrariá-lo. Comparando-nos a macacos com dispositivos tecnológicos atuais.

Andrew Keen é um historiador (London University) e cientista político (Universidade Berkeley, Califórnia) que se popularizou por suas críticas ao fenômeno da Web 2.0, que considera uma utopia, tal qual o comunismo de Karl Marx. Também é autor de Digital Virgo (Vertigem Digital), obra na qual ressalta os efeitos psicológicos negativos causados pelo meio digital.

“Os macacos assumem o comando. Diga adeus aos especialistas e guardiões da cultura de hoje — nossos repórteres, âncoras, editores, gravadoras e estúdios de Hollywood. No atual culto do amador, os macacos é que dirigem o espetáculo. Com suas infinitas máquinas de escrever, estão escrevendo o futuro. E talvez não gostemos do que ele nos reserva” (p.3)

O trecho acima compõe a parte inicial da obra de Andrew Keen, O culto do amador, no qual reflete sobre os impactos negativos da revolução digital na cultura, economia e valores morais. Em específico, responde ao questionamento sobre a união da “ignorância”, “egoísmo”, “mau gosto” e “ditadura das massas”, já que essa é a sua visão sobre os processo contemporâneos vividos na web.

Ferrenhamente, a cultura da colaboração é criticada, anteriormente caracterizada como ProAms, em um processo nomeado “achatamento cultural”, no qual diversas fronteiras, dentre as quais entre profissionais e amadores, está sendo transtornada. Devido a esse rompimento com a tradição — aqui também lembrada entre autores e público, criador e consumidor — indivíduos despreparados, ou ainda desconhecedores de suas verdadeiras capacidades/funções para com seu verdadeiro papel na web, tem perpetuado um ciclo de “desinformação e ignorância”. Exemplo sempre presente nesses textos, a Wikipédia, com seus processos de edição colaborativa sempre questionados, tornou-se, à época, o terceiro site mais visitado de busca de informação, ainda que não conte com os profissionais “qualificados” para tal.

Mas de onde vem a comparação (insistente) dos usuários com macacos?

A teoria de T.H. Huxley, biólogo evolucionista do século XIX, trata que, se infinitas máquinas de escrever forem dadas a infinitos macacos, em algum momento, algum irá produzir uma obra de arte, como peças de shakespeare a diálogos platônicos. A teoria do macaco infinito, como veio a ser chamada, estava mais para uma “brincadeira matemática” que se tornou realidade, explica Keen, posto que nossas atuais máquinas de escrever evoluíram muito e disseminaram-se entre a população, graças à tecnologia. Segundo ele, os usuários, comparáveis a esses macacos, estão produzindo uma “interminável floresta de mediocridade”, na qual os “macacos amadores” publicam diversos conteúdos — que quiserem — sem a menor verificação de procedência na web.

Ele considera, como já falado, que muitos desses não possuem talento ou propriedade alguma para estarem em suas replicações imparáveis de conteúdo na web. Os blogs seriam responsáveis por corromper a opinião popular sobre “todas as coisas”, nos quais qualquer ficção torna-se a verdade de alguém; crianças não seriam capazes de distinguir esse tipo de publicação da de jornalistas profissionais objetivamente comprometidos. Outra plataforma medíocre, para Andrew Keen, é o Youtube, que estende o sentido das máquinas de escrever para filmadoras que produzirão conteúdo audiovisual amador.

Ainda mais grave, sem que percebamos, estamos nos tornando macacos pelos mecanismos de algoritmos e de busca, refletindo a sabedoria das massas. Por meio deles, mostra-nos apenas aquilo que já conhecemos ou que estamos familiarizados. Essa inteligência coletiva captada, como chama, com o rompimento de padrões culturais e valores morais, não é o único mal. A mídia convencional, devido a essa ascensão, perde cada vez mais lucro (e eu diria credibilidade), ou ainda como fala Keen, está “sob ameaça de extinção”. Quando ela não mais existir, será substituída por esses mecanismos de busca, redes sociais digitais e portais de vídeos.

Andrew abre espaço para uma confissão em meio às críticas ferrenhas que, junto de uma contextualização sobre o assunto com origens em sua história pessoal, explicam o posicionamento do autor. Ele mesmo já havia partilhado do “sonho original da internet”, como chama. Idealizar de um dos primeiros sites de músicas, fora a um acampamento no Vale do Silício, criado por uma das maiores organizações responsável pela venda de livros e revistas, O’Riley. No FOO Camp, nome do evento, seus dois dias lhe fizeram perceber os intuitos de seus idealizadores, que não conjugavam com o seu — “espalhar música”, digamos.

Com diferentes gerações embebidas em um clima de contracultura, o espaço foi o momento de celebrar, e se reconhecer como parte, a Web 2.0. No FOO Camp, a única regra era a participação. Nesse período, os ideais democráticos para com a internet por parte dos participantes havia ficado claro, e uma série de mudanças drásticas, como a cultura colaborativa a qual Keen já protestou ao início do texto, eram desejadas por eles.

“Mídia, informação, conhecimento, conteúdo, público, autor — tudo iria ser democratizado pela Web 2.0. A Internet ia democratizar a grande mídia, as grandes empresas, o grande governo. Iria até democratizar os grandes especialistas, transformando-os no que um amigo de O’Reilly chamou, num tom contido e reverente, de ‘nobres amadores’” (p. 4).

Nesse papel de imaginar o futuro da mídia, sendo eles mesmos já a nova mídia, abafou o ideal de levar mais cultura às massas, com o qual Keen simpatizava. Desde então observando esse movimento da Web 2.0, Andrew começa a projetar os motivos de sua preocupação com os horrores da revolução digital, a começar pela ideia de democratização.

“Porque a democratização, apesar de sua elevada idealização, está solapando a verdade, azedando o discurso cívico e depreciando a expertise, a experiência e o talento. Como observei antes, está ameaçando o próprio futuro de nossas instituições culturais” (p. 4)

Ao invés de levar informação imparcial e mais conteúdo as pessoas, a Web 2.0 propaga observações superficiais sobre o mundo, vendendo essa ideia quando, na realidade, é uma cortina de fumaça. O conteúdo gratuito e colaborativo dos usuários, fala o autor, está dizimando os guardiões da cultura (críticos, editores, jornalistas etc) que estão sendo substituídos, ou desintermediados.

“Estamos sendo seduzidos pela promessa vazia da mídia “democratizada”. Pois a consequência real da revolução da Web 2.0 é menos cultura, menos notícias confiáveis e um caos de informação inútil. Uma realidade arrepiante nessa admirável nova época digital é o obscurecimento, a ofuscação e até o desaparecimento da verdade” (p. 5)

A verdade está passando por um processo de achatamento, pelo qual verdades personalizadas estão a desconfigurar o mundo para fins individuais desses grupos. Os blogs ainda podem ser utilizados, nesse processo, como veiculadores de propaganda corporativa velada. Como coloca Keen adiante, a verdade e a confiança são os bodes expiatórios da revolução da web 2.0. Ele retoma os questionamentos quanto aos avalistas de conteúdos profissionais, e afirma que o fator de probabilidade ao qual está sujeito é injustificável, relegando os parâmetros de qualidade a um quadro de vulnerabilidade.

Devido à dinâmica da blogosfera de fácil (e rápido) compartilhamento, juntamente de uma “cultura de não-apuração” existente, a facilidade com que mentiras se estabelecem é muito maior e mais impactante do que de conteúdos de qualidade — pelo menos do que fica na memória do público — considero. Com o motor de busca, ainda, expomo-nos ao máximo e, junto de nossos dados pessoais, nossa identidade da web fica sob conhecimento da Google.

Outros fatores são alvo de questionamento. A publicidade convencional vem sendo questionada, devido à veiculação de informações falsas em seus conteúdos na Internet. Uma nova geração de “cleptomaníacos virtuais” está na web, considera Keen, devido às dúvidas e dificuldades — mas também ações maldosas — em relação à propriedade intelectual. Por fim, a Internet é a mídia que se tornou palco das maiores mentiras sobre a política e os políticos. Com os blogs, conteúdo sério a esse respeito não é veiculado, já que buscam atender a uma minoria, e acabam por “manipular a opinião pública”.

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Pedro Victor Lacerda
Cibercultura 2019.1

Geminiano, e não entendo o que isso significa. Movido por aleatoriedades. Comunicação Social — Jornalismo. Bicha amostrada e tímida.