ASSISTÊNCIA SOCIAL

Muito além de uma gripezinha

As sequelas da pandemia do Covid-19 impedem instituição de recuperar integralmente sua rotina e a plenitude das experiências compartilhadas entre idosos

laura caporal
Perspectivas em Movimento

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Enfermeira auxiliando idosa. Ambas de máscara.
Afeto e solidariedade permeiam o cuidado de profissionais com moradores de Instituições de Longa Permanência de Idosos | Foto: Freepik

Nos corredores da Sociedade Porto-alegrense de Auxílio aos Necessitados (Spaan), o tempo parece dançar ao compasso das narrativas vividas por cada um de seus mais de 120 moradores. A Instituição de Longa Permanência de Idosos (IPI) abriga essas histórias há 92 anos e, após a pandemia de Covid-19, lida com sequelas econômicas e emocionais.

O cotidiano local, marcado pela convivência próxima entre idosos, cuidadores e outros profissionais, tornava-se uma arena vulnerável à propagação do vírus. A natureza compartilhada dos espaços, aliada à idade avançada dos residentes e à frequente realização de eventos, exigiu medidas protetivas rápidas e a suspensão de muitas atividades que contribuíam diretamente para a administração da organização — algo que ainda não foi totalmente estabilizado depois de mais de três anos.

Tempos desafiadores para a saúde mental e física

Durante o período pandêmico, a Spaan atualizava seus protocolos com base em notas recebidas pela Vigilância Sanitária. O cancelamento de eventos externos e internos, a impossibilidade de passeios com os moradores, a proibição de visitas de familiares e o afastamento da maioria dos funcionários e do trabalho voluntário provocaram uma mudança brusca na vida dos idosos.

Em uma das tentativas de amenizar os impactos trazidos, a instituição realizou o evento “Cortina dos abraços”, que proporcionava visitas assistidas e abraços através de uma cortina plástica, evitando o contato direto dos moradores com os seus familiares e diminuindo a saudade. Com esse mesmo propósito, investiram também em videochamadas periódicas.

A assistente social da organização, Valquíria Pereira, relata que os idosos assistiam às notícias na televisão e ficavam profundamente abalados. “A [área da] Psicologia teve que trabalhar muito, principalmente com aqueles que possuíam compreensão de tudo. Além do mais, eles estavam acostumados a nos abraçar. Eles passam o tempo todo conosco. Somos para muitos a única família deles. Não é fácil perder isso”, diz a profissional.

Diante desse cenário desafiador, a Spaan continua oferecendo suporte aos seus residentes, enfrentando não apenas as consequências imediatas da pandemia, mas também o impacto duradouro na saúde mental e emocional dos moradores.

O eco nos corredores

Antes da pandemia, a IPI já incentivava o voluntariado não apenas na área de serviços — como corte de cabelos ou acompanhamento hospitalar — , mas também no simples ato de fazer companhia, sentar e conversar. Com uma rotina para muitos restrita e monótona, os idosos apreciam profundamente o contato com novos pontos de vista e a oportunidade de falar com alguém de fora.

“Eu e a minha mãe, a gente era alma gêmea. Ela era minha grande amiga. Deixou de ser minha mãe para ser a minha filha, porque a vida foi passando e, agora, ela estava precisando de mim como se eu fosse a mãe dela”, Thaís Regina Maranghello, moradora da Spaan

A moradora mais nova da Spaan, Thaís Regina Maranguello, de 67 anos, vive na instituição há seis anos. Mudou-se para lá com sua mãe, que necessitava de constantes cuidados profissionais. Foi preciso muita insistência para que aceitassem a sua presença lá, uma vez que, na época, mal atingia a idade mínima para ingresso, 60 anos.

Dois anos após o falecimento de sua mãe, Thaís relata momentos da relação delas na intenção de honrar a sua memória e emocionar quem a escuta. “Eu e a minha mãe, a gente era alma gêmea. Ela era minha grande amiga. Deixou de ser minha mãe para ser a minha filha, porque a vida foi passando e, agora, ela estava precisando de mim como se eu fosse a mãe dela”, conta. “Eu já havia passado daquela fase de precisar dela como mãe. Então, se não pudessem aceitar as duas aqui, não ficaria nenhuma. Por fim, ambas ficamos.”

Atualmente, como impacto direto da pandemia, o movimento de visitantes na instituição diminuiu fortemente. “A doença espantou muita gente, fazendo eles deixarem de vir. Antes, isso aqui era uma festividade. Estava sempre cheio de gente visitando e nos trazendo coisas. Sinto falta disso. Sinto falta de novos rostos”, acrescenta a idosa.

Assim como Thaís, o autoproclamado “garoto propaganda da Spaan”, Vanderlei Moura, de 85 anos, residente da instituição há oito anos, aponta a escassez de visitas como uma das mais infelizes sequelas do período pandêmico. Ele acredita que a visão das IPIs como alvos vulneráveis do vírus contribuiu para a perpetuação do afastamento do público mesmo após a diminuição dos casos. Além disso, a necessidade de agendamento de visitas e o limite de visitantes, também consequências de protocolos do Covid-19, impossibilita a realização de eventos que eram comuns no cenário pré-pandêmico. “Vinham escolas trazer presentes para a gente e crianças brincavam e corriam pelos pátios. Agora é uma tristeza, passa um ou outro”, conta Vanderlei.

Desafios na solidariedade

Como toda organização sem fins lucrativos, a Spaan depende de doações para sustentar suas atividades. Durante a pandemia, a situação não foi diferente. No momento em que a instituição mais precisava, as doações diminuíram drasticamente. “Isso foi algo impressionante, sabe? Nós não imaginávamos e não estávamos preparados para a queda de doações. Alimentos, medicamentos, equipamentos. A área da farmácia foi a mais afetada”, conta a assistente social Valquíria.

Infelizmente, a baixa de doações se estende até os dias atuais. A profissional revela que a instituição, no final de 2023, contava com apenas seis latas de óleo disponíveis no estoque para fazer a comida dos moradores idosos. Assim, o foco de suas campanhas e publicações tem se concentrado no incentivo à adesão às práticas beneficentes.

A Spaan recebe doações de roupas e, após selecionar quais podem ser destinadas aos seus moradores, encaminha o restante para um de seus maiores eventos: o Feirão de Saldos Spaan. Na ocasião, são vendidas peças a partir de dois reais, e os lucros obtidos são utilizados para manutenção dos serviços da instituição. Para saber quando ocorrerá o evento, é necessário ficar de olho nas redes sociais da organização.

É possível doar valores em dinheiro pelo site da instituição e, além disso, doações de alimentos (principalmente leite, açúcar e óleo), materiais de higiene e produtos de beleza (tintas de cabelo e esmaltes) podem ser entregues a qualquer hora na recepção do local (Av. Nonoai, 600).

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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