EDUCAÇÃO

Para além dos muros

A tentativa de ampliar os projetos de extensão nas universidades brasileiras e aprimorar a formação dos estudantes e futuros profissionais

Raquel Bruhn
Perspectivas em Movimento

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O Art. 207 da Constituição de 1988 assegura que as universidades obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão | Foto: Raquel Bruhn da Silva

A Constituição de 1988 declara que as universidades brasileiras possuem três funções básicas: o ensino, a pesquisa e a extensão. Porém, essa última por muito tempo foi deixada de lado, enfrentando resistência tanto da gestão das instituições, quanto dos professores e alunos. A extensão universitária é feita a partir de projetos que envolvam a comunidade e surgiu no Brasil como uma assistência ao setor rural da sociedade. Nos anos 1960, a extensão passou a ter um caráter de ativismo, de modo que apenas professores e alunos que já possuíam uma militância nas comunidades participavam das atividades.

Com a abertura democrática, após a ditadura militar, ocorreu uma grande movimentação nas universidades e isso incluiu a luta a favor da interação entre professores, alunos e cidadãos fora das salas de aula do ensino superior, resultando na criação do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão em 1987. “A extensão universitária é um vínculo da universidade com a sociedade, são projetos que fazem uma intervenção nas comunidades”, explica Sandra de Deus, professora de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex).

Mesmo com muitos avanços na área, a extensão continua a ter um lugar secundário nas rotinas das universidades. A razão para essa constante recusa, de acordo com Sandra, vem do próprio princípio da existência da extensão. Essa prática abre portas para debater, fora do campus, os conhecimentos construídos dentro da universidade, o que gera estranhamento e dificuldade nas próprias instituições. Isso porque exige da universidade o reconhecimento da importância de compartilhar os saberes para fora de seus muros e também aprender com a comunidade, minimizando a hierarquização do conhecimento.

A partir disso, o Ministério da Educação (MEC) começou a pensar na curricularização da extensão universitária, ou seja, na obrigatoriedade de as atividades com a comunidade fazerem parte dos currículos de todos os cursos de graduação. O motivo foi o entendimento de que a extensão faz parte da formação dos estudantes e, se não fosse obrigatória, poucos de fato a fariam. A partir da Lei N° 10.172, de janeiro de 2001, então, foi determinada a implantação do Programa Nacional de Extensão, que estabelece que, no mínimo, 10% do total de créditos exigidos para os cursos de graduação no país seja reservado para a atuação dos alunos em ações extensionistas. Essa determinação foi reforçada pela Lei N° 13.005, de junho de 2014, que a incluiu no Plano Nacional de Educação (PNE 2014–2024).

Porém, não se criaram ações imediatas de curricularização da extensão na maioria das universidades, precisando, assim, que em dezembro de 2018, o Conselho Nacional de Educação publicasse a Resolução CNE/CES nº 7 com as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira, que regulamentava um prazo de três anos para o início da implementação da curricularização da extensão em todas as universidades brasileiras.

A Extensão na UFRGS

Segundo a professora Adelina Mezzari, pró-reitora de Extensão da UFRGS, a extensão era chamada de “prima pobre” da universidade, porque não tinha incentivo nenhum comparado com o ensino e a pesquisa. “A curricularização da extensão surgiu quando se observou a necessidade de as instituições federais darem um retorno para a comunidade, porque, afinal de contas, quem sustenta as universidades públicas? Somos nós, pessoas da comunidade, pessoas físicas, empresas. Então se pensou isso. Como retribuir para a comunidade e ao mesmo tempo valorizar a extensão, levando conhecimento para os alunos da graduação e possibilitando terem esse aprendizado junto com a comunidade”, explica a pró-reitora.

A implementação na UFRGS começou em 2020, quando a Pró-Reitoria de Extensão (Prorext) resolveu cobrar do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) a aprovação de uma norma interna da UFRGS que regulasse o funcionamento da curricularização na universidade. No final de 2021, então, conforme exigia a lei, a norma foi aprovada por meio da Resolução N° 29. A partir daquele momento, foram realizadas muitas reuniões com todas as instâncias envolvidas no processo de curricularização para, assim, chegar no primeiro semestre de 2023 com tudo encaminhado.

Atualmente, com o início de 2024, se passou um ano do término do prazo estipulado para curricularização, que foi feita de formas diferentes em cada universidade e em cada curso. Na UFRGS, cada Comissão de Graduação (Comgrad) dos cursos decidiu o melhor jeito de inserir as horas obrigatórias de extensão em seus currículos. Algumas implementaram as horas em disciplinas já existentes e outras criaram disciplinas específicas para as práticas extensionistas.

A professora Wendy Carraro, do curso de Ciências Contábeis, coordenadora da Comissão de Extensão da Faculdade de Ciências Econômicas, destaca a importância das atividades feitas pelos alunos com a comunidade na disciplina de Planejamento Contábil. “Eu adoro quando meu aluno trabalha com uma empresa real e não faz só um exercício de um livro. Ele aprende muita coisa. Eu dou a aula sobre o conteúdo, mas são eles os protagonistas, e isso não tem preço. Eu sou muito orgulhosa dos meus alunos e dos projetos que eles fazem graças a curricularização”, relata a professora.

Na disciplina de Planejamento Contábil da professora Wendy Carraro, os alunos apresentam planejamentos estratégicos para empresários do mercado de trabalho| Foto: Arquivo pessoal

Porém, Nathan Weiler, estudante do quarto semestre de Geografia na UFRGS, argumenta que, embora a obrigatoriedade da extensão tenha sido pensada pelo Governo Federal para incentivar a realização de atividades com a comunidade, ela não foi feita da forma que ele considera ideal. Na opinião do estudante, em muitos cursos, incluindo a Geografia, estão sendo realizados projetos extensionistas pouco desenvolvidos, de modo que às vezes os alunos nem entram em contato com a comunidade, um dos princípios básicos da extensão. “A curricularização foi uma imposição que veio de cima para baixo, e na prática muitos professores fizeram os projetos correndo para seguir o prazo. O resultado que vemos é algumas coisas dando mais certo do que outras, e alguns projetos mais consolidados que outros. Certamente é um começo, mas, de modo geral, acho que não foi a forma ideal de se incentivar a expansão da extensão nas universidades brasileiras”, afirma.

A Extensão na Fabico

Na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da UFRGS, que inclui os cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Museologia, Arquivologia e Biblioteconomia, segundo Adriana Kowarick, professora de Publicidade e Propaganda e presidente da Comissão de Extensão da faculdade, o processo de implementação da curricularização foi difícil para todos os cursos por conta dos prazos, que, para ela, não eram muito extensos. “Nesse primeiro momento, acredito que tem muita coisa sendo feita que não é extensão e que é atividade de ensino. Mas que pode virar extensão se, por exemplo, chamarem a comunidade para ser pautada por um tema, mantendo um diálogo e levando o conhecimento da nossa área para essa comunidade”, opina Adriana. Além disso, ela explica que incluir a atividade de extensão dentro dos cursos está sendo trabalhoso no começo, mas depois irá qualificar o próprio ensino e formar alunos muito mais cidadãos.

Desafios e futuro da curricularização

De acordo com a Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS, o principal desafio para o amplo desenvolvimento da extensão nas universidades brasileiras é o pouco incentivo do governo e os poucos recursos disponíveis para essa área. Já a professora Sandra de Deus traz a questão da falta de disposição da instituição em auxiliar os projetos, incluindo tanto a vontade dos professores de expandir seus conhecimentos além da pesquisa e do ensino, quanto dos próprios alunos, de deixarem para trás o comodismo da sala de aula e terem novas experiências e aprendizados.

Segundo a Política Nacional de Extensão, sem essa interação dialógica por meio das atividades extensionistas, as universidades correm o risco de ficar isoladas e descoladas dos problemas sociais atuais. Assim, sendo incapaz de oferecer à sociedade e aos governos o conhecimento, as inovações tecnológicas e os profissionais que o país precisa. Um trecho do texto da Política Nacional de Extensão traz uma forte crítica: “É o ranço conservador e elitista, presente nas estruturas de algumas Universidades ou departamentos acadêmicos e a falta de recursos financeiros e organizacionais, entre outros problemas, que têm colocado limites importantes para a implantação e implementação desses institutos legais no âmbito das Universidades Públicas”.

O futuro reservado para a curricularização da extensão nas universidades brasileiras, se bem aplicada, tende ao desenvolvimento e aperfeiçoamento dos alunos e da sociedade. Até agora, depois de um ano do início da implementação, não há nenhum tipo de avaliação desse processo na UFRGS, que deve ser feita ao final de 2024, como informa a professora Sandra. Espera-se que a curricularização da extensão, a longo prazo, possa fazer parte do processo de formulação de soluções para os grandes problemas sociais do Brasil.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo FABICO/UFRGS

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