ECONOMIA

Quando o empreendedorismo é a saída

O número de jovens criando seus próprios negócios teve grande aumento pós-pandemia, e essa tendência continua aumentando

Giovanna Depentor Appezzato
Perspectivas em Movimento

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Número de jovens vendendo seus produtos cresce | Foto: Freepik

O termo “empreendedorismo jovem” surgiu para definir a atividade de pessoas de cerca de 18 a 30 anos que decidem criar seus próprios negócios e seguir, temporariamente ou de forma duradora, essa modalidade de trabalho. Após a pandemia da covid 19, em 2020, houve um aumento no número de jovens trabalhando por “conta própria”, ou seja, sem ter um empregador. E essa tendência se mantém. O Brasil, de acordo com a pesquisa da Global Emtrepreneurship Monitor (GEM) divulgada em março de 2023, segue no ranking entre os 10 países com maiores números de empreendedores do mundo, com mais de 8 milhões de pessoas de 18 a 24 anos com seus próprios negócios.

Segundo o professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alessandro Donadio Miebach, o mercado de trabalho ficou mais difícil depois do período de isolamento e os empregos tradicionais reduziram. “Então as pessoas para sobreviver estão criando suas próprias atividades”, diz Miebach. Um dos principais motivos para esse movimento foi a crise econômica que afetou o mundo todo e obrigou os mais jovens a empreender. Em vários casos, seus pais foram demitidos e a inflação fez com que a renda familiar não fosse suficiente para sustentar a família. Ou seja, o empreendedorismo surgiu por necessidade.

Fonte: Sebrae

Além disso, atualmente é difícil para o jovem entrar no mercado de trabalho, ainda mais se ele não tem o Ensino Médio ou um curso superior completo. A experiência é muito valorizada. “A pandemia machucou muito a economia, afetou um setor que emprega muita mão de obra jovem, que é o setor de serviços. Diminuiu o número de funcionários”, diz Miebach.

A influência do mundo digital

Uma das vantagens dos mais novos é ter mais facilidade no uso dos meios digitais. Atualmente, as redes sociais passaram a ser fundamentais para qualquer negócio. A dinamização e o baixo custo de manutenção de redes, como Instagram e Tiktok, favorecem a escolha por empreender. Elas diminuem os obstáculos para manter e divulgar um empreendimento e permitem ao empreendedor chegar a lugares distantes e ter contatos com pessoas que jamais seriam atingidas se não fosse pela internet. “Foi através do Instagram que consegui parcerias pelo Brasil todo. Vai ser onde vou começar meu trabalho e divulgar a marca”, diz Rassan Chagas de Leão, jovem de 23 anos e criador da marca “Low Pressure”, de roupas e acessórios sustentáveis.

Para Rassan, o empreendedorismo não era a primeira opção de vida. Desde a infância, seu sonho era ser jogador de futebol. Porém, quando estava em formação, durante um jogo profissional, acabou sofrendo um acidente que prejudicou seu desempenho e ele teve que abdicar de seu desejo. Decidiu, então, investir na sua independência de outra forma, criando a “Low Pressure” , uma loja virtual.

As redes sociais são também fontes de inspiração para muitos jovens empreendedores. Como vários criadores de marcas mostram seu crescimento e compartilham seu dia a dia no mundo digital, novos empreendedores são estimulados a começar. “Queria ser como eles”, diz Ana Carolina Wendling Alvez, de 18 anos, fundadora da loja virtual “Nux Semijoias”, explicando a razão de ter se aventurado a abrir seu próprio negócio. Ana Carolina cursa Relações Públicas na UFRGS e consegue se manter com a renda obtida com sua marca.

Perfil do empreendedor

Para muitos, a visão do trabalho autônomo está ligada à ideia de independência, não somente financeira, mas na organização do seu próprio tempo. Não ter um chefe e estar livre para trabalhar na hora que quiser é o sonho de muita gente. Parece um mar de rosas, mas não é bem assim. Seguir esse caminho não é nada fácil.

Se alguém quer abrir um negócio, o primeiro passo a dar é analisar se a sua personalidade se encaixa com o “perfil do empreendedor”. Helena Eloi, mentora de carreiras, treinadora sistêmica e facilitadora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), afirma que quem tem um perfil comportamental guiado por comodidade e segurança não conseguirá seguir por um longo tempo como empreendedor. Isso porque o trabalhador autônomo vive com uma renda variável. “Tem muitas oscilações”, explica Helena.

A mentora diz que ensina seus clientes a fazer um planejamento, a correr riscos calculados e ter sempre uma reserva de fundos. É preciso ter dinheiro para se manter. “Mas tem que estar propenso a isso, não se tem estabilidade todo mês. Se é uma pessoa que pensa muito na segurança, já não se encaixa. Falo que é para os fortes, não é fácil, principalmente no Brasil, com uma alta tarifa [de impostos]”, alerta. Helena explica que a política e a economia do Estado também influenciam na vida do empreendedor. “Eu analiso muito isso para mostrar para a pessoa que ela precisa querer muito.”

Obstáculos

Outra questão a ser considerada é a falta de experiência de quem está entrando no mercado ainda jovem. Quem está saindo da fase da adolescência, com cerca de 18 anos, está construindo sua personalidade e conseguindo enxergar pela primeira vez o ambiente em que vive e os princípios que marcam sua comunidade. Se as pessoas em sua volta não estiveram acostumadas com a ideia do trabalho autônomo, julgamentos e comentários desmotivadores poderão surgir. Muitas vezes os jovens empreendedores não têm apoio familiar justamente pelo risco que a instabilidade traz.

“Passei pelos invernos e desertos mais sombrios na transição de carreira”, Helena Eloi, mentora de carreiras, treinadora sistêmica e facilitadora do Sebrae

A visão negativa da geração passada pode, portanto, ser uma pedra no caminho para quem quer abrir o seu negócio. “O novo gera muita insegurança. O pai quer o melhor para o filho e as vezes por causa das histórias familiares, como de falência, acabam não apoiando”, diz Helena. Ela considera, no entanto, que o emprego assalariado também traz uma falta segurança, pois o funcionário pode ser demitido a qualquer momento. “Mas a falta de segurança salarial é o que constrói essa opinião. Então eu não vejo muito incentivo a não ser que a família já venha de empreendedores, do contrário é muito difícil”, opina.

Helena é advogada de formação, mas também é empreendedora e atualmente tem uma pequena empresa, que é sua própria empresa de mentoria. “Passei pelos invernos e desertos mais sombrios na transição de carreira”, lembra.

Para muitos, no entanto, não existe o privilégio da escolha, e o empreendedorismo tem sido o único caminho possível depois da pandemia. O professor Miebach lembra que as mudanças na economia não vão parar de acontecer, assim como a evolução das novas tecnologias. Ele destaca também a taxa de desistência do novos empreendedores. Segundo Small Business Administration (SBA), os pequenos negócios nos primeiros cinco anos apresentam a desistência de 50%. Já em relação as empresas que atingem 10 anos, apenas 30% resistem. Por isso, ele diz que o melhor caminho é investir no estudo, que tende a garantir um futuro melhor, seja como empregado, seja como empreendedor. Mas, infelizmente, poder optar por estudar ainda não faz parte da realidade de muitos jovens no Brasil.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS

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