Democracia direta, a lição de Barcelona contada pela Secretária de Inovação Digital, Francesca Bria

Ricardo Poppi
Empurrando Juntas
Published in
5 min readMay 26, 2017

Donatella Coccoli 05 de maio de 2017 (Tradução do original por Ricardo Poppi 14 de maio de 2017)

Francesca Bria, secretária de inovação, em pé conversando com os cidadãos de Barcelona

uma questão que faz algum tempo perturba a imprensa italiana, causando reações calorosas e polarização. A questão é: a democracia web representa uma saída à crise de participação política dos cidadãos?

Este argumento levanta muita polêmica assim como vimos no início de abril, quando a prefeita de Roma Virginia Raggi e a secretária municipal Flavia Marzano apresentaram a proposta de alteração do estatuto comunal de Roma introduzindo instrumentos de democracia direta — assim definidos por elas — tais como petições online, orçamento participativo e referendo sem quorum. Imediatamente houve quem apontou que não haveria nada de novo sob o sol, visto que as petições e referendos são instrumentos de participação popular previstos também pela Constituição. Danilo Toninelli, o deputado do Movimento Cinco Estrelas e adjunto da Comissão dos Assuntos Constitucionais, respondeu usando o espaço do programa “Tutta la città ne parla” na Radio 3 (Roma) que há 70 anos estão pendentes as regras e leis que regulamentariam os princípios relativos à democracia direta da Carta e que os prefeitos italianos não tem hábito de responder às petições no conselho da cidade.

Os cinco estrelas em Roma, então, vão passar das palavras à ação. Essa experiência na Prefeitura de Roma (Capitolina), na verdade, não é acidental. Roma é uma das cidades italianas, junto com Turim, Milão e Nápoles, que tem uma ligação direta com Barcelona, a capital catalã, onde a democracia participativa online é parte da vida quotidiana dos cidadãos. E onde, desde junho 2016, é secretária de inovação tecnológica a economista italiana, Francesca Bria. Antes de ser chamada pela prefeita Ada Colau, que dirige a cidade graças à vitória de seu movimento “Barcelona En Comu”, Bria trabalhou em um projeto europeu gerido pelo Nesta, Laboratório de Inovação Inglês, focalizado no estudo da democracia digital na Europa. O projeto envolveu os piratas Alemães (partido pirata), o Podemos, os M5s e algumas experiências de mutualismo organizadas a partir de baixo. “O objetivo era ver como estava sendo o uso da tecnologia em outros países e como estavam mudando os partidos políticos”, diz a economista à Left. Esse trabalho de experimentação e análise sobre a construção de novas plataformas digitais tem sido o núcleo fundante de sua atividade em Barcelona. O papel de Bria é na verdade para coordenar e definir a estratégia digital da cidade catalã. Um caminho “natural”, após a vitória de Colau. “Barcelona En Comu tem uma experiência de governo bastante nova e nasce com a característica da democracia participativa, pela história da própria prefeita que é oriunda de movimentos populares. A participação dos cidadãos nas políticas públicas é uma das pedras angulares desta experiência de governo”.

A aplicação da democracia digital — explica ela — passa pelas políticas de moradia, do direito à habitação, ao planejamento urbano e orçamento participativo.

“Nós também temos um “Pam”, um documento de planejamento para esta administração e que foi escrito com a participação de 30 mil cidadãos, ativos tanto online como offline, através de assembleias de bairro e consultas mais ou menos tradicionais”, continua Francesca Bria, que explica também como funciona o portal Decidim Barcelona através do qual os cidadãos estão criando propostas para “implementar os nossos projetos.”

Mas porque a parte tecnológica é tão importante? “É como se tivéssemos co-criado uma oficina de políticas públicas. E fazemos isso com uma tecnologia muito intuitiva, porque o nosso aplicativo também está no celular. E então nós trabalhamos muito na análise de dados, e para explicar aos cidadãos o problema a resolver, também usamos infográficos e colocamos os dados abertos a disposição”. Porque, explica Francesca Bria, “não é apenas uma experiência mecânica, não se trata de dar um clique ou um “like”, para que se possa falar de democracia participativa.” Convém, no entanto, que o conhecimento do problema seja disseminado, que os cidadãos sejam informados, que os problemas a resolver sejam discutidos, exibidos com todos os dados disponíveis: “Comparado com a participação automática em mídias sociais ou em relação às notícias consumidas rapidamente, estamos trabalhando no sentido da participação dos cidadãos e também a respeito das necessidades de seus próprios bairros”. Também porque a democracia web por si só não tem nenhum efeito, “Há uma interação contínua entre a participação na plataforma digital e na assembléia dos bairros”, explica a economista.

A transparência do governo, um objetivo tão difícil de alcançar na Itália, dado o fracasso do FOIA (Freedom of Information Act) depois de 4 meses após a sua entrada em vigor, em Barcelona parece agora ter se tornado realidade. “Todos os dados são passiveis de verificação, há um feedback contínuo mesmo com os profissionais de jornalismo de dados. E, por outro lado, dado que tanto Barcelona En Comu como Podemos chegaram ao poder também através de uma crítica à casta e à corrupção institucional, abrimos todos os dados, inclusive os nossos próprios”, ri Bria. Não só isso: é possível também denunciar qualquer abuso de poder ou corrupção, “Nós criamos uma infra-estrutura a “Caixa Ética”, baseada numa tecnologia de encriptação de dados, que protege o anonimato e que também vem sendo usada pelo Wikileaks. Então nós incentivamos o “wistleblowing” interno com proteção das fontes”. Também neste exemplo, Barcelona é uma das cidades pioneiras na Europa.

Mas quais são os possíveis riscos da democracia web? “O problema é quando você não vê que esses processos de organização on-line não são uma alternativa para a forma de participação no território, nas praças, através da discussão, do debate,” acrescenta Bria: “A rede não pode substituir esta vivência de participação ao vivo”. E, em seguida, continua a secretaria, não se pode resolver a questão da democracia digital de acordo com a dicotomia da Democracia sim ou Democracia não, mas em como ela é praticada. “Além disso, a participação digital tornou-se agora parte integrante da vida das pessoas, por isso é normal que se faça um uso político”, sublinha. Como tem registrado sempre na transmissão da Radio 3 Nadia Urbinati, “a web democracia é real e global e não se pode surpreender-se tanto. A inovação tecnológica que inventa novas estratégias e práticas políticas de cidadania, não pode ser interrompida. No sentido de que a democracia é por sua natureza, desde os tempos antigos, aberta à inovação para resolver os problemas da participação. Não se pode demonizar ou exaltar.”
De acordo com Francesca Bria, com a crescente falta de confiança pública nas políticas de austeridade, “o único antídoto, a única resposta possível ao populismo de direita que se alavanca sobre o descontentamento, sobre a decepção e sobre o protesto, são essas formas de democracia direta. Só desta forma, os cidadãos reassumem o protagonismo na política e se colocam no jogo.

A lição que vem de Espanha é esta: ampliar os espaços da democracia, se não o que vence é o populismo de direita “.

(por Left n.16 de 22 de abril, 2017)

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