O novo aplicativo do Cidade Democrática

Henrique Parra Parra Filho
Empurrando Juntas
Published in
6 min readMar 17, 2017

Vamos contar aqui a história do que se passou no plebiscito pela paz na Colômbia, que acabou recusando o Acordo de Paz. Mas que também é muito parecida com a história da polarização política que se acentuou no Brasil nesses últimos anos, com o que aconteceu com o plebiscito do Brexit, com a eleição de Trump, enfim, com o que tem acontecido em qualquer discussão política que se faz nas redes sociais.

Quem nunca participou de um debate irracional, um debate com um monte de mentiras sendo compartilhadas infinitamente? Sabe aquilo de “uma mentira repetida um milhão de vezes que vira verdade”? Por exemplo, muitas pessoas na Colômbia começaram a acreditar que se votassem pelo acordo de paz estariam votando para que o chefe das Farc pudesse ser o próximo presidente e que as duas coisas fossem iguais de alguma maneira.

Quem nunca teve vontade de escrever aquele post e de conseguir falar com essas pessoas? Chamar atenção para algum fato, botar o foco em algum dado, mas não conseguiu falar para todo mundo? E pior: ver posts patrocinados, perfis falsos e “robôs” dominando todo o espaço nas redes sociais.

Quem já percebeu estar limitado a uma bolha de opinião com amigos que pensam igual ou parecido (é o que acontece nas principais redes sociais que usamos)? Por isso, deixar de estar em contato com a diferença e de debater com o diferente! Em resumo, quem nunca se sentiu nadando contra uma corrente de manipulação e de medo que acaba dominando a vista das pessoas, sem ter voz para contrapor?

O fenômeno das bolhas de discussão impede que opiniões divergentes cheguem às pessoas

Junto com a exclusão digital, tanto de acesso (baixa infraestrutura instalada no país e custos que dificultam ou excluem parcelas da população) quanto das altas barreiras cognitivas das ferramentas cívicas (que estimulam debates em fóruns com muitos comentários e dificultam a participação dos que têm pouco conhecimento ou que ainda não se engajaram), avaliamos que a questão da polarização/manipulação é um dos principais problemas da democracia digital.

E foi para criar uma solução para esse problema que fomos à Madrid e trabalhamos no workshop Inteligência Coletiva para a Democracia, do Participalab/ Medialab Prado. Nosso desafio era materializar uma tecnologia que respondesse a duas perguntas: Como dar poderes extra para quem fica em uma situação de minoria e está sendo esmagado pela avalanche de mensagens manipuladas (e cujas mensagens não conseguem visibilidade nas redes sociais e chegam a cada vez menos gente)? Além disso, como possibilitar que os indecisos sejam informados e possam trazer perguntas e diversidade pra maioria?

É o que o app Pushing Together vai fazer! Empurrar a voz das minorias para o fluxo principal de comunicação, possibilitando que todos os lados sejam ouvidos e garantindo que o contraditório esteja sempre visível.

Fará isso promovendo a ação coletiva através de notificações PUSH que vão funcionar como freios e contrapesos que trazem diversidade para o debate e impedem que um só lado domine o fluxo principal de comunicação, como acontece nas principais plataformas de redes sociais utilizadas.

Em resumo, o app é desenvolvido utilizando licenças de software livre e vai poder trabalhar com outras ferramentas livres de conversa na rede. Para começar, escolhemos o Pol.is, que é um aplicativo de conversa na rede com uma interface minimalista de participação que identifica e exibe grupos de opinião e propostas a partir dos dados de participação. Com ele, pretendemos trabalhar na solução dos principais problemas que identificamos no uso de ferramentas para democracia em rede. Tanto superar a arquitetura complicada e excludente das ferramentas utilizadas pelos governos, quanto trazer diversidade para as bolhas de opinião que alienam as pessoas do debate informado e prejudica a capacidade das minorias comunicarem suas agendas.

Entenda como o Empurrando Juntas vai funcionar e os perfis PUSH que criamos.

Trabalhamos quinze dias de maneira intensiva no Medialab Prado, com 12 colaboradores de 5 países diferentes (Alemanha, Brasil, Espanha, EUA e Taiwan), sendo seis desenvolvedores trabalhando em tempo integral. A parte desse esforço, 5 conquistas relevantes aconteceram:

Equipe do “Empurrando Juntas” durante os trabalhos no MediaLab Prado em Madrid

1. Formamos a equipe de colaboradores engajando três organizações (Cidade Democrática, LAPPIS e Rede Livre) que articulam uma potente rede de produção de tecnologias livres no Brasil. Além disso, tivemos a colaboração direta de Colin Megill, cofundador e CEO do Pol.is, e de Audrey Tang, atualmente Ministra Digital de Taiwan, hacker e ativista que tem feito as principais experimentações políticas com o Pol.is. Ou seja, a comunidade do software foi engajada!

2. Nossa aplicação foi reconhecida como inovadora pelo time do Pol.is, que assumiu o interesse de incorporar a solução no seu core. Isso é a confirmação de que criamos algo relevante e, ao ser incorporado pelo Pol.is, aumenta muito o impacto e a sustentabilidade.

3. Nossas requisições e provocações aceleraram uma mudança de licença, antes BSD atualmente aGPLv3, que aconteceu durante o laboratório! Essa mudança renova a relação de confiança na apropriação e uso da ferramenta, já que a liberdade de acesso ao código fica garantida.

4.Quem quiser ver a API do Pol.is funcionando não vai olhar pro código deles, vai olhar para o nosso. Esse trabalho de investigação e de estudo, produzindo essa documentação, contribuiu na efetivação do Pol.is como bem comum porque facilita que mais gente desenvolva usando o Pol.is.

5. Os conhecimentos e histórias que encontramos no ParticipaLab nos permitiram lapidar nosso insight inicial. Além disso, ter construído um bem comum ancorado no Media Lab nos deixa muito otimistas das conexões que podem surgir, dada a centralidade que este laboratório tem no ecossistema de e-democracia hoje.

Com o protótipo pronto, queremos pilotar as primeiras experiências em cidades brasileiras.

Telas do app móvel do “Empurrando Juntas” desenvolvido no MediaLab Prado em Madrid

O Empurrando Juntas deve ser uma potente ferramenta para organizações políticas e governos realizarem consultas e deliberações participativas, sem os riscos das bolhas de opinião e da manipulação e polarização dos debates virtuais. Seu diferencial está na facilidade de uso (incluindo os cidadãos que não estão engajados) e nos baixos custos de desenvolvimento e manutenção (possibilitando que as prefeituras brasileiras de cidades médias e pequenas possam utilizar).

A venda de serviços de implementação, capacitação e desenvolvimento para as prefeituras encontra mercado hoje no Brasil. 62% das prefeituras estão presentes por meio de perfil ou conta próprios em redes sociais (Facebook, Twitter etc), mas apenas 4% criaram e disponibilizaram aplicativos digitais próprios.

Concentração e facilidade de acesso a tecnologia nos grandes centros

Um dos motivos é a falta de recursos financeiros e técnicos para a contratação ou produção de tecnologias. Dessa forma, além de novas tecnologias, novos modelos de negócios precisam ser criados para garantir maior sustentabilidade e viabilidade dentro do contexto brasileiro e das barreiras jurídicas e financeiras dos governos locais. O consórcio de desenvolvimento, inspirado por iniciativas similares em outras partes do mundo, nos parece ser uma solução de negócio.

Em outras palavras, o aporte de pequenas somas de recursos diminui os custos para cada cliente, ao mesmo tempo que responde às necessidades de investimento e custos.

A mecânica desse consórcio deverá ser baseada em capital semente captado pelo Instituto Cidade Democrática para viabilizar o desenvolvimento tecnológico e criação da nuvem onde será disponibilizada o aplicativo Empurrando Juntas e para a execução de projeto piloto em três cidades. A venda de serviços (instalação, capacitação, mobilização e manutenção) de baixo custo para as prefeituras garantirá a implementação em vinte cidades brasileiras ao longo de dois anos. O montante total da venda de serviços para as prefeituras no final dos dois anos totalizará o mesmo valor captado pelo fundo.

Plataforma de serviços em nuvem que se conecta aos outros aplicativos

Só um arranjo open source e que desenvolva utilizando softwares livres já em operação e com desenvolvimento ativo pode, ao mesmo tempo, viabilizar a adesão e a manutenção de tecnologias de ponta por parte do Estado, seja do ponto de vista dos custos, seja do ponto de vista da autonomia.

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Henrique Parra Parra Filho
Empurrando Juntas

Filho de Jundiaí, da Democracia e da Internet / At @cidademocratica, learning by doing how tec commons can improve (or save) democracy