O que o Lula, o Boulos e as eleições de 2018 têm a ver com open source?

Henrique Parra Parra Filho
Empurrando Juntas
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5 min readSep 26, 2017

Lula (com o projeto Brasil Que o Povo Quer) e Boulos (com o projeto Vamos Mudar) simbolizam decisões independentes tomadas pela Fundação Perseu Abramo e pela Frente Povo Sem Medo de utilizar o software livre Empurrando Juntas — EJ/Pol.is. A partir de então, estas duas iniciativas engrossam a que quer ser a maior comunidade de um open source de participação social do Brasil.

Lula e Boulos durante encontro do MTST em Taboão da Serra. Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Quer entender melhor toda essa história? Em apenas doze parágrafos vamos explicar tudo!

1. Pra começar: Quem acompanha o Instituto Cidade Democrática tem ouvido falar muito sobre inteligência artificial, participação em massa, inclusão e combate à manipulação nos últimos meses. Certamente também ouviu falar sobre o desafio de construir freios e contrapesos democráticos para os efeitos negativos das mídias sociais. Tudo isso pode ser simbolizado pelo novo aplicativo que estamos desenvolvendo, o Empurrando Juntas (EJ);

2. Depois de criar o primeiro protótipo conceitual no Medialab Prado, na Espanha, realizamos os primeiros experimentos de uso do EJ/Pol.is na cidade de São Paulo, dentro do projeto Laboratórios Livres de Participação Social. O aprimoramento conceitual e teórico seguiu com artigos publicados na Liinc em Revista e na Edição em português da Revista Nueva Sociedade e, mais recentemente, foi selecionado pelo Programa de Cátedras Brasil do Laboratório de Inovação em Governo da ENAP. Mas este não será mais um post para detalhar o conceito ou as funcionalidades do EJ, já fizemos isso aqui, ali e acolá;

3. Este artigo é para falar da comunidade open source deste software, ou melhor, sobre o que realmente significa esta escolha estratégica para um país como o Brasil e para um instituto que tem a missão de construir cidades mais democráticas;

4. Primeiro é necessário um banho de realidade: Open source é a estratégia de várias das maiores empresas de tecnologia do mundo. Todos os grandes serviços na web como Facebook, Twitter, Google+, utilizam Open Source. Novos entrantes do mercado financeiro, exemplo do NuBank, usam exclusivamente Open Source e todas as grandes empresas são usuárias desse modelo em maior ou menor escala;

5. Do ponto de vista técnico, quem desenvolve sabe das vantagens que uma comunidade open source ativa pode trazer: programar mais rápido e barato sem desenvolver sempre do zero e aproveitando o que já foi desenvolvido antes. Além disso, quem usa open source não fica refém de um único fornecedor, pois há sempre mais gente capaz de desenvolver aqueles softwares. E por fim, quem desenvolve por bastante tempo em open source alcança resultados com um valor maior, porque o aperfeiçoamento constante vai tornando o software cada vez melhor;

6. Mas o que nos interessa aqui é o debate político: para que tudo isso aconteça não basta o software livre ser criado. É necessário que uma comunidade de comum formada por outras pessoas e organizações possa florescer em torno dele. Então é preciso de incentivos e uma estratégia para construí-la;

7. E temos alguns bons exemplos para tomar como referência. No Brasil, neste campo de tecnologias cívicas, a comunidade do Mapas Culturais e do Login Cidadão. E na Espanha, a comunidade do decide/decidim*;

8. Mas porque esses exemplos? O que nos inspira nesses exemplos é o seu caráter de arranjo aberto com adesão do Estado. Ainda que esses softwares livres tenham sido criados por organizações específicas e fora do Estado, vivem atualmente um processo de descentralização com adoção de municípios, participação de servidores públicos nas comunidades e ativação de prestadores de serviço locais e independentes. Esse modelo de consórcio em torno do bem comum é virtuoso: alia o envolvimento de empresas públicas e servidores visando sustentabilidade nas organizações públicas com a construção de modelos de negócios em torno da prestação de serviços especializados para que organizações sociais e indivíduos possam se manter no arranjo do software;

9. E por que isso é tão relevante? Porque é praticamente a única maneira de ter impacto e chegar realmente até as cidades brasileiras. A última edição da Pesquisa TIC governo eletrônico (2015) mostra uma grande adesão por parte dos governos às plataformas de mídias sociais, ao mesmo tempo que escancara suas dificuldades na produção de aplicações e tecnologias próprias. Ela aponta por exemplo, que 92% dos órgãos federais, 74% dos estaduais e 62% das prefeituras estão presentes por meio de perfil ou conta próprios em redes sociais como o Facebook, Twitter etc. No entanto, apenas 33% dos órgãos federais, 20% dos estaduais e 4% das prefeituras disponibilizaram aplicativos digitais próprios. As prefeituras também têm poucas capacidades tecnológicas: nem metade delas (41%) possui uma área ou departamento de TI. No Nordeste (29%) e nos municípios com até 10 mil habitantes (25%) é ainda pior;

10. Dentro de um arranjo open source, a decisão sobre que melhorias serão adotadas pela “versão comum” passa a ser tomada pelos membros da comunidade, de acordo com critérios de experiência técnica e regras políticas, cuja governança é reforçada com eventos e debates da comunidade, onde a estratégia macro da comunidade é debatida e pactuada. Esse nos parece o único modelo capaz de garantir realmente um papel soberano do Estado, que passa a ter capacidade de interagir na comunidade, e a autonomia da Sociedade na governança comum, viabilizando ainda a participação dos governos locais;

11. E esta tem sido a missão do Instituto Cidade Democrática desde setembro do ano passado, primeiro conceituando o aplicativo e abrindo um arranjo comum com o software livre Pol.is e depois iniciando articulações para aperfeiçoar o conceito tecnopolítico e captar recursos e projetos para alavancar o desenvolvimento do Empurrando Juntas. Tal busca não foi e não é uma simples captação de mercado. Cada projeto envolve a articulação com parceiros e indivíduos capazes de aportar os conhecimentos necessários ao mesmo tempo em que materializam os princípios e práticas do software livre.

12. Queremos motivar outras organizações sociais e políticas a adotar e se apropriar da ferramenta e fazer parte da comunidade e de sua governança Por fim, queremos encontrar aliados e parceiros para realizar a missão do Instituto Cidade Democrática, que é a de proporcionar tecnologias livres para as prefeituras de modo que as cidades brasileiras possam ser cada vez mais democráticas!

*Inicialmente desenvolvido como software livre pela Prefeitura de Madri, foi adotado pela Prefeitura de Barcelona que criou uma versão independente (ambas na mesma comunidade de software). Hoje, já reúne mais de três dezenas de organizações públicas e sociais que passam a configurar uma comunidade de desenvolvimento e de governança desta tecnologia.

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Henrique Parra Parra Filho
Empurrando Juntas

Filho de Jundiaí, da Democracia e da Internet / At @cidademocratica, learning by doing how tec commons can improve (or save) democracy