Um bode na sala e 5 insights da OGP 2019

Henrique Parra Parra Filho
Empurrando Juntas
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8 min readJun 17, 2019

Com alguma demora, compartilho a experiência de ter participado da comitiva brasileira reunida pela Transparência Internacional e apoiada pela Embaixada do Canadá para participar de uma semana de estudos em Ottawa, incluindo o Summit da Open Government Partnership (vamos sempre chamar de OGP aqui).

Delegação brasileira — Da Esq. para Direita, Renato Morgado (Transparência Internacional), Henrique Parra (Instituto Cidade Democrática), Laila Bellix (Instituto de Governo Aberto) Ana Paula Carracedo (Grupo Votorantim) e Paula Oda (Instituto Ethos).

Minha desculpa é que tentarei reunir alguns dos insights e reflexões que essa semana gerou, para além de um relato do que aconteceu (que já foi feito muito bem pela galera do IGA e que você pode conhecer aqui).

Para isso, precisei não apenas deixar as coisas decantarem aqui na minha cabeça, mas travar algumas conversas por aí.

Sim: penso melhor conversando. :)

Mínimo contexto comum: Logo de cara a OGP abriu o coração e avisou o mundo: os dois principais temas que precisamos discutir juntos nesses loucos dias que vivemos são “Actions for a More Inclusive Open Government Partnership” e “Strengthening Democracy and Protecting Civic Rights in the Digital Era”.

E essas duas preocupações podem ser resumidas por frases marcantes que escutei durante o Summit; Menos de 2% dos compromissos assumidos na OGP consideram atualmente as questões de gênero; e há uma perda de liberdades de imprensa, opinião, associação e participação no mundo hoje, incluindo em países membros da OGP.

Mary Robinson, Ex-Presidente da Irlanda, em uma das falas mais potentes sobre inclusão de gênero

Inclusão e liberdade. A partir desse mantra que guiou o Summit quais são os insights?

Alguém aí pode escolher mesmo?

Essa história de pensar que usar mídias sociais é uma escolha e que se valer dos contratos/ termos de uso significa algo já era.

Não existe mais consentimento!

Esse framework não funciona mais. O tipping point já foi alcançado e esses ambientes são uma realidade e um imperativo para trabalhar e sociabilizar. Além disso, a ênfase em discutir privacidade dos usuários deixou descoberta uma questão igualmente importante: como o interesse público e o direito à memória serão garantidos se as decisões sobre apagar ficam com empresas privadas? A sociedade precisa decidir que dados têm interesse público e precisam ficar gravados para a história. Suzanne Legault foi quem cravou mais a fundo esse tema lá!

Como se proteger das Big Techs!

Outro insight construído a partir de muitas vozes ali é de que as big techs precisam ser reguladas. (prepara que esse vai ser longo).

Bom…isso a gente já ouviu por aí certo? No Summit não foi diferente. Falou muito do impacto de desinformação, manipulação e inflamação do debate que as mídias digitais estão gerando (Mary Robinson e Justin Trudeau foram nessa linha, por exemplo), mas deu pra sair com algo bem mais palpável dessa vez.

Ben Scott vocalizou de uma maneira muito poderosa as três maneiras que devemos regular essas big techs. (lembrando que aqui é toda a mixagem do que rolou no evento e outros papos, então não se trata do argumento exato de Ben)

Ben Scott, Diretor de Policy & Advocacy da Luminate

Primeiro, devemos regular conteúdos ilegais ou que devam ser declarados ilegais. Discurso de ódio, mensagens falsas etc. Há tecnologia para fazê-lo e a regulação deve exigir que seja feito. (até aqui, pouca novidade de novo).

Segunda maneira: regular a partir do direito à privacidade a economia de atenção que molda as mídias sociais. Como seus modelos dependem de capturar a atenção das pessoas, há uma enorme quantidade de conteúdos não claramente ilegais mas que são danosos e que acabam sendo rapidamente disseminados. A regulação deve permitir ao usuário se despir dos algoritmos se preferir, tirar essa lente e reassumir o controle de onde colocará atenção. Regulação de conteúdo: ódio, fake etc.

Por fim, é necessária uma regulação para promover concorrência. Assim como em outros setores, devemos garantir que os dados não se concentrem em uma quantidade tão pequenas de corporações. Rever fusões e compras, ser mais rigoroso sobre a concentração e exigir desmembramentos deve ser o caminho.

Quem não for EUA ou China pode jogar?

Dorothy Gordon, do Ghana, foi brilhante em um dos paineis. Primeiro mostrou claramente como há uma espécie de bipolaridade entre EUA e CHINA (ela chamou de nova Guerra Fria) no que diz respeito à economia de dados que está emergindo. Resgatou não apenas a disputa em torno do 5G como o fato de as big techs do mundo serem praticamente todas estadunidenses ou chinesas.

E olhando para canadenses e europeus disse: Nós não competiremos com eles. Nós hoje temos nossos dados usados, produzimos e entregamos esse ouro, mas somos apenas consumidores de tecnologia. Mas e vocês? Qual o Plano B? Como Europa, Canadá e outros países desenvolvidos atuarão? Outro que tem falado muito desse tema é Evgeny Morozov.

A coisa toda faz sentido quando resolve problemas sociais.

Nessa semana deu pra conhecer mais uma série de boas práticas e cases incríveis de governo aberto. Só reforçou algo que lentamente vinha ganhando forma pra mim: Governo Aberto faz mais sentido como estratégia pra resolver questões sociais e não como um foco em si mesmo. Claro que há uma série de políticas e decisões que tornam isso possível (e por tanto é necessária a pressão e o ativismo pensando o tema como campo).

Mas quando o Governo Aberto vai fortalecer a democracia? Quando resolver problemas.

Maria de los Angeles Ducoing resolvendo subnutrição de crianças no México, Gregorio Casar devolvendo a liberdade para quem era mantido preso ilegalmente no Texas e Heidi Marina Canzobre impulsionando políticas de gênero em combate ao feminicídios foram alguns dos pontos altos para reforçar isso!

Cadê a Economia (e) Política no papo?

Estamos vivendo em um mundo cansado das crises neoliberais. A de 2008 deixou a gente ferrado até hoje. Boa parte da insatisfação popular tem a ver com os reflexos negativos das decisões de um sistema político que parece privilegiar o interesse da grande economia e não das pessoas. Como debater os efeitos autoritários (populismo de direita e de esquerda) que vem crescendo no mundo nesses últimos anos sem ao menos abrir um debate sobre economia política?

A aposta na valorização das liberdades e na promoção de valores, embora seja importante, é insuficiente. Responder aos problemas materiais com uma agenda abstrata tem perdido eleição.

Como construir políticas, uma economia e um sistema político que garanta melhorias reais (direitos sociais) e combata a crescente desigualdade e perda de qualidade de vida das classes médias do mundo? Não seria essa a melhor aposta para construir uma solidariedade em torno de direitos e liberdades? (Não foi assim com a social democracia?)

E qual o bode na sala de que o título fala?

A OGP não se posiciona institucionalmente em relação a governos autoritários ou em processo de degeneração democrática e pior, alguns desses governos inclusive se valem do fato de pertencerem à OGP para construir uma narrativa de que são democráticos (no melhor estilo “open wash”). Casos marcantes como o do México e da Guatemala (apenas para ficar com dois exemplos mais próximos) mostram uma OGP que se mostra preocupada em discutir as ameaças autoritárias do mundo, mas reluta em exercer um soft power para enfrentar esse problema ou ao menos se engajar na mediação de alguns conflitos.

Delia Ferreira Rubio, presidente global da Transparência Internacional, em mesa na qual fez referência ao avanço de autoritarismo inclusive em países membros da OGP.

Depois dessa demora de duas semanas….um textão! Foi mal pela dupla falta! :p

Mas como foi a Semana de Estudos?

Pra quem tá muito afim, compartilho com mais detalhes o que rolou durante a semana:

Participamos dos principais encontros realizados pela comunidade de governo aberto que orbita a OGP: OGP Academy, um dia conhecendo pesquisas acadêmicas e papers produzidos em diversos países sobre o tema de governo aberto; Civil Society, reunindo organizações sociais para debater o tema desde o ponto de vista da sociedade; e Local Government que apresentou boas práticas no nível subnacional, com forte destaque para a ação em municípios.

Além das atividades nesses três eventos paralelos e das mesas e painéis do próprio Summit, participamos em outras cinco atividades:

  1. “Transparência e Combate à Corrupção nas Indústrias Extrativas” com Emily Nickerson, Diretora da Publish What you Pay Canadá.

Esse time coleta, trata e sistematiza todos os dados de pagamentos realizados por empresas do setor extrativo (empresas canadenses ou que negociam na bolsa do Canadá). Eles publicam de uma forma que permite a reutilização desses dados (trampo foda que tira do pdf e de formatos diferentes e entrega uma base limpinha e única), além de permitir visualizações num portal. Por outro lado, são uma espécie de backbone organization para articular ativistas, organizações sociais e stakeholders preocupados com o tema e que podem se apropriar desses dados para sua atuação.

2. “Um olhar sobre Governo Aberto na América Latina” com fellows em Governo Aberto da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Participaram Carolina Cornejo, da Diretoria de Governo Aberto do Ministério de Modernização da Argentina, Julio Herrera, co-fundador da Red Ciudadana Guatemala e Daniel Carranza, co-fundador de DATA Uruguay. Esses três têm um acúmulo gigante no tema e acompanham a OGP há um bom tempo.

Foi um dos momentos de maior reflexão política sobre o tema de governo aberto em relação ao avanço de governos e mandatos autoritários e quando uma série de insights rolaram! Vou retomar isso mais a frente!

3. “Qual o futuro da agenda de governo aberto no Brasil?” foi um diálogo entre representantes do governo (CGU), do parlamento e da sociedade civil do Brasil sobre os avanços e os desafios da agenda de governo e parlamento aberto no país. Após a tensão gerada pela tentativa de mudança da LAI e o decreto que acabava com os conselhos de participação, esse momento serviu para reforçar a crença no papel institucional da CGU que de fato vem desempenhando um bom papel na construção e implementação dos planos de ação do Executivo Federal.

4. Também tivemos um encontro com representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Departamento de Justiça do Canadá para conhecer as principais ações de combate à corrupção e integridade que o governo conduz. O momento também serviu para apresentarmos o cenário brasileiro e vale o destaque: Bruno Brandão (Transparência Internacional Brasil) tem uma das falas mais consistentes e equilibradas das que ouvi sobre o tema nos últimos meses. (É muito difícil falar sobre corrupção, Brasil e explicar o que aconteceu nesses últimos anos com a Lava Jato sem cair na polarização e Bruno consegue).

5. E no momento canadense da semana, também conversamos com James Cohen, Diretor Executivo da Transparência Internacional Canadá e ouvimos um pouco sobre os desafios da agenda anticorrupção no país, com especial atenção para a lavagem de dinheiro (snow washing canadense) dentro do tema da grande corrupção.

No Summit minha trilha de atividades foi:

Threats to Democracy

-> Open Government in the Digital Age: Restoring the Strength of Democratic States in a New Era

-> Fostering Civic Engagement through Civic Tech and GovTech: Examples from the Field

-> Using Freedom of Information, Citizen Engagement, and Digital Tools to Open Up Decision Making

-> How Ready Is Government for Artificial Intelligence?

-> Break the Roles: Putting Inclusion at the Center of Open Government

-> A Survival Toolkit: Open Government in Restrictive Political Environments

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Henrique Parra Parra Filho
Empurrando Juntas

Filho de Jundiaí, da Democracia e da Internet / At @cidademocratica, learning by doing how tec commons can improve (or save) democracy