Construir Capacidades Estatais com Comunidades de Software Livre

Instituto Cidade Democrática
Empurrando Juntas
Published in
6 min readOct 7, 2016

Nós, do Instituto Cidade Democrática, temos acompanhado e registrado com muito cuidado e atenção o cenário nacional e os impactos dos acontecimentos recentes, na política e na economia, que têm feito com que o campo da participação social/ democracia em que atuamos tenha perdido centralidade no processo de construção democrática, dando lugar ao acirramento dos ânimos, o fortalecimento da polarização e destruindo possibilidades de acordos e de união.

Nossas reflexões nos trouxeram mais consciência sobre os nossos desafios e nos tem impulsionado a questionar nossas práticas, posicionamento e projetos e iniciativas que realizamos.

Desta forma, identificamos dois princípios que, em nossa opinião, têm importância crítica para a superação do atual cenário ao fortalecer a conexão entre a sociedade e seus representantes, de forma a retomar o vínculo de representatividade (vide Teoria de Mudança). São elas:

  • Transformar institucionalidades políticas — a política de participação social e suas ferramentas — a partir de uma visão de colaboração com o Estado, por compreender que o desenvolvimento de capacidade estatais é necessário para tais transformações.
  • Desenvolver softwares a partir de comunidades de software livre nas quais membros da sociedade e do Estado contribuam e tomem decisões sobre o código, reutilizando soluções criadas anteriormente de modo a baratear o custo de desenvolvimento e agregar valor às tecnologias criadas.

No entanto, entender os riscos e potencialidades de iniciativas com essas características não é simples e, para isso, desenvolvemos a seguir uma análise dessa possibilidade que tem nos motivado a engendrar uma nova geração de iniciativas.

O problema — cenário distópico

Algumas iniciativas (empresas e ongs) dominam esse campo (civictech), trazendo risco de privatização da esfera pública e dando conta apenas de uma pequena parte do desafio de fortalecer a participação social no Brasil.

  • Atuação em silos com licenças de dados privativas (não compartilhado, não transparente, sem preocupação com privacidade do cidadão), risco de privatização da nova esfera pública.
  • Iniciativas, em geral, não criam institucionalidade nem transformam o Estado e, por isso, têm impacto reduzido em políticas e investimentos públicos.
  • Investimentos recebidos por essas iniciativas (grants e equity) não realizam potencial de fortalecimento do campo ao apoiar iniciativas que não criam mercados, com baixo potencial de geração de valor, que evitam destruição criativa, criando berreiras de entrada e não alcançam collective impact.

Mindset e posicionamento no campo da participação social

O campo da participação social é complementado pelo campo do ativismo. Este último é marcado por estratégias que visam audiência por meio do advocacy por questões pungentes no cenário político e, o primeiro, por estratégias de colaboração entre sociedade e Estado por meio da criação e fortalecimento de canais de incidência em políticas públicas. Ambas as estratégias são importantes e compõem um interessante ecossistema com objetivo compartilhado.

No momento atual a estratégia do advocacy/ ativismo, que já era predominante, ganhou ainda mais força para fazer avançar ou evitar retrocessos em agendas ligadas aos direitos humanos e combate à corrupção. Embora alguns avanços tenham sido possíveis, este modo de atuação, considerado isoladamente, tem potencial limitado no fortalecimento do tecido social e criação de novas institucionalidades para democratização e abertura do Estado. (parei aqui)

Iniciativas no campo do ativismo/ advocacy têm buscado atuar junto a grupos já existentes no sentido de registrar sucessos na implementação das agendas apoiadas. Por outro lado, experiências de maior sucesso no campo da participação social/ colaboração têm procurado atuar junto a comunidades preexistentes em torno de projetos de software livre como potencial ou já mobilizadas como capacidades estatais para a abertura, transparência e democratização do Estado. A seguir citamos algumas delas:

  • Concurso de Ideias para formulação de agenda, diagnóstico local ou identificação de iniciativas da sociedade civil; Instituto Cidade Democrática; Secretaria-Geral da Presidência da República.
  • Algoritmo e arquitetura de escolha para o Dialoga Brasil em Noosfero; Comunidade Noosferogov; Secretaria-Geral da Presidência da República.
  • Arquitetura de participação e aplicativo da Conferência Nacional de Juventude; Comunidade Noosferogov; Secretaria Nacional de Juventude.
  • Mapas Culturais; Cultura Digital (hacklab); Secretaria Municipal de Cultura de SP, Ministério da Cultura e Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.
  • Login Cidadão; Aliança Login Cidadão; Governo do Rio Grande do Sul e Ministério da Cultura.
  • Timtec Mooc; Cultura Digial (hacklab); Instituto Tim e E-Pronatec.

Temos investigado iniciativas desta natureza tendo em vista nossa possível contribuição futura.

Caminho possível

Ainda que a discussão sobre a incorporação de TICs pelas instituições públicas tenha amadurecido bastante, ainda existe um desafio por parte do Estado na formulação e implementação dessas ações. O acúmulo da burocracia estatal em relação a novas metodologias de participação social mediada por TICs tende a ser baixo, chegando no dilema de, muitas vezes, saber o que tem que ser feito mas ter poucos instrumentos para implementar. Construir capacidade estatal — com vistas à incorporação de TICs nas políticas de participação social do Estado Brasileiro (conferências, conselhos e orçamento) é considerada por nós como uma das mais importantes estratégias do momento atual porquê:

  • A adoção de tecnologias disruptivas pelo Estado é importante pela inovação política e de processo que torna mais eficiente, democrático e participativo.
  • Os processos de participação social a disposição da sociedade brasileira — alheios às potencialidades das TICs — embora considerem um conjunto amplo de dispositivos e canais, têm sido pouco capazes de promover a inclusão de toda a sociedade e também de promover accountability.
  • A capacidade do Estado de realizar processos de participação social por meios digitais depende de processos de gestão de tecnologia adotados por ele.
  • A tendência internacional tem sido de construir arranjos tecnológicos entre os setores público, privado e a sociedade civil para dar corpo a plataformas de participação social. Nestes arranjos, o Estado atua como plataforma através de uma arquitetura de informação (dados e códigos) que permite a criação de serviços desenvolvidos por terceiros, favorecendo o envolvimento do setor privado sem gerar estatismo, aprisionamento em um fornecedor ou risco de privatização da esfera pública.

Riscos principais e estratégias de mitigação

Uma iniciativa como esta, de colaboração, focada na relação Estado-sociedade e cujo objetivo central seja conferir efetividade para a política de participação social, aprimorando institucionalidades políticas existentes ou criando novas que fortaleçam os vínculos de representação, fortalecendo o tecido tsocial e promovendo a abertura do Estado, depara-se com dois principais riscos:

  • Dificuldade de balancear o cumprimento do escopo desejado com a quantidade de recursos disponíveis (mínimo produto viável x tempo de desenvolvimento). Por esse motivo é muito grande a quantidade de projetos que acabam tendo que limitar o alcance ou quantidade de funcionalidades próximo do final das primeiras etapas de desenvolvimento.
  • Incertezas na adoção de novas tecnologias pelo Executivo Federal devido à dificuldade de construir arranjos inovadores de gestão de TI, aliado às incertezas em relação ao sucesso na utilização pelo público alvo, pois há uma barreira enorme na adesão de usuários a uma tecnologia nova antes que ela gere massa crítica que motive e justifique o investimento de tempo pelos novos usuários (efeito rede).

Para responder aos riscos mencionados, escolhemos:

  • A incorporação de métodos ágeis de desenvolvimento.
  • Referências inovadoras em tecnologia de diálogo entre Estado e sociedade civil (arquiteturas de escolha, algoritmos de priorização e regra da vitória) que aproxime pessoas com conhecimento na elaboração de políticas de direitos civis no ciberespaço.

A aproximação dessas pessoas permitiria a construção de tecnologias de participação social de forma eficiente e inovadora e a elaboração de políticas de direitos civis no ciberespaço.

Essa estratégia privilegiaria a utilização de tecnologias de participação social que já possuam componentes desenvolvidos por comunidades de software livre, preferencialmente que já tenham sido utilizados e que possam ser incorporados a plataformas com um nível mínimo de adesão, incluindo servidores públicos concursados nos seus processos de desenvolvimento.

Em outras palavras, investir em comunidades ativas que possam reaproveitar códigos já desenvolvidos e que já estejam em uso pelas instituições públicas.

Desta forma, seria possível desenvolver tecnologias que impactassem as principais políticas de participação social no Brasil — conferências, conselhos e orçamento — gerando mudanças organizacionais e políticas, cumprindo o escopo desejado com o alcance e a quantidade de funcionalidades previstos e reduzindo as barreiras para a adoção das novas tecnologias pelo poder público por incertezas em relação à utilização.

São Paulo, maio de 2016

--

--