“ É muito importante as pessoas terem coragem”

Nathalia Kerkhoven
Cidades e Esportes
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7 min readJul 19, 2018
Gustavo Freitas faz parte do time de volêi da Associação Pampacats desde novembro de 2017. Foto: Nathalia Kerkhoven

Por: Nathalia Kerkhoven

Buscando espaço para inclusão do público LGBT no esporte, a Associação PampaCats se originou de um grupo de amigos que queriam jogar futebol. Na primeira divulgação, 25 pessoas já se reuniram. No final de 2017, o time masculino de vôlei entrou nas quadras pela primeira vez. Em novembro, o estudante de publicidade e propaganda, Gustavo Freitas, 22 anos, passou a formar parte da modalidade que faz parte, junto com futebol masculino e feminino, handebol e corrida, da primeira equipe poliesportiva gay, do sul do país.

Tu sabe me contar um pouco do PampaCats? Como foi criado?

Gustavo Freitas — Eles se formaram, inicialmente no time de futebol, em um grupo de cinco amigos que gostavam de fazer esporte, mas que tinham essa dificuldade de se integrar com outras grupos, principalmente com questão de orientação sexual, porque no futebol ainda tem muito machismo, então eles tinham essa barreira, alguns até jogavam em outros times, que eram mistos, mas eles sentiam aquela rejeição. Então foi nessa ideia que eles se juntaram e criaram a Associação PampaCats e deram inicio com o time de futebol. E com o time de futebol eles já reuniram, de inicio, umas 25 pessoas. E depois disso, por meio ano, mais pessoas entraram no time, até que no final do ano passado, se iniciou com outra modalidade, que foi o vôlei. Mas foi isso, foi um grupo de amigos que se reuniu com a ideia de se reunir para formar um time poliesportivo que possa incluir todo mundo da comunidade LGBT.

Como tu conheceu o PampaCats?

Gustavo Freitas — Foi através das redes sociais. Eu lembro que no final do ano passado eu estava no Instagram e apareceu um post de um amigo, que acho que compartilhou alguma coisa. E ai eu vi e naquela mesma época eles estavam começando a fazer o time de vôlei, porque até então só tinha o time de futebol. Ai eu me inscrevi, tinha uma fila de espera, porque tinha bastante gente se inscrevendo ao mesmo tempo e eles não tinham como comportar toda aquela quantidade de gente assim, no primeiro momento. E ai eu fiquei na lista de espera e esse pessoal que estava na minha frente conseguiu entrar e eu consegui entrar no time um mês depois mais ou menos, em novembro, que foi quando eu comecei a jogar vôlei. Porque até então o PampaCats só tinha time de futebol.

E tu já jogava vôlei antes do PampaCats?

Gustavo Freitas — Jogava na escola. Na escola eu joguei praticamente todo o ensino médio assim e foi quando eu comecei a gostar mais. Mas depois disso nós até montamos alguns times pra jogar fora do horário depois que acabou a escola, mas não deu muito certo, a gente teve um cinco ou seis jogos e depois não deu mais, o pessoal não quis se reunir mais, o horário não batia e ai eu não joguei mais. Dai quando apareceu o PampaCats foi bem no momento em que eu queria voltar a jogar vôlei, então deu super certo.

E qual a importância que tu acha que o PampaCats tem, não só pra ti como jogador, mas pra sociedade, considerando que é o primeiro time aqui do Sul voltado para o público LGBT?

Gustavo Freitas — É o primeiro, mas agora já tem outro time, de futebol e vôlei que já se formou. Mas acho super importante porque ele traz a inclusão, principalmente porque assim, pessoas que na escola enfrentaram muito preconceito, ou tinham vergonha ou medo de jogar ou participar de práticas esportivas, porque geralmente é assim, eles tinham medo, não jogavam, por mais que gostassem, por se sentirem reprimidos ou não se sentirem seguros para participar com todo mundo. E ai o PampaCats é pra isso, pra incluir, acolher, pra todo mundo se conhecer, fazer amizade. Até tinham pessoas que eu já conhecia antes e acabei me afastando e quando entrei no PampaCats eu me aproximei e comecei a conversar de novo, então é bem legal porque tu faz novas amizades. E a comissão, principalmente, eles focam muito nisso, pensam muito em incluir e trazer mais gente, por mais que seja complicado, porque a comissão pro vôlei é de cinco pessoas.

E os times são só masculinos?

Gustavo Freitas — De vôlei, só masculino. De futebol eu sei que tem um time geral, pra todo mundo, mas por enquanto só futebol feminino, futebol masculino e o vôlei masculino. Fora isso tem também um time de handebol e um grupo de corrida.

E tem algum momento em que vocês se encontram? O pessoal de todos os esportes?

Gustavo Freitas — Tem pessoas que jogam em vários esportes. Então faz-se essa integração. Mas tem momentos pontuais de reuniões pra alinhar algumas coisas, pra acolher o pessoal novo, por exemplo: todo fim de semana quando entra algum grupo novo, que geralmente é de cinco ou seis pessoas, eles fazem uma reunião com todo mundo para apresentar as pessoas, pra dizer de onde é, o que ela faz e pra já incluir ela no grupo. E pontualmente tem comemorações em que todo mundo é convidado, independente do esporte que pratica.

E a importância do esporte pra ti?

Gustavo Freitas — O esporte é bem importante porque ele traz essa questão que nem o que o PampaCats já faz, de incluir, de fazer amizades com pessoas de outras faculdades e cursos, tem uma infinidade de pessoas. E tu consegue ter contato com outras pessoas ao mesmo tempo que é saúde, sabe. Porque é muito importante tu fazer atividade física e até porque, nessa atividade que a gente vive hoje, a gente fica muito tempo sentado e parado, eu mesmo passo, praticamente, 7 horas sentado e tu fica muito sedentário, eu sempre brinco que tu fica congelado e teu corpo ta parado, não ta funcionando. E o esporte faz tu te movimentar, tu fica mais disposto.

E o PampaCats, tu disse antes, que ele tem a intenção de integrar as pessoas que tinham dificuldade antes, na escola. Tu via essa dificuldade quando tu começou a jogar?

Gustavo Freitas — Não. Eu não cheguei a ter nenhum problema, porque na época da escola eu já gostava de fazer atividade física. Porque tem muita gente que não gosta e fazia porque tinha a obrigação de fazer. Mas eu sempre gostei de fazer corrida e jogar os outros esportes, só não gostava muito de futebol. Quando eu era mais novo eu até jogava, cheguei a jogar em escolhinha, mas depois não foi algo que eu gostava. Mas o vôlei, logo que o pessoal começou a montar a equipe, eu já me inclui para jogar. Então eu não nunca notei muito, não tive nenhum empecilho que me fizesse não poder jogar.

Que mensagem tu acha que deixaria pras pessoas que ainda não encontraram um local assim e que procuram um lugar de apoio?

Gustavo Freitas — Eu acho que assim, tem o PampaCats ai, que elas podem procurar o instagram e mandar mensagem pra gente e pedir pra participar, vai ser super legal. Mas acho importante tu dar o passo inicial, se tu gosta de esporte, se tu gosta de fazer aquilo, não fica pensando, como em qualquer coisa da tua vida, não fica te privando ou pensando no que as pessoas vão falar. Porque muitas coisas que a gente deixa de fazer é por uma coisa que a gente mesmo impõe, não é uma coisa, de fato, externa, é uma coisa que a gente limita na gente e aquilo te impede de fazer. E eu acho que é muito importante as pessoas terem coragem, irem atrás de fazer. Tem o PampaCats ai que é uma oportunidade que elas podem participar e vai ser muito legal porque elas vão conseguir fazer novas amizades ao mesmo tempo que vão estar praticando o esporte, que é saúde.

Memorial:

Desde muito nova, sempre gostei de ouvir as histórias que as pessoas tinham pra me contar. Conforme fui crescendo, entendi que existiam formas em que essas histórias, que eu sempre gostei de ouvir, poderiam ser contadas também. Há quem diga que algumas histórias não são boas o suficiente para isso. Eu discordo. Acho que, se soubermos ouvir, todas elas podem ensinar algo a alguém.

Ao entrar na faculdade, me deparei com diversos assuntos que as pessoas não querem debater ou ainda apresentam resistência. Já escrevi sobre os quilombos, sobre feminicídio, já falei sobre depressão e sobre o machismo no jornalismo esportivo. Falar sobre a importância de um time voltado para a comunidade LGBT foi um desafio, porque aquela é uma experiência que a gente só passa, se procura.

Durante o semestre, contatei cinco pessoas para realizar a entrevista e, no desespero de não ter recebido respostas, comentei com uma amiga sobre a dificuldade de encontrar uma fonte. Ela me falou sobre o Gustavo e me passou o contato.

Falei com o Gustavo na sexta-feira, um dia antes do prazo final do trabalho e ele me respondeu na hora. Disse que poderíamos gravar antes do treino do time. Nos encontramos e conversamos. Porque sim, a entrevista foi uma conversa. Não havia preparado um questionário. Apenas duas perguntas: Qual a história do time e como ele conheceu.

No fim da entrevista, ficamos mais um tempo conversando sobre outros milhares de assuntos. Em pouco mais de 1 hora, posso dizer que Gustavo acrescentou mais na minha vida do que pessoas com quem convivo há muitos anos. Me ensinou coisas importantes. E levantou a bandeira da coragem, como diz o título da entrevista, de forma enriquecedora.

Terminado isso, acho que conquistei um novo amigo.

Entrevista realizada antes do treino do PampaCats. Vídeo: Amanda Braz

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Nathalia Kerkhoven
Cidades e Esportes

Estudante de jornalismo, apaixonada por ouvir e contar histórias.