O amor pelo esporte como herança

Kizzy Morais
Cidades e Esportes
Published in
4 min readJun 22, 2018
Matheus Piva no centro de treinamento, Atos Guetho Jiu Jitsu bairro Rio Branco. / Foto: Arquivo Pessoal

Matheus Piva, tem 15 anos, e une dois esportes completamente diferentes: a capoeira e o Jiu Jitsu.

Por: Kizzy Morais

Tímido, o garoto fica desconfortável com a presença da câmera e logo desabafa “Assusta, né?”. Respondo que sim, mas tento acalmá-lo dizendo que com o tempo o nosso papo irá fluir. Natural do bairro Partenon em Porto Alegre, Rio Grando do Sul, o garoto nos recebe na academia de seu pai, Marcos Silva, mais conhecido como Pelé.

O jovem treina na academia Atos Guetho Jiu Jitsu e é faixa amarela. Já a capoeira é praticada no espaço Capoeira Oxóssi. O nome faz alusão a um dos mais conhecidos orixás da religião de matriz africana e é o símbolo de que ali são desenvolvidos verdadeiros guerreiros.

Ao longo da entrevista, fomos descobrindo como alguém tão jovem consegue ter maturidade para conciliar dois esportes, escola e família.

Como começou a tua história com o esporte?

Foi bem cedo, porque os meus pais sempre praticaram esportes. Meu pai participou de diversos campeonatos de Jiu Jitsu e também é capoeirista. Minha mãe frequentava as rodas de capoeira com quase 9 meses, eu tava praticamente nascendo e ela ali, dançando. E eu sempre acompanhei, desde pequeno. Ia nos treinos, ficava admirando cada movimento. Então acho que passou assim, uma herança de família mesmo.

Tu treina dois esportes bem diferentes, como tu faz pra unir os dois?

No início foi bem complicado, eu não tinha muita disciplina e isso é fundamental quando tu luta. Então no meu caso, tinha que ter o dobro de disciplina e como eles não se parecem em nada, tive que correr atrás. Mas hoje, eu concílio os dois numa boa.

Há quanto tempo tu já pratica?

A capoeira eu pratico desde os meus 5 anos e o Jiu Jitsu há um ano e meio.

E a escola, fica onde em meio a toda essa rotina?

A escola fica em primeiro lugar, minha mãe é muito severa quanto a isso. Ela não deixa eu faltar por nada. É tudo muito certinho, porque senão eu não luto. Preciso ir bem na escola para poder seguir treinando, um completa o outro. Meu pai sempre diz “Um homem sem estudos não vai muito longe”.

Na capoeira, por tu ser novo chegou a sofrer algum tipo de preconceito?

Na capoeira não! Lá a maioria começou novo, então muitos têm a minha idade, a gente treina juntos, se diverte juntos, sem preconceito. Eu sempre procuro aprender um pouco com cada pessoa que eu divido a roda, então é uma troca mesmo. Cada um mostra o que sabe.

E no Jiu Jitsu?

Aqui é diferente. O pessoal não aceita muito quando é guri novo e eu me destaquei muito rápido quando fui para Bahia competir. Muitos acham que eu tô na categoria errada, só porque sou alto. Mas a minha categoria é a juvenil mesmo, não tem motivos para estar em outra.

Tu é negro, vem de uma comunidade em que o tráfico está presente, como em muitos outros. Já sentiu que te trataram de forma diferente por isso?

Já! É ruim, o meu pai sempre diz que preciso me impor. Às vezes é complicado, a gente escuta muita coisa por ser preto.

Ambos os esportes são lutas que estão presentes em muitos lutadores de MMA. Tu pensa em competir no futuro?

Penso, sim! Imagina que massa iria ser, mas eu ainda sou novato e tenho muito o que aprender. O meu mestre de capoeira me orienta muito em relação a isso, até estávamos conversando sobre as possibilidades, digo possibilidades porque né (risos)… a gente nunca sabe ao certo. No Jiu Jitsu eu já sou faixa amarela, me torno faixa azul assim que eu fizer 16 anos, depois disso fico um tempo com ela. E na capoeira eu sou bem bom pra minha idade. Então é algo que acredito que eu possa alcançar mais além.

O que o esporte significa para ti?

O esporte é tudo pra mim. É a minha vida, sabe? Eu durmo e acordo pensando em como vai ser o meu e só quero que seja cheio de esporte. Ele me ajuda a ocupar a cabeça, me manter firme no que eu quero.

Matheus brinca e mostra alguns de seus golpes favoritos dentro da capoeira. / Vídeo: Arquivo pessoal

Memorial

Confesso que o Matheus não foi a minha primeira opção. Depois de alguns desencontros nos horários e o surgimento de uma viagem, minha fonte inicial cancelou. E a saga reiniciou. Não queria simplesmente conversar com o primeiro esportista que aparecesse, queria que ele tivesse um diferencial. Porque de alguma forma, queria mostrar uma história encorajadora.

Então por indicação acabei encontrando o Matheus. Ele logo aceitou conversar comigo e já marcamos para o final da semana, tudo muito rápido. Procurei entender um pouco sobre o Jiu Jitsu e a capoeira, pesquisei a história, grandes lutadores, e óbvio seu perfil no Facebook.

Na rede social o amor pelo esporte está estampado em cada sessão, a foto de capa — usada na matéria, mostra com um sorriso largo, pensei “Ele é simpático, vai dar certo!”.

E de fato, Matheus é alegre. Entretanto a câmera o intimidou. Nervoso, tivemos que parar a entrevista diversas vezes. Ele precisava respirar, ou simplesmente rir de alguma coisa, o que me fazia rir automaticamente junto.

No fim, foi melhor do que eu esperava. Matheus se soltou, contou sua história de vida e sua relação com o esporte. Obrigada, Matheus!

Entrevista realizada na academia Centro de Treinamento, onde o pai de Matheus é o dono. / Vídeo: Brunna Oliveira

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