Recordista paralímpico de Porto Alegre prepara-se para Tóquio 2020

Larissa Pessi
Cidades e Esportes
Published in
6 min readJun 23, 2018
Aser Ramos, 27 anos, já conquistou 114 medalhas no atletismo. Crédito: Larissa Pessi.

Que o esporte é capaz de mudar vidas todo mundo sabe. Mas ainda pouco se fala sobre a mudança que ele pode proporcionar a pessoas com deficiências. Aser Ramos, 27 anos, é exemplo da importância do esporte.

Paralítico cerebral, Aser compete na categoria T38, participando das provas de velocidade (100m e 200m rasos) e salto em distância (long jump). Já no seu ano de estreia no atletismo profissional, em 2014, conquistou o vice campeonato brasileiro na prova de salto em distância, alcançando a marca de 4m68cm. Com isso, tornou-se elegível para receber o Bolsa Atleta do Ministério do Esporte.

Atualmente, é de Aser o recorde nacional e das Américas na prova de salto em distância, com a marca de 6m. Após 114 medalhas, o paratleta ainda tem muitos sonhos a serem realizados. Seu próximo objetivo, além de alcançar o recorde mundial, é estar entre os 4,4 mil atletas que devem participar da Paralimpíada de Tóquio em 2020.

O que te enquadra como paratleta?

Primeiramente, a pessoa tem que ter a deficiência, um tipo de diagnóstico específico que enquadra onde ela vai se encontrar no paradesporto. (Eu me enquadro) na categoria T38. T é de track (pista) e 38 é paralisado cerebral, a categoria mais alta, ou seja, mais leve na questão de, digamos, empecilhos, ou menos mobilidade.

E qual a diferença na prática do esporte entre alguém que tem a paralisia e alguém que não tem?

Por exemplo, eu tenho dificuldade motora pra fazer algumas coisas, eu tenho (dificuldades) psicomotoras do lado esquerdo. A paralisia cerebral atingiu o lado direito do cérebro, daí o lado esquerdo é afetado, não tem tanta mobilidade quanto o direito, e isso me diferencia de uma pessoa dita “normal”.

Qual foi o teu primeiro contato com o atletismo?

Foi com 14 anos, que eu tava numa outra associação. Tinha um campeonato estadual e até brasileiro, só que era muito difícil da gente ir. Quando nós éramos pequenos, não tinha tanto preparo e não era profissional. A partir dos 14 anos que eu comecei a gostar e me interessar pelo atletismo, pela corrida de prova de curta distância.

O que o atletismo trouxe para a tua vida naquele momento que causou esse interesse?

O esporte, pra mim, me ajudou a crescer, como pessoa também. Por exemplo, eu comecei a andar com cinco anos de idade por causa do esporte, senão eu estaria numa cadeira de rodas ou talvez numa cama, só que com a ajuda do esporte, me engajei, comecei a desenvolver o sistema nervoso, motor, comecei a equilibrar meus passos e tudo mais.

E tu só voltou para o atletismo, para ser profissional, em 2013, certo?

Em 2013. Em 2012, eu tinha me retirado do atletismo e tinha começado a trabalhar numa associação que era dirigida pela minha diretora esportiva agora. Como na academia eu fazia o treino com ela, ela me chamou pra fazer atletismo no clube que eu estou agora, a RS Paradesporto.

Hoje, o que o atletismo representa na tua vida?

Digamos que 90% de tudo o que eu construí é por causa do atletismo. Hoje eu tenho uma casa no meu nome, justamente por causa do atletismo. Meu trabalho também ajudou, mas o atletismo foi o grande “mentor” pra eu conseguir o que eu tenho hoje.

Aser conquistou a medalha de ouro no salto em distância na 1ª Etapa Nacional do Circuito Paralímpico das Loterias Caixa, no começo do mês de junho. Crédito: Roberto Furtado.

Qual tu considera ter sido a tua maior conquista até hoje dentro do esporte?

A maior conquista é participar de competições internacionais, e provavelmente eu vá para as Paralimpíadas, que é um dos sonhos de um atleta. Provavelmente eu vá, quase certo, devido aos índices e aos treinos que eu venho fazendo e tudo mais. Tenho um painel de medalhas lá em casa, já conquistei troféu de melhor atleta em competições. Isso tudo vem fruto do atletismo, do treinamento com os profissionais que tão ao meu redor me proporcionando isso, como o Nicholas (Tassotti), que é o treinador (de funcional) da Funcorp.

Tu conseguiste participar da Paralimpíada em 2016?

Não consegui, porque eu não tinha a participação em uma competição internacional, que até então eu não sabia (desse pré-requisito). (…) Se eu soubesse, eu poderia ter participado das Paralimpíadas de 2016. Seria o máximo.

Qual o papel da família na tua trajetória?

Ah, a minha família digamos que é 200%, 300% da motivação que eu tenho. Minha mãe, principalmente, é uma guerreira, que tava sempre do meu lado pra me ajudar. Então, eu devo basicamente tudo a ela. Sem ela eu não estaria aqui.

Durante a tua carreira tu fostes beneficiado por algum programa de incentivo ao esporte?

Somente o Bolsa Atleta, que conforme eu fiquei entre os três primeiros do Brasil nas competições que eu fui, me proporcionou o Bolsa Atleta. É uma renda de R$925 por mês do Governo Federal.

Em 2015 tu foste um dos atletas paralímpicos beneficiados pelo programa de incentivo Nós Somos Porto Alegre, da prefeitura municipal. Esse incentivo se efetivou?

O da prefeitura teve um ano que nós tivemos um valor estimado pra 10 a 12 meses, mas foi pouco visto e pouco engajado na sociedade, daí logo no ano seguinte cortaram.

E sobre tua educação: como a escola te recebeu, enquanto pessoa com paralisia cerebral?

Desde o início, da primeira série, na creche também, sempre tive problema com bullying, de eu não ter a coordenação que os outros tinham. Quando eu era pequeno, eu era muito mais prejudicado nisso. Mas depois fui conquistando o pessoal do colégio e tudo mais, até fui bem quisto depois. Aí eu troquei de colégio, fui pro Candido Portinari, que é uma escola (de ensino fundamental) inclusiva, dá pra ter tanto aluno com deficiência ou sem deficiência. No ensino médio já foi super de boa, já não tive problema nenhum, me formei e tudo mais.

Mas dentro da escola tinha algum tipo de estrutura e equipe específicas para pessoas com deficiências?

Não, nunca teve. Somente no Candido Portinari, que foi uma escola que eu, sendo pessoa com deficiência — a visão que eu tinha de inclusão foi lá que eu ganhei, lá que eu soube o que era inclusão. Depois fui vendo também com o atletismo, com o RS Paradesporto. Daí que mudou meu mundo sobre forma de inclusão.

MEMORIAL DESCRITIVO

Entrevistei Aser Ramos na Funcorp, onde o paratleta faz seu treinamento funcional. Crédito: Reprodução.

Sempre que reflito sobre possíveis pautas e pessoas que eu poderia entrevistar, tento encontrar um assunto ou realidade sobre o que eu não tenha muito conhecimento, mas tenha interesse em conhecer. Não foi diferente para esta entrevista pingue-pongue. Como já escrevi uma reportagem sobre um projeto esportivo para jovens em vulnerabilidade social — e também por ser uma pauta comum — , pensei em conversar com um paratleta e mostrar sua história, suas conquistas e seus desafios. Pesquisando em sites de notícias e de associações envolvidas com esportes, encontrei Aser Ramos.

Entrei em contato com Aser via Facebook e marcamos de conversarmos na academia onde faz seu treinamento funcional. Lá, sentamos descalços no piso acolchoado, criando um clima mais relaxado para a conversa. Mesmo ciente de que a entrevista estava sendo filmada — o que normalmente me deixa nervosa — , Aser contribuiu para que eu ficasse mais tranquila através da sua receptividade. Ele se mostrou disposto a responder todas as minhas perguntas, de forma sincera.

Com a entrevista, pude aprender um pouco sobre uma realidade distante da minha, como pessoa sem deficiências e sem contato com esportes, contribuindo, assim, para meu crescimento tanto profissional quanto pessoal. Também pude mostrar um pouco sobre o que é ser paratleta profissional em Porto Alegre e no Brasil.

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