Adriana Michelon
11 min readJun 12, 2018

Torça que nem mulher

Presidenta da Força Feminina Colorada, Malu Barbará, conta sua trajetória como torcedora do Internacional.

Malu Barbará tem 57 anos e é presidenta da Força Feminina Colorada- Crédito: Adriana Silveira

Por Adriana Jussara Costa Silveira

Maria Lúcia Barbará tem 57 anos, é presidente da Força Feminina Colorada e desde o início da entrevista avisou que prefere ser chamada de Malu Barbará e de presidenta. Formada em Letras e mestra em Teoria da Literatura, ela é professora de Português e Literatura na Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente da Fontoura em Porto Alegre. Natural de Uruguaiana, Malu é de uma família colorada, time ao qual torce desde criança. Começou a frequentar mais ativamente o Beira-Rio na década de 90, quando veio morar em Porto Alegre. Ela, como outras torcedoras, gostava de ir prestigiar seu time em campo, mas sentia falta de ter companhia para ir ao estádio. Assim surgiu a primeira torcida exclusivamente feminina do Rio Grande do Sul. A Força Feminina Colorada teve início em 2009 e hoje é composta por cerca de 120 mulheres.O grupo vai além das arquibancadas em sua atuação, elas realizam projetos sociais em apoio a mulheres vítimas de violência e com crianças do ensino público. Nessa entrevista, Malu Barbará conta a sua história, desafios e alegrias de ser torcedora, como ela mesmo diz: “fazer a festa”.

Qual é tua história com o Internacional?

Começou na barriga da minha mãe. Eu sou filha de pais colorados, meus tios também são colorados e eu fui criada desde pequena com aquele amor ao Inter. Nós morávamos em Uruguaiana, minha família é de lá, e ficava difícil de vir ao estádio. Mas quando que me mudei para Porto Alegre, uma das minha primeiras providências foi vir aos jogos do Inter. Foi naquela década triste de 90 que eu comecei a vir ao estádio e torcer mais de perto pelo Inter. Sempre que eu vinha a Porto Alegre com os meus pais, nós íamos aos jogos mas eu comecei a frequentar quando vim para cá.

O que significa ser torcedora para ti?

Para mim ser torcedora é, acima de tudo, ter amor ao time. Fazer do espetáculo, um espetáculo mais bonito. Apoiar o time, não acho legal vaiar durante o jogo, se o torcedor quer vaiar que vaie no final do jogo. É amor pelo clube e fazer a festa também, porque isso é muito importante. A festa contagia quem está jogando, quem está vestindo a camiseta.

Além da Força Feminina Colorada, você já participou de outra torcida?

Não, nunca participei de outra torcida. Sempre achei muito bonita a festa das torcidas. Nunca gostei de assistir jogo sentada, não gosto, até hoje eu tenho horror a isso. Acho que estádio de futebol é sinônimo de estar de pé. Às vezes, não consigo entender como que jovens assistem ao jogo sentados e só levantam quando tem algum lance mais importante. Acho estranho isso, essa coisa do futebol moderno das pessoas todas sentadinhas parecendo que estão num teatro.

Como surgiu a ideia de criar uma torcida feminina?

A ideia surgiu de um grupo de mulheres no extinto Orkut. Essas mulheres tinham um queixa em comum, mesmo todas elas gostando de vir ao estádio, torcer pelo Inter e gostando da festa não tinham com quem vir ao estádio. Então surgiu a ideia de fazer companhia umas às outras fundando uma torcida só de mulheres. Foi assim que surgiu a Força Feminina Colorada.

No início, a torcida sofreu com o machismo?

Nós ainda sofremos. Era muito pior, mas ainda sofremos bastante machismo. Tanto que coisas que algumas pessoas nos dizem que não falam para outras torcidas. Simplesmente pelo fato de que nós somos mulheres e as outras torcidas são compostas basicamente de homens. Elas até tem seus comando femininos, mas os comando são sempre muito menores do que as torcidas. Tanto comando não é uma torcida, e sim uma parte dela.

Qual é a importância de uma torcida feminina?

No início, eu achava que o que era importante era fazermos companhia umas às outras.

Nós todas fizemos um longa caminhada tanto que agora em 24 de maio vamos fazer 9 anos. E nesse tempo nós começamos a sofrer muita discriminação pelo fato de sermos mulheres, e isso começou a gerar uma revolta e nós começamos a falar sobre o assunto. E hoje, mais do que fazermos companhia nós debatemos muito sobre as questões das mulheres, do racismo e fazemos muitos projetos sociais.

Você acha que as mulheres deixam de ir aos jogos por não se sentirem acolhidas?

Acho que aqui no Beira-Rio não. Até pelo número de sócias que tem, a gente vê um grande número de mulheres no estádio.

Como é a relação da Força Feminina Colorada com as outras torcidas?

Nós temos um relacionamento perfeito, excelente com as outras torcidas organizadas. Nós somos muito mais respeitadas pelo torcedor organizado do que pelo torcedor comum. O guris das outras torcidas, têm orgulho de dizer que aqui no Inter tem um torcida feminina. Eles não nos discriminam e somos tratados de igual para igual. Quebramos alguns galhos deles e eles quebram nossos galhos, no sentido daquela função de emprestar cordas para colocar faixas. É um relacionamento de igual para igual não existe diferenciação.

No início, como foi a recepção dos torcedores para a Força Feminina Colorada?

Os torcedores organizados sempre nos trataram bem, sempre tivemos um bom relacionamento com as outras torcidas. O torcedor comum nos olhava meio de lado, diziam que a torcida ia terminar, não ia dar certo, meia dúzia de mulheres torcendo porque realmente éramos poucas no início.

Nós delimitamos o nosso lugar no estádio, hoje já respeitam mas ainda tem homens, principalmente, que rasgam a fita que é de plástico, e entram nosso espaço e ainda dizem “quero ver me tirar”. E nós brincamos desafiando eles a irem em nas outras torcidas dizer isso, porque eles só tem culhão quando se trata de mulher. Então o nosso problema maior é o torcedor comum, já ouvimos eles dizerem “vocês começaram a torcer ontem”, “isso é fogo de palha”, “torcida não é coisa de mulher”. Mas estamos aí firmes e fortes indo para os nossos 10 anos de torcida.

Como a torcida é tratada agora?

Eu noto mais a diferença pelo torcedor comum que alguns nos tratavam e tratam com desconfiança mas também tem aqueles que dizem “que legal a força feminina”, falam que gostam de ir para o estádio e ficar perto da força feminina porque não dá briga, é bom de ficar. E eles participam da festa também, isso é muito importante.

O público feminino aumentou depois da Força Feminina Colorada?

Acho que sim, e tem muitas gurias que nos procuram ainda com essa questão de não ter com quem vir ao estádio. Mesmo que para nós isso já deixou de ser prioridade, ainda somos procuradas por causa disso.O motivo delas é que o namorado, marido ou família é gremista e ela não tem com quem vir ao estádio.

Tu achas que as mulheres são respeitadas no estádio?

Eu acho que as mulheres deveriam ser mais respeitadas e a acho nossa opinião deveria ser mais respeitada. Por exemplo, se eu falar de um jogador para um amigo homem e eu der a minha opinião ele certamente não levará em consideração. Mas se eu outro amigo em comum que seja homem der a mesma opinião, ele rebate concorda ou discorda. Mas as nossas opiniões não são levadas em consideração. Isso sem falar dos inúmeros casos de machismo e de assédio.A pouco tempo uma moça foi assediada em um jogo na Arena. O cara é do interior do estado e a punição foi que não vai poderá vir a 12 jogos, o que é isso?

Ele nem vem a 12 jogos, é do interior do estado.

Acho que as pessoas tem raciocinar. Parece que deram 12 jogos de punição para calar a boca de todo mundo. Ou então vem com uns projetos como “deixa ela torcer” ou “deixa ela trabalhar”, quem são os outros para nos deixar fazer alguma coisa?

Eu acho que a mulher tem que ser mais firme também. Não é “deixa ela torcer”, ela quer torcer e ela vai torcer e ponto, gostando ou não.

Nós lançamos uma hashtag no mês da mulher chamada “torce que nem mulher” e não pegou (risos). Existe “luta que nem mulher” e outras mas nenhuma desse tipo e pegou também. Agora “deixa ela torcer” pegou e “deixa ela trabalhar” também pegou, parece que tu tá pedindo para alguém licença.

Na sua opinião, qual é o nível de envolvimento da mulher torcedora no futebol hoje?

Eu acredito que o envolvimento da mulher torcedora é exatamente no mesmo nível que o homem torcedor. A mulher é tão apaixonada pelo seu time quanto o homem. Não existe diferença, ou melhor a única diferença é de gênero. Não existe isso de por ser homem entende mais ou por ser mulher sofre mais. Acho que se equivalem, o sentimento é o mesmo. Como disse antes, nossa opinião não é tão respeitada quanto a mesma opinião vinda de um homem, mas acredito que o envolvimento seja o mesmo. Por exemplo, agora nós estamos nos organizando para ir para o Grenal na Arena, a Força Feminina sempre vai com um bom número de mulheres sempre e isso desde a nossa fundação. Se faltasse envolvimento nós não iríamos, nós viajamos para ver os jogos. Então o nosso envolvimento é o mesmo dos guris.

Como foi que surgiu a idéia da banda “Tocando para o Futuro”?

Desde a fundação nós tínhamos vontade de ter um banda, eu dizia para as gurias que não era a hora certa. Nós tínhamos que primeiro ficarmos fortes, até porque envolve um gasto muito grande. Porque se tu vai fazer uma banda tu não vai fazer uma banda qualquer, tem que ser boa. Então tu tem que ter um professor, nós temos de um a dois ensaios por semana, tem que pagar aquele professor, tem que comprar os instrumentos, tem que pagar músicos para tocar, nós temos acho que 5 músicos profissionais para tocar conosco. Tudo isso é pago e muito dispendioso.

Então, quando nos sentimos fortes resolvemos fazer uma banda com as integrantes. E para isso nós fomos fazer uma ação social no INAMEX, que é instituto de amparo a crianças excepcionais, e eu comentei com o professor da banda que achava legal se a gente pudesse fazer um projeto e ele concordou. Ele havia participado de um projeto de banda do Colégio Ildo Meneghetti, na Restinga. Então ele abraçou a essa causa e assim começou o projeto.

Qual é o critério, quantas crianças participam e como funciona?

Hoje nós temos 23 jovens de 12 a 19 anos, todos eles de periferia ou comunidades que estudam em escola pública e um com bolsa de 100% numa escola particular que tem família de baixa renda também. O projeto funciona o ano inteiro, nenhum dos integrantes é de uma classe média ou média alta. São jovens e adolescentes que precisam de uma força, um empurrão, já que não tem oportunidades. Como a gente sabe o Brasil não é um país que dá oportunidades iguais para os seus jovens.

Então essa gurizada começa com instrumento de percussão, depois de um tempo começa a tocar sopro e tem aulas de teoria musical. Uma das nossas meninas, a Elis Regina, já está tocando sopro no estádio conosco.

E agora estamos pretendendo visitar umas escolas por perto do Beira-Rio, para trazer mais gente. Porque que por serem jovens eles não conseguem tocar o jogo inteiro, eles precisam descansar, estamos com vontade de trazer uns 40 mais ou menos para eles ficarem revezando e nunca pararem de tocar.

Como funciona o auxílio a mulheres vítimas de violência?

Nós trabalhamos bastante com as gurias, já fazem mais ou menos dois anos que as nossas ações sociais tem sido para elas. Porque nós nos identificamos muito com a causa, até porque são mulheres que de repente se veem sem alternativa, são obrigadas a sair de casa com os filhos pela mão só levando a roupa do corpo. Então nós arrecadamos dia da criança, Páscoa e Natal, doces e brinquedos e fazemos uma festa para aquelas crianças. Na última festa teve o Saci, a banda se apresentou e nós distribuímos muitos doces e brinquedos. Todas as crianças saíram com pelo menos um ou dois brinquedos dali. Foi no Gigantinho, estava muito legal.

Vocês tem algumas parceria para a realização desse projeto?

Não. O Inter nos ajudou nessa última ação social com o Saci, ele nos cedeu o Saci.

Quais são os planos para o futuro?

Os planos para o futuro são a festa de 10 anos da torcida, o lançamento de um livro, que vai ser um livro das memórias desses 10 anos. E o nosso plano principal é continuar fazendo festa, nos divertindo, trazendo mais mulheres para que todas elas venham conosco tratar a representatividade, o empoderamento, da paz e da festa no futebol.

Tem alguma história que seja impactante para ti como torcedora do Internacional?

A gente sempre pensa nas melhores histórias são as de vitórias. Nós já tivemos inúmeras aqui em casa no Beira-Rio e isso fez muito bem. Mas hoje, eu esta pensando nessa nossa fase que está difícil. Eu fui junto com a FFC para o Rio de Janeiro no jogo contra o Fluminense e foi nesse que nós caímos. E foi muito triste, mas eu acho que a gente tem que pensar que uma fase ruim também é reflexo de uma gestão ruim. E se nós não tivessemos caído será que teríamos aberto os olhos para tudo de ruim que tá acontecendo?

Assim como a vida da gente, a vida de um clube nã o é só de vitórias. Agora é a nossa fase ruim, os gremistas não passaram 15 anos em uma fase ruim?

Então, eu acho que a gente tem que tirar lições disso. Claro que é sofrido, eu adorava ver libertadores em casa, viajar para uma libertadores, nós já viajamos para o exterior com a FFC. Mas agora não é essa a nossa realidade e eu não posso eleger a melhor história, porque são muitas histórias que fazem a nossa história, a nossa trajetória. Eu seria diferente do que eu sou se não tivesse passado por um rebaixamento. Tudo que acontece na tua vida vai fazendo tu te modificar.

Memorial

Quando a atividade foi proposta eu fiquei um pouco assustada por não entender muito de esporte, por isso resolvi fazer um vínculo do esportista com um assunto que eu me identificasse. Cogitei muitas pessoas, queria que de alguma forma o meu trabalho pudesse encorajar o leitor a pensar que coisas não precisam ser como elas sempre foram. Procurei pela internet e encontrei a Malu Barbará que é presidenta da Força Feminina Colorada e achei que seria relevante mostrar que mulheres também gostam de futebol e de torcer pelo seu time.

Para falar com ela foi bem fácil, encontrei o seu perfil no Facebook e marquei entrevista com ela. Ela foi muito solícita e simples assim como as pessoas que trabalham no estádio. Inclusive se dispôs prestar entrevista um dia depois do nascimento de seu neto. No Internacional, tive que entrar em contato com o setor de Comunicação Social para poder entrevistar ela dentro do estádio e foi bem fácil de conseguir a autorização.

Foi a primeira vez que eu entrei em um estádio de futebol. Como sempre acompanhei jogos de futebol pela televisão, o estádio é bem diferente do que eu imaginava. Fiquei encantada com o tamanho e a proximidade que o torcedor fica, e mesmo sendo gremista senti um pouco da emoção de como deve ser torcedora naquele momento.

A entrevista foi melhor do que eu esperava, ela é uma pessoa bem comunicativa e eloquente e mesmo que eu, por falta de experiência fizesse uma pergunta redundante, ela respondia com aspectos diferentes que agregaram bastante para o texto.

A lição que eu tiro disso é que eu devo me preparar mais para entrevistar pessoas no sentido de que fiz perguntas redundantes para ela.