Um construtor de sonhos

Matheus Müller
Cidades e Esportes
Published in
5 min readJun 23, 2018
Jaime (esquerda) concentrado falando sobre como usa da experiencia pra driblar a falta de investimento nos clubes./ Foto: Fernanda Sombrio

Jaime Alves, experiente coordenador técnico do futebol gaúcho, conta um pouco sobre como é lidar com clubes de menor expressão do RS, e como isso afeta aos jogadores.

Por Matheus Müller

O cargo é de coordenar de futebol, mas a atividade mais praticada por Jaime é ser considerado “o paizão” dos jogadores. Jaime Alves, coordenador técnico de times como Cruzeiro-RS, Sapucaiense e outros mostra como o caminho até jogar em um time profissional é difícil, e que desde a base o jovem jogador precisa estar preparado pra lidar com seu sonho. Acostumado a lidar com as categorias de base atualmente coordena um pequeno clube na Restinga em Porto Alegre, junto com outros profissionais.

Foi através do Souza (Aparecido Donizetti — treinador de goleiros do Internacional de Porto Alegre), apelido carinhoso pelo qual ele se dirigia, que chegou o convite para coordenar o sonho dos jovens da Restinga, Jaime que vive disso a mais de 50 anos aceitou o desafio e já colocou a gurizada pra correr.

Na conversa, ele conta um pouco sobre o projeto e como a carreira em clubes de menores expressão puderam levá-lo ao projeto do bairro.

Quais foram os clubes pelos quais tu trabalhou e como eram a rotina deles?

Trabalhei pelo Sapucaiense, Cerâmica, Cruzeirinho e é muito dificultoso pela estrutura que se tem, não é uma estrutura como a de Grêmio e Inter por exemplo, mas a gente procura adequar o trabalho dentro das possibilidades que a gente tem dentro de cada clube. Não é fácil, mas é gratificante por que a gente também começa a desenvolver maneiras novas de obter resultados por ter que ir adaptando o trabalho.

Então o jeito é improvisar sempre?

É, e isso a gente vai pegando no grupo de trabalho, cada profissional tem um pouco de experiencia então a gente vai adaptando dentro de uma situação de trabalho. Um exemplo é em termo de academia quando se trabalha com categorias maior (15 e 16 anos) que não se tem tantos pesos ou maquinas, então tu vai adaptando o peso, troca a academia por trabalho de força, ou usa pesos feitos com areia, vai adaptando.

Alguns times usam muito a base como projetos pra tirar crianças e jovens do tráfico, é verdade?

A gente também tem esse tipo de trabalho, em escola e bairros menores. É uma maneira de tu chamar os garotos pro esporte pra não ir pra uma vida de tráfico ou drogas, que se tu pega um menino de 14,15 anos que é o período mais perigoso, ele vai estudar de manhã e vai treinar de tarde — ai tu da uma carga de trabalho boa pra ele, ele vai chegar cansado em casa e vai ter que levantar cedo no outro dia, então tu toma o tempo dele com no meu caso com o futebol. Pra que ele não fique ocioso e indo pra outros caminhos.

E como é lidar com essas categorias, jovens e crianças, muitos sonhando ser jogadores profissionais?

Essa é uma das dificuldades, tu tá trabalhando com um sonho deles, então tu não pode vender uma imagem falsa, mas também não pode tirar o sonho deles. Todos eles querem ser um Neymar, Messi ou Cristiano Ronaldo, mas dificilmente vão ser então tu tem que mostrar pra eles que chegar nesse estágio é muito complicado além de correr o risco de perder jogador.

Perder o jogador?

Eles deixam de viver a vida social pra viver uma vida de jogador. Tem meninos com 13,14 anos que saem de casa ficam longe do pai e da mãe vai morar num alojamento, não saem então tem uns que não suportam e acabam abandonando.

E isso não é muita pressão ?

As vezes é, o jogador de futebol, depende da programação e da vida do clube. Tu tem que te adaptar ao clube, então é muito difícil e por isso que muitos garotos com 15, 16 anos, que é o período que mais abandonam o futebol, justamente por falta de tempo pra vida social.

Interessante ver por esse ponto, que tu pensa que vida de jogador é, apesar de um treino exaustivo, é um tanto mais fácil…

Não é, muitas vezes o jogador tem até filho pequeno e tem que deixar de conviver porque tem viagem , como agora a seleção vai ficar 30 dias fora, imagina um time de interior, que joga uma série C, série D do brasileiro é uma vida bem sacrificante.

E isso acaba sendo pra ti como parte da equipe também?

Eu cansei de estar assim fora de casa 15 dias, 20 dias, que se eles (jogadores) vão, alguém tem que ir junto, e normalmente eu viajo, agora até dei uma acalmada. Mas quando eu voltei pra trabalhar em Porto Alegre de Uruguaiana, eu fiquei 3 meses sem vir em casa.

E hoje tu tá lindando com um projeto na Restinga, é isso?

Isso, estamos combinando um projeto que tá saindo lá na Restinga.

É um projeto de pequeno clube?

É um projeto comunitário. Um dos responsáveis pelo projeto é o treinador de goleiros Souza, do Inter. Trabalhamos juntos no Cruzeirinho. Ele me convidou pra ir pra lá junto fazer parte porque justamente eles não tem ninguém na área que eu trabalho. O pessoal da comunidade não tem um profissional da coordenação e supervisão e dai me convidaram então estamos conversando pra ver dessa situação.

E como está se saindo o projeto até então?

A gente iniciou o trabalho com 18 atletas, 2 meninas. Com o passar do tempo queremos fazer um time masculino e um feminino. A gente foi a Eldorado pra jogar e conseguimos alugar uma van, tudo com filantropia, fomos e ganhamos o primeiro jogo. Estávamos preparados pra um resultado negativo mas foi muito bem e depois ainda teve um galeto pros meninos — conta Jaime aos risos.

De certa forma, tu está de novo construindo sonhos?

A minha vida foi muito ligada a futebol, e agora se puder fazer disso útil pra sociedade e ceder um pouquinho da gente em prol desses meninos é muito gratificante.

Memorial

A minha proposta desde o início era tentar ligar os conceitos de “Cidade” e “Esporte” aprendidos na cadeira durante esse semestre. Tanto que minha primeira investida seria ir no ex-goleiro do Grêmio, Galatto. Que se aposentou do futebol e abriu sua empresa.

Porém, as agendas começaram a não bater e o prazo foi ficando cada dia mais próximo. Eis que, em uma reunião de família, me encontro com o Jaime, é que é ex-marido de uma tia então começamos a conversar sobre o seu dia a dia e percebi naquele instante que ali estava a pauta que eu procurava.

O Jaime abriu as portas de sua casa para me receber, e contar um pouco da sua experiência junto de uma “cuca de chocotone”. Ele é uma pessoa incrível, assim como o projeto do clube da Restinga. Aguardo o momento de voltar lá, conhecer mais sobre o projeto e a cuca.

--

--