A insistente vida de um mamoeiro urbano

Natália Fontes Garcia
Cidades para Pessoas
2 min readNov 8, 2016

Na esquina entre duas ruas com nome de índio, no bairro que homenageia uma antiga criação de Perdizes, na zona oeste da cidade de São Paulo, um mamoeiro insistiu em nascer. Seu tronco vinha de uma fresta aberta bem na quina do poste com a calçada. E sua copa verde e consistente não demorou a engravidar de mamões.

Era fácil de passar desavisado sem notar o mamoeiro acidental. A demora do semáforo, os olhos percorrendo as vitrines, os relógios apressando o passo. Aproveitando os olhares desatentos o mamoeiro foi ganhando solidez no tronco e altura. Como teria ele ido parar lá?

O palpite apareceu muito naturalmente numa quinta-feira, enquanto dobrávamos a esquina da Cayowaa com a Caiubi para comprar tapioca e caldo de cana com limão na feira. Ali do exato ponto onde o mamoeiro insistente nasceu podíamos avistar a barraca lotada de mamões sendo vendidos aos gritos ritimados do feirante. Nossa primeira hipótese começou a se desenhar: um caroço escorregou daquela barraca pela ladeira até encontrar o primeiro buraco no asfalto para mergulhar na terra.

Acontece que a fresta por onde passava o tronco do mamoeiro estava logo abaixo de uma estrutura metálica de ferro usada para descartar sacos de lixo. E quando percebemos isso veio a segunda hipótese: o caroço de mamão veio do lixo de alguém que mora por ali.

O mamão de onde o caroço rolou pode ter sido colhido perto da cidade e revendido pelo feirante naquela rua ou talvez tenha vindo de outro estado e tenha sido escolhido numa gôndola de supermercado. Quantos caminho tortuosos percorreu aquele caroço em busca da terra que reativou a vida do mamão?

O ponto é que, em algum momento, como era inevitável, o mamoeiro insistente foi descoberto — provavelmente pelos técnicos da fiação elétrica. Quando vimos, o tronco já estava cortado bem perto da base e só quem prestou atenção ao mamoeiro se lembrou de lamentar a interrupção da sua vida. A vida comum voltou a seguir, o sinal ficou verde e aceleramos outra vez. A barraca de tapioca e o caldo de cana, entretanto, continuaram no mesmo lugar da feira efêmera.

Até que aos pés do pedacinho de tronco remanescente, já não havia mais um mamoeiro insistente. Agora brotavam dois no lugar. E a questão passou a ser: quem será mais insistente, nosso modelo de vida na cidade ou a vida do mamoeiro?

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