O que faz um projeto de intervenção urbana ser bem sucedido numa plataforma de crowdfunding

Natália Fontes Garcia
Cidades para Pessoas
7 min readNov 25, 2015
ilustração: Juliana Russo

Crowdfunding, ou financiamento coletivo, é uma tecnologia que une pessoas para dividir custos e realizar sonhos. As regras do financiamento coletivo variam um pouco de acordo com a plataforma (falamos mais sobre as brasileiras abaixo), mas o básico é: cada projeto tem uma meta financeira, um prazo de campanha estabelecido pelo realizador e cotas de apoio que dão direito a recompensas. Se a meta for atingida no prazo estipulado, o projeto acontece. Caso contrário, os apoiadores recebem seu dinheiro de volta. Mas antes de pensar em quanto quer arrecadar ou quais serão suas recompensas, sugerimos que você se concentre em deixar claros esse seis aspectos, que não necessariamente acontecem numa ordem linear: ideia, ação, rede, valor, campanha e continuidade. Com clareza nesses ítens, acreditamos que você tem grandes chances de escrever um projeto que seja relevante, ressonante e replicável para sua cidade.

O que você sente que precisa fazer para melhorar sua cidade? Por que você precisa fazer isso? Por que sua cidade precisa que você faça isso?

Seja específico. Ideias como “melhorar o trânsito”, “trazer mais pessoas para conviverem nos espaços públicos da cidade” ou “requalificar um rio” são lindas e acreditamos que até dá para desenvolvê-las em um projeto de crowdfunding. Mas você precisa especificar um pouco melhor o que, dentro desses objetivos genéricos, você consegue fazer com suas habilidades e os eventuais parceiros que imagina chamar para trabalhar no seu time. Não queira abraçar o mundo com a sua ideia. Faça aquilo que você realmente se sente movido e pronto para fazer. Até porque, honestamente, uma campanha de financiamento coletivo dá muito trabalho. Convencer as pessoas de que sua ideia é boa e merece um investimento é algo que você só conseguirá fazer se estiver apaixonado por ela.

Um bom exercício é trabalhar em sua ideia até que ela esteja tão específica a ponto de você conseguir explicá-la em uma frase. Daí, teste essa frase com outras pessoas e veja que tipo de reação ela provoca. Faça isso até sentir que as pessoas entendem e enxergam valor na sua ideia.

Como, quando, durante quanto tempo e onde você vai materializar essa ideia?

Seja prático. Não basta ter uma ideia genial se você não tiver um bom plano para colocá-la em prática. Comece decidindo em que espaço da cidade a sua ideia será materializada. Por exemplo, se o plano é melhorar o trânsito, em que esquina ou rua você pensa em intervir para atingir esse objetivo? Se a ideia é estimular a convivência nos espaços públicos, escolha um que seja especial para você para fazer isso. Procure transformar seu projeto em uma lista de ações e compras, para mensurar sua meta. Pesquise os materiais mais indicados para o que deseja fazer, a maneira mais simples de executar e entenda o impacto que você quer provocar no espaço de sua cidade onde decidiu agir. Ouça as pessoas que frequentam esse espaço e entenda se sua ação será relevante para elas — se necessário, faça algumas adaptações. Defina a data e a duração da sua intervenção e pesquise se você precisa de autorização para realizá-la (falamos mais sobre a interface com o poder público abaixo).

Um bom exercício é desenhar um mapa que contenha os atores, o impacto e o território da sua ação. Entenda, nessa lista, o que você sabe fazer sozinho e os pontos em que precisa de parcerias.

Com quem e para quem você vai materializar sua ideia?

Conecte-se. Colocar uma ideia em prática sozinho não é fácil. Provavelmente há pessoas com as habilidades técnicas de que você precisa que adorariam trabalhar contigo no seu sonho. Encontre essas pessoas na sua rede de contatos. Você pode fazer um chamado no Facebook ou no próprio local onde pretende agir. Pesquise também as empresas, institutos, ONGs, organizações da sociedade civil e demais movimentos que dialoguem de alguma maneira com a sua causa. Aproxime-se dessas pessoas, aprenda com sua experiência e entenda o jeito mais relevante de materializar sua ideia. Nesse processo, você começará a compreender e mensurar sua rede — ela será fundamental na divulgação da sua campanha, quando ela estiver no ar. Lembre-se sempre: ser realizador de um projeto é estar a serviço da uma rede e ser servido por ela numa relação de igualdade, em que todos saem ganhando.

Quanto custa (pessoas e material) colocar seu projeto em prática? O que tem valor no processo de execução do seu projeto (e pode virar recompensa)?

Calcule e equilibre. Seja minucioso com o custo do seu projeto. Coloque tudo na conta: as compras, a execução, a divulgação, o evento de lançamento (se houver), enfim, todos os gastos calculáveis que a sua ação tiver. Não esqueça de contabilizar a produção e o envio das recompensas. Procure mensurar também o valor que seu projeto terá para as pessoas. Examine as etapas da sua ação e liste o que você acha que as pessoas veriam valor em adquirir como experiência. Pode ser uma oficina de marcenaria, um mutirão de bio-construção, um encontro de dança e música numa praça, enfim, os desdobramentos naturais do seu projeto que podem virar recompensas. Seja criativo. No Mil Orquídeas Marginais (mais abaixo), por exemplo, uma das recompensas era uma orquídea plantada na beira do rio Pinheiros em nome do apoiador. Você também pode criar recompensas à parte do projeto, como camisetas, adesivos, ímãs, alforges, etc. Pense bem se você quer esse trabalho extra, a gente não recomenda não… Se ainda assim estiver empolgado, nossa sugestão é que escolha ítens que tenham relação com seu projeto. Por exemplo, a recompensa do Ping Point (mais abaixo), que queria instalar uma pesa de pingue pongue numa praça pública, era um conjunto de raquetes para o jogo. Resumindo: equilibre o custo e o valor do seu projeto.

Uma ferramenta que pode te ajudar é a calculadora de orçamento do Catarse.

Como as pessoas que se importam com a sua ideia vão ficar sabendo do seu projeto?

Faça-se ouvir. Uma campanha pensada quando o projeto já está bem claro tende a ser mais assertiva. É importante focar numa visibilidade direcionada, para atrair a atenção de pessoas que se importam com a sua causa o bastante para apoiá-la. Pelo que já foi medido em campanhas de crowdfunding bem sucedidas no Brasil, há três círculos de interesse que você pode considerar em torno do seu projeto. O primeiro é formado pelas pessoas mais próximas afetivamente de você. O Catarse chama esse círculo de ignição e ele costuma gerar de 55% a 80% do valor arrecadado. Em seguida estão os amigos dos amigos que ficaram sabendo de você e botaram fé na sua ideia. Quem é muito fera consegue chegar no terceiro círculo, do interesse público, em que pessoas que nunca ouviram falar de você se empolgam com sua ideia e decidem te apoiar. Pense na sua estratégia focando nesses três círculos. Outro fator a considerar é que as campanhas tendem a ter uma arrancada inicial na arrecadação, passam por um período mais morno no meio e na reta final (por vezes alucinante!) a velocidade sobe outra vez. Planeje-se para se manter ativo durante todo o período da campanha e pegar o melhor desses três momentos.

Uma ferramenta que pode te ajudar é a Universidade de Financiamento Coletivo do Benfeitoria.

Como será a manutenção do seu projeto? Como ele por ser replicado em outros lugares?

Olhe para o longo prazo. Pense sobre qual é a vida útil que você deseja para o seu projeto. Planeje a manutenção necessária — e, se for o caso, adicione aos custos da sua meta. Veja em que casos o seu projeto poderia servir a outros bairros ou cidades que tenham características parecidas e já pense em como será possível replicá-lo. Olhar para o futuro pode te ajudar a fazer escolhas mais precisas no presente.

Acesse a versão completa do Manual Afetivo de Crowdfunding para Cidades

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