Cientistas que você deveria conhecer — Gregor Mendel

o cara das ervilhas, o monge cientista…o trapaceiro?

Andre Mazzetto
Ciência Descomplicada
7 min readSep 20, 2017

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Gregor Mendel (20 de julho de 1822–6 de Janeiro de 1884) era um monge austríaco que descobriu os princípios básicos da hereditariedade. Você deve ter ouvido falar dele na escola…lembra do cara das ervilhas? As ervilhas de Mendel foram a maçã de Newton na Biologia. Ele foi um grande cientista, mas há uma história estranha por trás das ervilhas…uma teoria da conspiração que continua até hoje.

A educação e a abadia de St Thomas

Johann Mendel (não era Gregor!!) nasceu em Heinzendorf bei Odrau, uma pequena aldeia do Império Austríaco, hoje República Tcheca. Os pais de Mendel eram pequenos agricultores que faziam sacrifícios financeiros para pagar sua educação. Aos 18 anos foi para a Universidade de Olomouc. Fez cursos de Física, Matemática e Filosofia. As dificuldades financeiras continuaram, até que um de seus professores lhe disse que se estivesse interessado em continuar a estudar Ciências “de grátis”, deveria entrar para abadia de St. Thomas em Brünn como um monge.

Como assim, monges estudando Ciência?

Naquela época, o mosteiro era um centro cultural para a região, e Mendel foi imediatamente exposto à pesquisa. Lá ele também obteve acesso à extensa biblioteca e instalações experimentais do mosteiro. Além disso, o abade Franz Cyril Napp estava interessado na hereditariedade em plantas e animais de fazendas. Foi assim que Mendel, que estava mais interessado na Ciência do que na religião, tornou-se um monge.

Ao juntar-se à Abadia, ele tomou o nome de Gregor.

O professor

Mendel tornou-se sacerdote em 1847 e obteve sua própria paróquia em 1848. Ele não gostava de trabalhar como pároco, então obteve um emprego como professor do ensino médio em 1849. No meio do caminho foi para a Universidade de Viena, estudar Química, Biologia e Física. Em 1854 assumiu o cargo de professor de Física em uma escola de Brünn, onde ensinou durante 16 anos.

As ervilhas

Foi só em 1856, aos 34 anos, que Mendel começou seu estudo principal e inovador sobre hereditariedade em plantas.

Na época era um fato geralmente aceito que os traços hereditários da descendência de qualquer espécie eram a mistura de quaisquer características presentes nos “pais”. Também era aceito que, ao longo das gerações, um híbrido voltaria à sua forma original. No entanto, os resultados dos estudos eram distorcidos pelo curto período de tempo em que eram conduzidos. A variação era muito grande.

Mendel começou seus estudos sobre hereditariedade usando ratos, mas o pessoal de lá não gostou muito de um de seus monges promovendo “sexo animal”. Além disso, apesar de se reproduzirem como ratos, os ratos não se reproduziam rápido o suficiente. Para estudar melhor a questão era necessária uma análise mais minuciosa e por um longo período de tempo. É aqui que entram as ervilhas.

Mendel escolheu usar ervilhas para suas experiências devido às suas variedades distintas e porque a prole pode ser produzida de forma rápida e fácil. Além disso, ervilhas tem características claramente opostas — altas ou curtas, lisas ou enrugadas, sementes verdes ou amarelas, etc. A natureza binária das ervilhas fascinava Mendel. Elas proporcionavam tudo o que um cientista quer em um experimento: controle total. A polinização não era feita pelo vento ou insetos….o que tornava Mendel o “Senhor das Ervilhas”. A pesquisa de Mendel continuou por oito anos (entre 1856 e 1863) e envolveu dezenas de milhares de plantas individuais.

As 7 características estudadas por Mendel. A magia do negócio? Não há um intermediário…é um ou outro (Fonte: Khan Academy)

Super-resumo, tomando a cor da semente como um exemplo: Mendel mostrou que quando uma ervilha amarela (que vinha de uma linhagem apenas amarela) e uma ervilha verde (que vinha de uma linhagem apenas verde) eram cruzadas, sua prole sempre produzia sementes amarelas. No entanto, na próxima geração, as ervilhas verdes reapareceram na proporção de 1 verde para 3 amarelas. Para explicar esse fenômeno, Mendel cunhou os termos “recessivo” e “dominante” em relação aos traços. Essa era a primeira lei de Mendel. A segunda lei diz mais ou menos a mesma coisa, mas para duas variáveis, de forma independente.

Mendel apresentou o seu artigo “Versuche über Pflanzenhybriden” (“Experimentos com hibridização de plantas”), em duas reuniões da Sociedade de História Natural de Brno, e estava confiante:

“Meus estudos me deram uma ótima gratificação, e estou convencido de que não demorará muito para que o mundo inteiro reconheça os resultados do meu trabalho “

Pobre Mendel…ele foi ignorado pela comunidade científica. A maioria viu o estudo como lições práticas de como plantar ervilhas…ninguém havia descoberto a verdadeira joia que estava ali.

O abade

Depois de ter sido promovido a abade em 1868, seu trabalho científico terminou, pois Mendel ficou sobrecarregado com responsabilidades administrativas, especialmente uma disputa com o governo na questão da separação entre Igreja e Estado. Mendel apoiou os liberais, mas foi traído e o governo resolveu cobrar impostos da Abadia. Ele se recusou a pagar, e o governo confiscou parte das terras (incluindo uma parte das ervilhas). Mendel virou um crítico ainda mais ferrenho.

Para que o mosteiro não sofresse devido ao seu comportamento, Mendel recomendou que, após sua morte, todas as suas anotações deveriam ser queimadas, para livrar o mosteiro de acusações. As anotações descrevendo como o experimento das ervilhas foi realizado foram danos colaterais desta fogueira, e parte da teoria da conspiração começa aqui.

Ele morreu de doença renal, com 61 anos, em 6 de janeiro de 1884. Mas esse foi só o começo da confusão.

De volta para o futuro

Em 1900, três cientistas realizaram estudos de forma independente sobre hereditariedade e obtiveram resultados parecidos. Quando foram procurar na literatura para ver se aquilo era uma nova descoberta, esbarraram com o trabalho de Mendel, feito 34 anos antes. Havia apenas um problema: os resultados de Mendel eram muito bons. Isso mesmo…isso era um problema. A Ciência possui erros intrínsecos e variações são normalmente encontradas…é algo inerente à natureza.

Veja bem, se você jogar uma moeda pra cima 10 mil vezes, é esperado obter, aproximadamente, 5 mil caras e 5 mil coroas…mas é improvável obter exatamente o número 5 mil. Os resultados de Mendel eram impecáveis…era quase uma perfeição platônica. Como ninguém estava prestando atenção, ninguém desconfiou.

Quando ele foi redescoberto em 1900, a desconfiança começou. O estatístico Ronald Fisher (outro que você deveria conhecer), resolveu analisar os dados. Ele encontrou poucos erros aleatórios…havia ali um viés não-natural. Há apenas uma chance em 2.000 de que todos os resultados de Mendel sejam de experimentos reais.

Isso deu início ao Paradoxo Mendeliano, a teoria da conspiração com fervorosos debates entre defensores e acusadores de Mendel. Como toda boa teoria da conspiração, o debate segue até hoje. Afinal, Mendel “roubou” ou não?

Um dos jardins de Mendel, em Brno, República Tcheca.

Uma tentativa de explicação invoca o viés de confirmação. Mendel teria detectado uma proporção aproximada de 3 para 1 no início de suas experiências. Com isso na cabeça, os resultados “ruins” foram “esquecidos” para dar lugar apenas para os resultados “bons”. Aqui temos Mendel, o trapaceiro. O viés da confirmação ainda pode ter ocorrido, mas de forma inconsciente por parte de Mendel. Nesta versão temos Mendel, o trapaceiro inocente.

A terceira explicação é um pouco mais mirabolante: um assistente de Mendel sabia os números mágicos (proporção 3:1) e “dava um jeitinho” nas ervilhas que não correspondiam aos números, tudo pra agradar o chefe. Nesta versão temos Mendel, o cara que foi enganado pelo estagiário.

Há ainda uma quarta versão, ligada ao imperativo moral: depois de alguns anos de experimento, Mendel já havia percebido que seus resultados eram bons e consistentes e que sua teoria era sólida, mas as pessoas não acreditariam nele.

Acontece isso hoje: há dados suficientes para afirmar que a Terra não é plana, que as mudanças climáticas são causadas por atividade humana, que vacinas não causam autismo, que homeopatia não funciona, mas sempre há estudos que apontam o contrário. É a tal da variação natural encontrada no método científico. No entanto, essa variação sempre representa uma pequena percentagem (no máximo 10%) dos milhares de estudos sobre estes temas.

No tempo de Mendel havia poucos estudos sobre hereditariedade. A variação era significativa, e nenhuma teoria era dada como certa. Para dar valor a sua teoria, Mendel teria “maquiado” os números, tornando-os praticamente perfeitos. Seria um avanço gigantesco para a Ciência na época, e até ajudaria Darwin no início da explicação sobre a seleção natural. Nesta versão temos Mendel, o monge cientista, fazendo a coisa errada pelo motivo certo.

Como as anotações dos detalhes dos experimentos nunca foram encontradas (lembra da fogueira? Conveniente…não acha??), ninguém sabe qual é a versão correta da história. O caso é o seguinte: se Mendel não “roubou”, seu feito é ainda mais notável. Ele teria então intuído a resposta certa sem ter provas definitivas. No entanto, por ironia do destino, Mendel acabou esquecido e só foi redescoberto 34 anos depois.

Moral da história: você pode até estar certo, mas se mentir pra conseguir o que quer, pode ser ignorado. Hoje Mendel é reconhecido como um grande cientista, mas passou o resto da sua vida armagurado, sem a atenção que recebe hoje. Além disso, o Paradoxo continua, e apesar de todos os estudos até hoje mostrarem que Mendel está correto, ele ainda é tido por alguns como trapaceiro.

Confira todos os cientistas que você deveria conhecer neste link!

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Andre Mazzetto
Ciência Descomplicada

Biólogo, um cientista que não é movido a café. Entusiasta da Ciência e da Educação. Editor e autor do blog Ciência Descomplicada.