E se #4: querida, os humanos sumiram!

como seria o mundo sem a nossa presença?

Andre Mazzetto
Ciência Descomplicada
7 min readOct 11, 2017

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(crédito: KellCandido)

Na nossa série mensal de perguntas absurdas com respostas (algumas vezes) possíveis, a pergunta do mês é:

E se, em um único instante (como num passe de mágica), todos os humanos desaparecessem da Terra?

A pergunta é interessante pois não estamos falando em deixar cadáveres por aí, o que torna a coisa mais limpa. No entanto, neste caso apenas os humanos vão desaparecer…mas tudo que construímos vai ficar. E é aqui que o problema começa!

Eu recomendo você assistir o documentário “Aftermath: population zero” (não, não é o filme com o Schwarzenegger), de 2008, lançado pela National Geographic. Tinha no Netflix, mas eles tiraram. Mande uma reclamação.

A descrição dos eventos abaixo pode soar um pouco macabra ou violenta…mas veja bem, a natureza é muitas vezes violenta e nem percebemos. Para facilitar nossa compreensão, vamos criar uma cronologia. Suponha que agora (neste exato momento) os humanos desapareceram. O que acontece depois?

1 minuto depois

Por enquanto, apenas alguns acidentes com os veículos que estavam em movimento. Isso inclui carros, motos, caminhões trens e até aviões. Detalhe: se estiverem em piloto automático, os aviões continuarão no céu até que o combustível acabe, mas não vai durar muito.

10 minutos depois

Seu computador ainda está funcionando…ele continuará até que acabe a bateria, ou, se estiver na tomada, até que acabe a energia. Assim que a energia acabar, tudo será escuridão.

1 hora depois

Se você mora em um local que é abastecido por energia “renovável”, como eólica ou solar, seu computador continuará funcionando, mas não por muito tempo. O caso é que quando der um problema (e confie em mim, vai dar um problema) não haverá nenhum humano para consertar, e aí será o fim da eletricidade.

1,5h depois

Ainda há esperança! As usinas nucleares continuam funcionando. O problema é que elas são abastecidas por outro tipo de energia (seja ela elétrica, solar, eólica ou carvão mesmo). Por enquanto o gerador está dando conta de manter a água fria e o reator funcionando…mas isso tudo não se manterá por muito mais tempo, e é aí que teremos uma catástrofe.

2 dias depois

Tá preocupado com o seu pet, né? Eles estão com fome e tentam de toda forma sair de casa e procurar comida. Mas não são só eles. Nos zoológicos, a falta de energia faz com que cercas elétricas se tornem inúteis, e os predadores mais apressadinhos escapem e comecem a explorar o novo mundo sem humanos, caçando o que encontrarem pela frente.

De 3 a 5 dias depois

O Big-Ben dá a sua última badalada na terra da Rainha. É necessário “dar corda” no relógio a cada 3 dias. Tudo bem que ele está parado para conserto agora e só voltará em 2021…mas é uma informação importante!

Os pets? Continuam tentando sair de casa. Alguns conseguem, e os gatos se adaptam mais rapidamente à situação. Seu instinto de caça dá vantagem na busca por comida. Nas fazendas, vacas estão lutando para sobreviver enquanto seus alimentos e suprimentos de água estão terminando. A maioria morrerá por desidratação. No zoológico, os animais que não escaparam irão morrer presos em suas jaulas. Mas tem uma parte boa: as aves migratórias conseguirão viajar de forma mais fácil, sem a interferência das luzes de postes e prédios.

De 5 a 10 dias depois

A natureza selvagem começa a se mostrar. Dentro de uma semana todos os cães pequenos (aqueles de madame) já desapareceram. Se tiveram sorte, morreram sozinhos. Se tiveram azar, viraram janta dos maiores.

O verdadeiro problema começa agora. Os geradores das usinas nucleares começam a falhar. As piscinas de resfriamento que impedem que o combustível nuclear gasto superaqueça param de funcionar, uma vez que a água não é reabastecida. Essa água começa a evaporar e a pressão do vapor vai resultar, finalmente, em uma explosão (não nuclear!), mas que dispersará a radiação não apenas perto da usina, mas também ao redor do globo devido aos ventos. Isso se repetirá em todas as 450 usinas nucleares. Parece estranho, mas com a tecnologia atual, as usinas nucleares “se desligam” sem explosões nucleares. A explosão se dá pelo vapor d`água . Quando a radiação chegar ao chão, a maioria das plantas e pequenos animais nas zonas afetadas vão morrer. Animais maiores vão fugir para regiões não afetadas, não por causa da radiação, mas porque todas as suas presas morreram.

De 10 dias a 1 mês

Lembra das vacas? Infelizmente elas morreram, mas nem todos os bovinos tem o mesmo final. O gado de corte ainda prospera pelas pastagens. Os ratos assumem a gerência dos supermercados abandonados e há uma explosão populacional, pelo excesso de alimento. Fique tranquilo, pois eles não vão dominar a terra. Os gatos controlam o crescimento da população.

3 meses depois

Não há mais radiação, então a qualidade do ar e a visibilidade agora estão melhores. Cães selvagens formaram bandos (pra orgulho dos seus tataratataratataravôs lobos) e vagam por aí.

6 meses depois

O inverno começa no hemisfério Norte e os animais do zoológico que não conseguem sobreviver em climas frios (tipo um elefante) tem que migrar para o sul…ou morrer. Lembra da história de “o mundo será dominado pelas baratas”? Não se engane, sem o aquecimento central nas casas do hemisfério norte, a maioria morre.

1 ano depois

As chuvas lavam as partículas radioativas da superfície e as transportam para o solo. Na primavera, as novas plantas e árvores fazem fotossíntese e crescem. Algumas espécies de animais sem predadores naturais sofrem um “boom” populacional e iniciam uma expansão para novas áreas. Musgo começa a crescer no asfalto.

De 3 a 15 anos depois

Estradas? Não dá pra ver, só tem musgo mesmo. Novas árvores crescem em jardins domésticos. Os veículos e outras estruturas metálicas começam a sucumbir à corrosão.

30 anos depois

Os satélites artificiais, sem manutenção, retornam à Terra sob a forma de estrelas cadentes. Os telhados das casas desmoronam, permitindo que as árvores cresçam no interior. Depois de furacão atrás de furacão, muitos países (e uma boa parte dos EUA) não tem mais prédios. No oceano, os restos de antigos navios servem de base para a formação de recifes de corais.

Em São Paulo, o Ibirapuera está cada vez maior. As aves de rapina, como os falcões e as águias, fazem seus ninhos e caçam roedores nos prédios que sobraram. No entanto, não por muito tempo, pois a umidade faz com que o concreto colapse. A água da chuva infiltra-se em rachaduras em colunas de concreto, pilares e paredes e, no hemisfério norte, congela no inverno antes de descongelar novamente na primavera. Estes ciclos de congelamento-descongelamento repetidos dividem e quebram concreto. Quando a água atinge as barras de metal que dão sustentação ao concreto elas expandem e aí…já era. Edifícios ao chão.

60 anos depois

Embora ainda existam cachorros, raças de cães específicas não existem mais, apagadas por gerações de reprodução livre. A maioria dos carros começa a desmoronar. Os pneus sintéticos de plástico e borracha podem durar séculos, mas o corpo e o interior se despedaça.

120 anos depois

Sabe o excesso de dióxido de carbono emitido pela população humana? Graças aos oceanos, aos crescimento sem limites da vegetação e (principalmente) à falta dos humanos (com novas emissões), o problema começa a se resolver. Lembra dos edifícios? Alguns ainda estão intactos onde há ventos secos, como Las Vegas. No entanto, a areia do deserto começara engolir a cidade.

240 anos depois

A excessiva pressão da água destrói a maioria das barragens no mundo. Bolhas de alta pressão se acumulam nos túneis embutidos, o que causa explosões de alta pressão destruindo as barragens. As rampas de concreto evitavam isso, mas agora elas não funcionam mais…pois não há mais concreto. As barragens finalmente sofrem um colapso.

Muitos ambientes serão remodelados graças às inundações. No oceano, todas as espécies de baleias já se recuperaram e apresentam populações com número igual aquelas pré-humanas. Sem a interferência de alarmes navais ruidosos, elas podem ouvir as chamadas de acasalamento de outras baleias a 36.000 km de distância. A atmosfera está finalmente balanceada, sem o excesso de dióxido de carbono emitido por humanos.

A corrosão causada por ondas de chuva e gelo e raios assolou completamente a metade superior da Torre Eiffel, e o ferro está enferrujado. Um vento um pouco mais forte e lá se vai a joia de Paris. O mesmo acontece com o braço direito (o que está levantado) da Estátua da Liberdade. A cabeça cai um pouco depois. No entanto, a “pele” da Estátua, feita de placas de cobre está brilhando mais do que nunca.

A Grande Esfinge de Gizé está enterrada novamente nas areias do Sahara, mas sobreviverá outros milhares de anos, tal como aconteceu há milhares de anos antes de ser redescoberta pela primeira vez.

500 anos depois

As florestas (finalmente!) retornam aos mesmos níveis de 10 mil anos atrás.

25 mil anos depois

Se inicia uma nova Era do Gelo. As geleiras se expandem para o Sul cobrindo a maior parte do Hemisfério Norte. A maioria das espécies, no entanto, se adapta e prospera.

Alguns itens de plástico sobreviverão intactos por não só milhares, mas milhões de anos depois que a humanidade desaparecer.

Eles serão o último legado da raça humana…lixo.

E você? Tem alguma pergunta absurda? Mande pra gente!

Mate a sua curiosidade lendo todos os textos desta série neste link!

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Andre Mazzetto
Ciência Descomplicada

Biólogo, um cientista que não é movido a café. Entusiasta da Ciência e da Educação. Editor e autor do blog Ciência Descomplicada.