A nuvem da bomba atômica sobre Nagasaki de Koyagi-jima, em 1945, foi uma das primeiras detonações nucleares a ter lugar neste mundo. Depois de décadas de paz, a Coreia do Norte está detonando bombas novamente. Crédito: Hiromichi Matsuda.

A ciência sabe se uma nação está testando bombas nucleares

Terremoto? Explosão nuclear? Fissão ou fusão? Nós sabemos, mesmo que os líderes mundiais mintam.

Marcos Oliveira
7 min readSep 12, 2017

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Texto originalmente publicado por Ethan Siegel. Leia o original (em inglês) aqui

“A Coreia do Norte ensinou uma ótima lição para todos os países do mundo, especialmente os países de ditadores desonestos ou o que quer que seja: se você não quer ser invadido pela América, obtenha algumas armas nucleares.” - Michael Moore

No cenário internacional, há poucas coisas mais assustadoras para o mundo, em geral, que a possibilidade iminente de uma guerra nuclear. Muitas nações têm a bomba — algumas com bombas de fissão, outras conseguiram a fusão nuclear, mais mortal — , mas nem todas declaram publicamente qual elas têm. Algumas detonam dispositivos nucleares enquanto as negam; outras afirmam possuir bombas de fusão mesmo não possuindo a capacidade. Graças a compreensão aprofundada da Ciência, da Terra e da forma como as ondas de pressão passam por ela, não precisamos de uma nação confiável para descobrir a verdadeira história.

Uma foto de Kim Jong-Un, divulgada apenas algumas semanas antes da detonação nuclear norte-coreana mais recente mostra o líder do país na fazenda Catfish, em um local não revelado na Coreia do Norte. Crédito: KNS/AFP/Getty Images.

Em janeiro de 2016, o governo norte-coreano afirmou que detonou uma bomba de hidrogênio, a qual ele prometeu usar contra qualquer agressor que ameaçasse seu país. Mesmo que as mídias exibissem fotografias de nuvens de cogumelos em suas reportagens, essas [nuvens] não fazem parte de testes nucleares modernos; isso foi uma filmagem arquivada. A radiação que é liberada para a atmosfera é perigosa e seria uma violação clara do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares de 1996. Então, o que as nações geralmente fazem, caso elas queiram testar armas nucleares, é testar onde ninguém consiga detectar a radiação: no subterrâneo profundo.

Na Coreia do Sul, o relatório sobre a situação é terrível, mas impreciso, pois as nuvens de cogumelos mostradas são de décadas atrás e as imagens não são relacionadas aos testes norte-coreanos. Crédito: Yao Qilin/Xinhua Press/Corbis.

Você pode detonar uma bomba em qualquer lugar que preferir: no ar, embaixo da água do oceano ou do mar, ou no subterrâneo. Todos os três são detectáveis a princípio, embora a energia da explosão seja “abafada” dependendo do meio em que ela viaja.

  • O ar, sendo o menos denso, faz o pior trabalho em abafar o som. Trovoadas, erupções vulcânicas, lançamentos de foguetes e explosões nucleares emitem não apenas as ondas sonoras das quais nossos ouvidos são sensíveis, mas as ondas infra-sônicas (ondas longas de baixas frequências) que — no caso de uma explosão nuclear — são tão enérgicas que os detectores em todo o mundo saberiam facilmente.
  • A água é mais densa, e assim, embora as ondas sonoras viajem mais rápido na água do que no ar, a energia se dissipa mais substancialmente através da distância. No entanto, se uma bomba nuclear é detonada embaixo da água, a energia liberada é tão grande que as ondas de pressão geradas podem ser facilmente capturadas pelos detectores hidroacústicos que muitas nações implantaram. Além disso, não há fenômeno natural aquático que possa ser confundido com uma explosão nuclear.
  • Então, se um país quer tentar e “esconder” um teste nuclear, sua melhor aposta é realizar o teste no subterrâneo. Enquanto as ondas sísmicas geradas a partir de uma explosão nuclear podem ser muito fortes, a natureza tem um método ainda mais forte de geração de ondas sísmicas: terremotos! A única maneira de distingui-los é triangular a localização exata, já que os terremotos são muito raros e raramente ocorrem a uma profundidade de 100 metros ou menos, enquanto os testes nucleares (até agora) sempre ocorreram a uma pequena distância do subterrâneo.

Para este fim, os países que assinaram o Tratado de Proibição de Testes Nucleares estabeleceram estações sísmicas em todo o mundo para vasculhar quaisquer testes nucleares que ocorram.

Sistema internacional de monitoramento de testes nucleares, apresentando os cinco principais tipos de teste e os locais de cada estação. Ao todo, existem atualmente 337 estações ativas. Crédito: CTBTO.

É este ato de monitoramento sísmico que nos permite tirar conclusões sobre o quão poderosa foi uma explosão, bem como onde na Terra — em três dimensões — ela ocorreu. O evento sísmico norte-coreano ocorrido em 2016 foi detectado em todo o mundo; existem 337 estações de monitoramento ativas na Terra que são sensíveis a eventos como este. De acordo com o United States Geological Survey (USGS) [Serviço Geológico dos Estados Unidos], houve um evento ocorrido na Coreia do Norte em 6 de janeiro de 2016, equivalente a um terremoto de magnitude 5,1, ocorrendo a uma profundidade de 0,0 km. Com base na magnitude do terremoto e nas ondas sísmicas que foram detectadas, podemos reconstruir a quantidade de energia que o evento liberou — em torno do equivalente a 10 kilotons de TNT — e determinar se isso provavelmente é um evento nuclear ou não.

Graças à sensibilidade das estações de monitoramento, a profundidade, a magnitude e a localização da explosão que causaram a vibração da Terra em 6 de janeiro de 2016 podem estar bem estabelecidas. Crédito: United States Geological Survey, via http://earthquake.usgs.gov/earthquakes/eventpage/us10004bnm#general_map.

A verdadeira chave, além da evidência circunstancial da magnitude e profundidade do terremoto, vem dos tipos de ondas sísmicas geradas. Geralmente, existem ondas S e ondas P, onde o S significa secundária ou cisalhamento, enquanto P significa primária ou pressão. Os terremotos são conhecidos por gerar ondas S muito fortes em comparação com as ondas P, enquanto os testes nucleares geram ondas P muito mais fortes. Agora, a Coréia do Norte afirmou que esta era uma bomba de hidrogênio (fusão), que é muito, muito mais mortal que as bombas de fissão. Considerando que a energia liberada por uma arma de fusão baseada em urânio ou plutônio é tipicamente da ordem de 2 a 50 kilotons de TNT, uma bomba H (ou bomba de hidrogênio) liberar mil vezes mais, com o recorde pertencente ao teste da Tsar Bomba, feito pela União Soviética em 1961, com 50 megatons de TNT de energia liberados.

A explosão da Tsar Bomba de 1961 foi a maior detonação nuclear que já aconteceu na Terra, e talvez seja o exemplo mais famoso de uma arma de fusão já criada. Crédito: Andy Zeigert/flickr.

O perfil das ondas recebidas em todo o mundo nos diz que não foi um terremoto. Então, sim, a Coreia do Norte provavelmente detonou uma bomba atômica. Mas, era uma bomba de fusão ou uma bomba de fissão? Há uma grande diferença entre as duas:

  • Uma bomba de fissão nuclear leva um elemento pesado com muitos prótons e nêutrons, como certos isótopos de urânio ou plutônio, e os bombardeia com nêutrons que possuem a chance de serem capturados pelo núcleo. Quando a captura ocorre, cria-se um isótopo novo e instável que se dissociará em núcleos menores, liberando energia e também nêutrons livres adicionais, permitindo a ocorrência de uma reação em cadeia. Se a configuração for feita corretamente, um tremendo número de átomos pode sofrer essa reação, transformando centenas de miligramas ou mesmo gramas de matéria em energia pura através da [fórmula] E = mc² de Einstein.
  • Uma bomba de fusão nuclear leva elementos leves, como o hidrogênio, e sob enormes energias, temperaturas e pressões, faz com que esses elementos se combinem em elementos mais pesados como o hélio, liberando ainda mais energia do que uma bomba de fissão. As temperaturas e pressões necessárias são tão grandes que a única maneira de descobrir como criar uma bomba de fusão é cercar uma bolinha de combustível de fusão com uma bomba de fissão: apenas essa tremenda liberação de energia pode desencadear a reação de fusão nuclear que precisamos para liberar toda essa energia. Isso pode transformar um quilograma de matéria em energia pura no estágio de fusão.
A semelhança entre testes de fissão nuclear conhecidos e um provável teste de fissão é inconfundível. Apesar das alegações feitas, a evidência revela a verdadeira natureza desses dispositivos. Nota-se que os indicativos Pn e Pg estão para trás, detalhes que talvez apenas um geofísico notasse. Crédito: Alex Hutko no Twitter, via https://twitter.com/alexanderhutko/status/684588344018206720/photo/1.

Em termos de produção energética, não há como o tremor norte-coreano ser causado por uma bomba de fusão. Se fosse, seria, de longe, a mais baixa energia, a reação de fusão mais eficaz já criada no planeta, e feita de tal forma que até mesmo os teóricos desconhecem como isso poderia ocorrer. Por outro lado, há uma ampla evidência de que isso não era mais do que uma bomba de fissão, já que este resultado da estação sísmica — publicado e gravado pelo sismólogo Alexander Hutko — mostra a incrível semelhança entre a bomba de fissão norte-coreana de 2013 e a explosão de 2016.

A diferença entre os terremotos de ocorrência natural, cujo sinal médio é mostrado em azul, e um teste nuclear, como mostrado em vermelho, não deixa ambiguidade quanto à natureza desse evento. Crédito: ‘Sleuthing Seismic Signals’, Science and Technology Review, março de 2009.

Em outras palavras, todos os dados que temos estão apontando para uma conclusão: o resultado desse teste nuclear é que temos uma reação de fissão, sem indícios de uma reação de fusão. Não importa se foi porque um estágio de fusão foi projetado e falhou, ou porque a ideia de que a Coreia do Norte tinha uma bomba de fusão foi projetada para ser uma artimanha intimidante. Isso definitivamente não foi um terremoto! As ondas S e as ondas P demonstram que a Coreia do Norte está detonando armas nucleares, em violação do direito internacional, mas as leituras sísmicas, apesar de seus incríveis locais remotos, nos dizem que não foi uma bomba de fusão. A Coreia do Norte tem tecnologia nuclear da era dos anos 40, mas não mais que isso. Todos os seus testes foram simples fissão, não fusão.

Mesmo quando os líderes mundiais mentem, a Terra nos dirá a verdade.

Veja todas as traduções neste link!

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Marcos Oliveira

Agora faço divulgação científica em: www.universodeparticulas.com.br. Uso esse espaço para desabafos e reflexões