Sete motivos para você se tornar professor

Pedro P. Bittencourt
Ciência Descomplicada
12 min readSep 17, 2017

Diariamente, como professor, me pergunto por quê faço o que faço. Ocasionalmente, algum aluno manifesta interesses, mesmo que inicialmente incipientes, em seguir a carreira docente. Nessas conversas, revisito aquilo que eu pensava no momento da escolha por licenciatura em física. Através do feedback desses alunos e de colegas de trabalho, faço pequenas modificações em minha lista de motivos. Assim, nesse exercício de me encontrar, de buscar por sentidos nas coisas, procurando por equilíbrio na atividade cotidiana, resolvi compartilhar alguns motivos para você se tornar professor, também. Foram razões que me levaram a esta profissão, bem como razões que motivaram alguns amigos e colegas de trabalho, a quem eu agradeço imensamente pela colaboração nesse tema.

Mesmo sendo um pouco óbvio, acho legal deixar claro que essa lista é totalmente pessoal, uma visão minha, com base nas coisas que vejo, vivo e sinto, baseada em opiniões de outras pessoas que levo em consideração para mim. E é também um momento, uma foto. Não me lembro se era assim que minha cabeça pensava há dez anos e acredito que não será assim também daqui dez anos. O que, na verdade, não é nem um pouco importante.

Por fim, também acho importante esclarecer que não pretendia fazer uma lista de “sete qualidades de todo bom professor; a número cinco vai te surpreender”. Primeiro porque eu não sei. E segundo porque eu não quero. Só quero compartilhar ideias sobre algumas razões que levam pessoas para carreiras no ensino, algumas coisas que me levaram pra essa área e alguns pontos que talvez possam te levar pro mesmo caminho, por que não? Ficaria muito feliz com o seu feedback após essa leitura.

Motivo nº 1: você domina e é dominado por uma área de interesse

Por que você se tornou professor ou professora? A maioria de meus colegas de profissão, sejam atuais ou antigos, costuma responder à pergunta dizendo ter “se apaixonado pela matéria na época da escola” ou algo do gênero. Então acho que esse costuma ser o primeiro motivo que leva alguém para uma sala de aula, dessa vez na ponta da frente. Ter empatia com o seu professor ou a sua professora da época da escola ajuda também; pessoalmente, tive excelentes professores ao longo desses vários anos de escolarização que contribuíram muito pra que eu desejasse estar aqui, hoje.

O aluno que se apaixona por matemática, por exemplo, vê naquilo uma beleza tão grande que não consegue aceitar a ideia das pessoas ao seu redor não enxergarem da mesma maneira. Não por serem burras ou inferiores, apenas porque ainda não foram picadas pelo mesmo inseto que ela. Na cabeça desse aluno, torna-se então uma espécie de missão “evangelizar”, seus colegas, sua família, quem quer que esteja por perto pra ouvir. Muitos professores, inclusive, se descobrem assim ainda na escola, estudando com os amigos, ajudando no período das provas, fazendo trabalhos etc, quase nunca em troca de dinheiro porque isso demonstraria um claro espírito empreendedor, o que não combina nem um pouco com a atividade professoral, digamos.

Plantada essa sementinha do mal, tudo o que este aluno mais quer é compartilhar sua paixão. Assim, busca seguir passos parecidos daquele que despertou esse interesse ou, caso não tenha passado por essa oportunidade, não tenha tido essa experiência, busca se tornar o professor que gostaria de ter na época da juventude.

Assim, não basta possuir interesse numa área específica. Gostar de coisas todo mundo gosta, ou quase todo mundo. O importante é que, no fundo, você sabe que é bom naquilo. Que tem algo a ensinar pra alguém. Que pescou uma maneira diferente de contar aquela história que pouca gente entendeu. Você entende, lá no fundo, que não é apenas alguém conhecedor do assunto. Percebeu que tem talento pra expressar ideias e fazer pessoas pensarem a respeito delas.

Motivo nº 2: você gosta de se comunicar

Professores são, acima de tudo, educadores. E para que possam ensinar algo a alguém é necessário que sejam bons comunicadores. O professor precisa saber se expressar, não somente falar bem, mas se fazer entender. Na lógica do palestrante, precisa cativar o público, chamar a atenção para sua mensagem e conquistar seu interesse. Na lógica da interação pessoal, precisa saber ouvir, absorver as respostas e tentar, da melhor maneira possível, oferecer o retorno adequado.

Então não basta ser aquilo que se considera inteligente. O professor tem que possuir uma certa sensibilidade pra saber como uma determinada mensagem chegará no seu interlocutor da maneira mais adequada. E isso é muito difícil. Além da nossa cabeça ser uma caixa-preta, além de ainda não termos muita ideia de como as pessoas absorvem, armazenam, codificam, processam informações, para além de todos os aspectos técnicos que envolvem a comunicação, existe a necessidade de possuir repertórios, técnicas, aquele feeling de saber que “ah, desse jeito aqui costuma dar mais certo então da próxima vez eu tento fazer parecido”.

O bom comunicador não é necessariamente aquele que estuda mais a comunicação. É claro que o futuro professor, ao longo de sua formação, estudará diferentes correntes pedagógicas, diferentes concepções de ensino, trabalhará em escolas e instutuições variadas, enfim, aumentará o seu repertório específico. Mas não me refiro, nesse momento, aos bons professores. Me refiro a pessoas que se comunicam bem naturalmente. Elas têm mais chances de se dar bem na profissão e gostar mais daquilo que fazem.

E veja: não digo que se você é tímido, fechado, fala pra dentro e não sabe direito conversar com pessoas você nunca vai se tornar professor. Você pode aprender tudo isso. Eu mesmo sou um case engraçado de garotinho retraído que virou professor; mas prefiro deixar essa história para um outro dia.

Motivo nº 3: você gosta de aprender

Para que você acredite no poder da educação, você precisa ser também uma pessoa que gosta de aprender coisas. O que faz muito sentido, por muitos motivos.

Pra dominar uma área de interesse, você precisará estudar. E estudar muito. Porque uma coisa é saber sobre a crise do feudalismo na baixa idade média ou sobre a organização do sistema nervoso periférico do corpo humano. Outra, bem diferente, é ensinar esses temas. É preciso conhecer a fundo todas as ideias envolvidas, como as coisas se relacionam, como esses conhecimentos surgiram e foram evoluindo com o tempo. Mesmo que o professor, em sala de aula, não trate desses assuntos dessa maneira, ele precisa conhecer aquilo, quanto mais, melhor.

E, é claro, se você é um professor, querendo de verdade que seus alunos aprendam coisas, você precisa ser alguém, minimamente coerente, que também goste de aprender coisas. Não somente durante a faculdade, a pós-graduação, o que quer que tenha feito em sua carreira. Não é um momento limitado e fechado em que a gente aprende tudo aquilo que tinha pra aprender. Primeiro porque não dá. O conhecimento é infinito e nossa capacidade é limitada. Mas principalmente porque aquilo que no momento chamo de aprender não se restringe àquela área em que eu ensino.

Comentei acima sobre saber se expressar, ser um bom comunicador. Nem todo mundo nasce assim. Eu, pessoalmente, precisei aprender isso. E ainda estou longe de me considerar uma pessoa que fala bem. Tenho uma diccção complicada, um tom de voz que acredito ser chatíssimo, me canso facilmente após falar por mais do que meia hora, sou razoavelmente surdo. Mas já fui pior. Eu aprendi. De certa forma evoluí. Então preciso concordar que, sim, houve aí um aprendizado e ele continua existindo.

Assim, dia após dia, o professor também aprende coisas novas. Algumas se relacionam mais com sua área de ensino: aprende novas técnicas para ensinar resolução de equações, entende melhor a ideia de potencial elétrico após cinco anos dando a mesma aula, finalmente descobre para que serva o Ciclo de Krebs. Outras são bastante gerais: aprende a se portar em sala, a se relacionar com a coordenação e com os pais, se torna mais empático com a vida e com os problemas de seus alunos. Entende, cada vez mais, qual é o significado da escola.

Motivo nº 4: você acredita que a educação transforma vidas

Partindo para uma análise mais social e histórica, a educação, a escolarização, o ensino é aquilo que pode tirar uma pessoa de situação de vulnerabilidade e progressivamente modificar sua vida. Não é somente aquilo que permite a Pedro pagar por professores particulares para entrar numa universidade de renome e continuar o legado de seu pai como juiz federal. É aquilo que permite a Pedro escapar de adversidades e escolher entre se formar como advogado numa faculdade local para lutar a favor dos direitos de sua comunidade ou se tornar uma peça de diversas atividades criminosas que, de certa forma, também estão lutando por certos direitos de sua comunidade. A chave é que a educação pode indicar outras escolhas. Ser mais uma oportunidade.

Sei que todo mundo cita Paulo Freire quando falando sobre a prática pedagógica no contexto sócio-histórico. Mas, fazer o que, se o cara era bom? Pois bem, no livro “Pedagogia da autonomia”, Freire diz que:

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico que repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. (…) Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo? (…) É preciso que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos. (…) É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

Neste contexto, sobre a obrigação moral do professor e seu compromisso com a comunidade, gosto daquilo que José Contreras, no livro “Autonomia de professores”, escreve:

A moralidade não é um fato isolado, mas, ao contrário, um fenômeno social, produto de nossa vida em comunidade na qual é preciso resolver problemas que afetam a vida das pessoas e seu desenvolvimento e que precisa elucidar o que é moralmente adequado para cada caso. Neste sentido, a moralidade não é apenas uma questão pessoal, é também uma questão política. A educação não é problema da vida privada dos professores, mas uma ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente.

CONTRERAS, José. Autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2012.

Acho que todo mundo concorda que a educação transforma vidas. Muitos gostam de dizer, com orgulho, todo dia 15 de outubro, que o professor é o profissional mais importante de todos porque é aquele quem forma os outros profissionais, que ele deveria ser mais valorizado, que no Japão ou na Coréia ou na China, não importa, lá o professor é tão respeitado a ponto de não precisar fazer reverência ao presidente ou ao rei ou ao imperador, não importa. Muita gente bate na tecla dos 10% do PIB pra educação sem nem ao menos pensar no porquê disso, porque esse valor, o que isso causaria. Como se salário maior se traduzisse imediatamente num futuro melhor. Eu não discordo disso. Mas não é isso.

Melhorar a educação parte, principalmente, de ressignificar a educação. Não entendê-la mais como um negócio. Não entender a escola como um repositório de conteúdos. Acreditar que a educação transforma vidas implica em entender como essa transformação ocorre. Não acredito que a escola tem um objetivo único e universal porque, assim como comunidades de pessoas são diferentes entre si, as escolas dessas comunidades também serão. Mudar o significado da escola, pelo menos da maneira como entendo, parte mais de observar os impactos que ela causa nos estudantes e menos das expectativas que nós fazemos sobre ela.

Motivo nº 5: você gosta de participar da formação do outro

Então se você crê no poder transformador da educação, você é uma pessoa que gosta de participar da formação de outras pessoas. Não somente por uma questão de ego, no sentido de “eu que te fiz chegar aqui”, mas uma empatia genuína, no sentido de “eu te vi chegar aqui”.

Isso é bastante perceptível quando se trabalha com jovens, principalmente. Nessa fase da vida, possuem muitas expectativas, inseguranças, estão iniciando suas visões particulares de mundo, tentando e errando. E nessas horas o papel do professor é delicado. Eu não posso ser muito rigoroso em minhas opiniões, eu não posso ser fechado demais, cartesiano demais. Mas também não posso ser evasivo, aberto demais. Como comentei no segundo tópico, saber se comunicar é também saber ouvir. Parece difícil e realmente é. Mas não deixa de ser bonito.

É recompensador saber que um grupo de alunos se reconheceu naquelas ideias que você defendeu. Saber que você foi capaz de ensinar ferramentas que eles utilizaram em situações diversas e que essas ferramentas, em conjunto com outras habilidades, permitiram a esses alunos saírem de um lugar e chegarem em outro. Às vezes encontro ex-alunos que relatam o que estão fazendo da vida, mencionando um momento ou outro das aulas e como isso foi utilizado. E não me refiro aqui somente às ideias da física ou da matemática, porque são competências muito específicas e que são aplicadas às vezes em situações também específicas. Meu foco se encontra mais na utilização de recursos que apareceram em momentos talvez banais: a participação musical em um evento escolar; as viagens e passeios que fizemos com as turmas, seja uma expedição para um observatório astronômico no interior do estado ou uma simples visita ao museu no centro da cidade. É recompensador saber que valeu a pena incentivar alunos a escreverem sobre suas ideias, a compartilharem suas experiências a se abrirem para o mundo porque isso os permitiu a serem pessoas melhores.

Esse é, ao meu ver, o papel essencial da escola. Muito se fala sobre ele. Mas pouco se faz. O que talvez me permita passar para o próximo motivo.

Motivo nº 6: você tem uma mensagem pra compartilhar

Esse motivo talvez esteja bem relacionado com os dois primeiros. Acho que não basta você ser considerado bom em algo e ser um bom comunicador. Você tem uma mensagem pra transmitir. Acreditando no poder transformador da escola, você tem uma espécie de missão, você quer ver algo acontecer. Não se sabe quando ou de que jeito. Mas algum dia algo vai acontecer. E a gente quer estar ali pra ver.

Eu, como professor, acredito muito nisso. Me formei como professor de física e essa é a área na qual atuo. Dou minhas aulas de física, matemática, geometria e afins. Mas será que essa é a minha mensagem? Acredito que não.

Minha mensagem pode ser observada nos meus atos. É claro que pretendo mostrar pros alunos conceitos e construções das ciências e da matemática e tudo o mais. Quero que eles percebam o potencial desse conhecimento específico. Quero que eles sejam capazes de observar coisas e fazer relações, traçar paralelos e construir significados. Quero que as ferramentas desenvolvidas em aula tornem eles pessoas mais capazes de serem cada vez mais capazes. De preferência, de serem pessoas melhores.

Mas também quero que eles vejam minha posição ideológica. Como eu acredito na escola. Como eu acredito na educação. Como eu acredito na comunicação, na socialização, no desenvolvimento do aluno. Quero compartilhar com os alunos, aula após aula, semana após semana, como eu penso a educação. Quero saber deles como eles pensam a educação. Poder criticar a escola não como forma de resignação, mas como forma de rebeldia, uma rebeldia ressignificadora que nos permite continuar.

A vida do professor é um eterno manifesto. O tempo todo estamos de peito aberto e com a ferida exposta. A maneira como a professora entra em sala de aula dá o tom daquela aula. Isso é massacrante, mas é preciso saber lidar. Voltando ao 3º motivo, isso também é uma forma de aprendizado para o professor.

Não são muitas as pessoas que têm uma mensagem a compartilhar. O mundo está precisando delas.

Motivo nº 7: você QUER ser professor

Pode parecer clichê e redundante, mas creio que não. Um bom professor escolheu a profissão, optou pelo ensino, de preferência se formou com este objetivo em mente. É claro que temos quilos de exemplos de excelentes profissionais que se descobriram como professores no curso da vida, mesmo não tendo iniciado nesta carreira ou com formação específica. Mas essas pessoas também optaram pela docência por uma questão de aptidão, de paixão, de gosto pela coisa, talvez pelos motivos listados ao longo do episódio. Não foram pessoas a quem sobrou dar aulas.

Esse me parece ser o principal motivo para qualquer coisa: querer as coisas. Porque você pode dominar uma área de interesse, saber se comunicar, gostar de aprender, acreditar no poder transformador da educação, querer participar da formação de pessoas e ter uma mensagem pra compartilhar mas, no final das contas, não querer ser professor. Isso é perfeitamente normal. Acho pouco provável. Mas, né.

Caso contrário, se você concorda com os sete pontos listados neste episódio… ou você também é professor ou quem sabe valha a pena pensar nessa possibilidade.

Como eu mencionei no início do texto, essa é uma lista de sete pontos compilados de maneira muito pessoal, muito momentânea. Os argumentos que utilizei podem não ser os melhores do mundo e existe sempre a possibilidade de eu estar muito enganado. Mas, acima de tudo, gostaria de saber a sua opinião! Se você concorda, do que você discorda, quais motivos acrescentaria para alguém tornar-se professor, quais dicas daria para um iniciante, quais incentivos você daria para aquele grupo de alunos que imagina serem potenciais professores no futuro?

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Esse texto é transcrição do episódio #08 de meu podcast, EnSigno, que se propõe a fazer reflexões sobre a profissão do professor: http://pedrobittencourt.com.br/podcast/ensigno-08-sete-motivos-para-voce-se-tornar-professor/

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Pedro P. Bittencourt
Ciência Descomplicada

professor da educação básica. às vezes produzo conteúdo para a internet | pedrobittencourt.com.br