Credit: H. Sewell

A fraude da astrologia:uma “ciência” que não é ciência

Por: João Fernandes e Pedro Russo

Pedro Russo
Ciência e Sociedade
4 min readAug 6, 2013

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Domingo, dia 4 de Agosto, o PÚBLICO publicou uma longa entrevista com a fundadora do Centro Português de Astrologia, Maria Flávia de Monsaraz. A entrevista serve de mote a este artigo, não porque queiramos reagir-lhe “rasgando as vestes” mas porque consideramos ser uma excelente oportunidade para mostrar as falácias “científicas” da astrologia. Note-se que a palavra “ciência” atravessa a entrevista repetidas vezes (uma só já seria de mais). Entendemos que a associação/ apropriação desta palavra pela astrologia é fraudulenta e isso incomoda-nos profundamente, como astrónomos e, principalmente, como cientistas.

É verdade que a astronomia e a astrologia estiveram ligadas durante muitos séculos. Houve até figuras que são hoje nomes maiores da astronomia que fizeram horóscopos. Johannes Kepler (astrónomo alemão que viveu nos séculos XVI e XVII) é talvez um dos mais paradigmáticos. Porém, na mesma época em que Kepler viveu, a astronomia e a astrologia separaram-se definitivamente, com o desenvolvimento do método científico: o conjunto de regras básicas de como se deve proceder a fim de produzir conhecimento. Assim, a astronomia (ciência) e a astrologia (crença) seguiram caminhos diferentes. O grande matemático Pedro Nunes, em 1541, escreveu na sua obra Sobre os Crepúsculos:

(…) Não obstante, compraz-se de modo admirável com a teórica da astronomia, isto é, da ciência que se ocupa do curso dos astros e da universal composição do céu, que não da crendice vã e já quase rejeitada que emite juízos sobre a vida e a fortuna.

Hoje, astronomia e astrologia não têm qualquer relação entre si, quanto aos objectivos ou metodologias de trabalho. Podemos até dizer que a astrologia está para a astronomia como a alquimia está para a química ou para a medicina.

Mas por que é que a astrologia não é uma ciência? Não é porque nunca, até hoje, a suposta relação causa-efeito entre a posição dos astros e a vida de cada um de nós foi validada pelo método científico após o escrutínio por equipas de investigadores independentes. Quando nos referimos a equipas de investigadores, estamos a incluir as chamadas Ciências Exactas e as Ciências Sociais e Humanas. E o contrário, foi? Ou seja, há algum estudo que mostre que a astrologia não tem fundamento científico? Há.

Podíamos citar trabalhos como o publicado pelo físico Shawn Carlson, da Universidade da Califórnia em Berkeley, na prestigiada revista Nature, em 1985. Mas deixamos aos leitores um argumento mais simples para reflexão. Com excepção de Úrano, Neptuno e Plutão, a astrologia não incorporou descobertas científicas dos últimos 500 anos tais como: mais de 900 planetas extra-solares, nebulosas, enxames de estrelas, buracos negros, galáxias, entre outros. E nisto se inclui o facto de a Terra se mover em torno do Sol. Sim, porque os horóscopos, na realidade, são ainda construídos supondo que a Terra está no centro do Universo e que tudo (incluindo o Sol) roda em torno dela. Pode a astrologia ser considerada ciência e, para além de muitos outros erros técnicos, ao mesmo tempo não se ter actualizado? Assim, a astrologia não é, definitivamente, uma ciência e está ao mesmo nível da cartomância, da leitura nos búzios ou nas borras de café.

Apesar destes bem conhecidos argumentos, a astrologia continua a ter muito sucesso. Basta abrir jornais, revistas ou ligar televisões. Estamos convictos de que uma parte deste sucesso terá a ver com o facto de muitos dos “consumidores” da astrologia assumirem a eventual “cientificidade” da astrologia. Pensamos isto por duas razões. Primeiro, a terminologia e a nomenclatura usada pela astrologia. Falando do Sol, da Lua,

É nossa opinião que seguir recomendações astrológicas pode afectar gravemente a saúde e vida sentimental e financeira dos seus seguidores dos planetas e dos seus movimentos, das constelações e estrelas, a astrologia pode passar a ideia de que está a usar e a falar de ciência. Em segundo lugar, o espaço ocupado pela astrologia nos media (em particular na imprensa escrita) é frequentemente partilhado com as informações relativas às horas do nascer e pôr do Sol, as horas das marés ou a meteorologia. Ora tudo isto, ao contrário da astrologia, está suportado em modelos físicos e matemáticos estudados e validados ao longo de muitos anos por milhares de cientistas em universidades e centros de investigação em todo o mundo. Esta coabitação no mesmo espaço mediático apresenta a astrologia como uma fonte de informação diária e credível, de real interesse para a população. É nossa opinião que seguir recomendações astrológicas pode afectar gravemente a saúde e vida sentimental e financeira dos seus seguidores. Por isso, gostaríamos que a comunicação social não tivesse rubricas de astrologia e horóscopo porque os media não devem ser meios de divulgação de charlatanices “científicas”. Infelizmente, consideramos isso uma utopia a curto prazo. Até lá, propomos que os media adoptem uma formulação inspirada nos maços de tabaco, por exemplo: “As previsões astrológicas apresentadas não têm qualquer validade científi ca.” Seria já um grande avanço, uma vez que alguém que deseje continuar a acreditar na astrologia poderá continuar a fazê-lo, mas ao menos não o fará enganado e desinformado.

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