Credit: Roberto Keller-Perez

Porque é que o público se há de interessar (em ciência)?

Notas da apresentação no 1o Congresso de Comunicação de Ciência SciComPT 2013

Pedro Russo
Ciência e Sociedade
6 min readJun 3, 2013

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Quando disse aos meus colegas que ia a Lisboa ao congresso nacional de comunicação de ciência e me tinham pedido para responder à pergunta “Porque é que o Público se há-de interessar?” a primeira coisa que me perguntaram foi: “Eles não gostam muito de ti, pois não?”

Esta é de facto uma pergunta ingrata, difícil e sem resposta imediata. Mas é uma pergunta central e vital para perceber o papel da divulgação na ciência.

Prestar Contas

Claro que na grande maioria dos casos a resposta conclusiva seria, prestar contas. A maior parte (senão todos) dos projectos de divulgação apresentados durante o congresso, são financiados por programas governamentais (nacionais ou locais) ou divulgam resultados científicos financiados pelos governos. Os cidadãos que pagam os seus impostos têm o direito de saber onde e como o seu dinheiro é usado. A transparência que muito pedimos às nossas instituições públicas é também necessária às nossas instituições científicas e apenas se consegue com uma comunicação honesta e aberta com a sociedade.

Literacia

Embora a ciência tenha um relevo menor nos programas eleitorais dos diferentes partidos, há uma necessidade de mantermos o público informado sobre as diferentes políticas de ciência e tecnologia. Nunca é demais relembrar que os índices de desenvolvimento humano estão intimamente ligados aos baixos níveis de alfabetismo. Numa sociedade onde o papel da ciência e tecnologia é central mas quase anónimo, é necessário percebermos não só a linguagem, mas também a gramática da ciência. Não é suficiente perceber o que é um alimento geneticamente modificado, mas sim entender os processos e as possíveis implicações dos mesmos na nossa vida.

Perspectiva

A compreensão do nosso mundo é um dos maiores sucessos da civilização. A descoberta da beleza e da grandeza do Universo e do nosso lugar nele, é uma da mais importantes contribuições da ciência para a sociedade. Hoje conhecemos quase 900 planetas a orbitar estrelas que não a nossa estrela, o Sol. Com os avanços tecnológicos dos telescópios estamos a descobrir cada vez mais planetas parecidos com a nossa Terra. Quem sabe se um destes planetas não vai albergar vida? Essa descoberta pode estar para breve e vai mais uma vez revolucionar a forma como vemos o Universo, o nosso planeta e, claro, nós próprios. Entretanto o Planeta Terra é um mundo fascinante, misterioso e único a albergar vida e que a ciência nos continua a ajudar a compreender melhor.

Interesse do Público

O público tem um interesse inato para questões de ciência e tecnologia. O Eurobarómetro de 2011 sobre as atitudes dos cidadãos Europeus para as questões da ciência e tecnologia, mostra que a maioria dos cidadãos europeus têm interesse em questões destas áreas. Curiosamente esse interesse é maior até que o interesse nas artes, política e até desporto. No entanto o interesse dos Portugueses é mais baixo que a média Europeia.

Novas descobertas científicas e desenvolvimentos tecnológicos

Infelizmente os meios de comunicação social não têm vindo a acompanhar este interesse. No ano passado foi apresentado um estudo sobre a presença da ciência no prime-time durante a conferência Ciência no Ecrã. Esta presença é muito mais baixa (0.8%) que as artes, desporto e política (27%).

Envolvimento da sociedade com a ciência

Desde a década de 90 que a comunidade de comunicação de ciência tem vindo a introduzir um novo modelo de divulgação de ciência. Este modelo introduz um diálogo mais próximo entre a ciência e o público, em contraste com um modelo de comunicação uni-direcional, onde o cientista apenas debita resultados e descobertas para a sociedade. Este novo modelo de diálogo ao mesmo nível com a sociedade, pretende alcançar um maior envolvimento com o público.

Quase 20 anos depois da introdução deste modelo os números não são muito animadores. Mais de 90% dos cidadãos não têm um papel activo na ciência e tecnologia e muito raramente participam em eventos divulgação de ciência.

O caso da Astronomia

Claro que o caso que conheço melhor é o da astronomia. A astronomia como ciência tem bastantes particularidades, uma das únicas ciências onde o objecto de estudo está quase sempre inacessível e tem das maiores participações de cidadãos nas suas actividades. Os números indicam que existem cerca de 20 astrónomos amadores para cada astrónomo profissional.

Sabemos que durante o ano internacional da astronomia a média de participação directa ou indirecta em actidades do ano internacional da astronomia foi de 10% da população dos respectivos países. Em Portugal cerca de 2 milhão de pessoas estiveram envolvidas em acções do AIA2009. Um estudo publicado pela coordenação nacional mostra que os objectivos do AIA2009 foram alcançados em Portugal.

Novos desafios

No Público de sábado os organizadores do congresso publicaram um artigo intitulado “Comunicação de Ciência: Mudança de Fase” onde apresentam um dos grandes desafios da comunicação de ciência, envolver o público de forma mais participativa e responsável na ciência. A ideia é de envolver cidadãos em projectos de investigação

Não nos podemos esquecer que grandes cientistas do renascimento desenvolveram o seu trabalho de forma quase amadora e apenas impulsionado pela sede de saber sem grandes pretensões de carreira. Tycho Brae, Charles Darwin eram apenas mentes muito curiosas.

Níveis de Participação

Mas que nível de envolvimento podem ter os cidadãos nestes projectos?

Podemos pensar na participação dos cidadãos em ciências um pouco como níveis num jogo de computador, onde geralmente avançar no jogo também implica um maior interesse no mesmo.

Nível 1: Participação Passiva

Este é o nível em que maior parte do público participa. Este é o nível de participação mais baixa nas actividades de comunicação de ciência. O público geralmente acompanha , lê revistas, livros de divulgação de ciência e atende palestras públicas. Embora o público participe pelo seu genuíno interesse, o envolvimento é baixo e a participação muito passiva.

Nível 2: Monitorização

Na astronomia a participação de amadores na recolha de dados e informação tem-se vindo a desenvolver nas últimas décadas. Em Portugal a Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores é a mais antiga associação portuguesa de cientistas amadores e os seus sócios têm contribuído para o estudo de planetas, supernovas, estrelas binárias,asteróides e até planetas extrasolares. Também outras áreas como a biologia e a geologia têm vindo a beneficiar muito estas áreas científicas.

Nível 3: Participação como Analistas

A difusão de computadores pessoais forneceu um oportunidade única de usar os processadores para analisar Uma das tarefas em que o processamento de dados ainda é mais rápido feito por humanos, que por máquinas ,é a analise de imagens e reconhecimento de padrões. Foi com esta premissa que um conjunto de astrónomos lançou o projecto Galaxy Zoo.

Nível 4: Participação activa

Muitas vezes a participação no desenvolvimento das questões e no próprio desenvolvimento do método. Existem cada vez mais laboratórios de comunidade onde o público participa activamente na implementação das experiências.

Nível 5: Ciência Democrática: Extreme - Citizen Science

O cidadão tem uma participação total no processo, desde a definição das questões e prioridades, recolha de informação, análise e até financiamento. Umas das áreas em que este nível tem crescido é na área de crowd-funding, onde muitas plataformas têm surgido e financiado muitos projectos científicos.

Motivação

Mas o que leva o cidadão comum a ter um papel tão activo na ciência. Vários estudos mostram que a vontade de ter uma contribuição real para a ciência é a sua principal motivação. Não querem apenas brincar com a ciência. Esta vontade de contribuir segue a par com uma sede de saber mais sobre a ciência e até ver coisas que quase ninguém observou.

Financiamento

Os líderes políticos e científicos continuem a afirmar que a cultura, educação e divulgação de ciência são essenciais e até que o investimento nestas áreas tem que ser feito a par do investimento em estruturas. O president da China, Xi (na altura vice presidente) disse na abertura da Assembleia Geral da União Astronómica Internacional em Agusto de 2012:

“A comunicação de ciência deve ter a mesma importância que a investigação […] para inspirar a criatividade e inovação no público”

Mas a verdade é que hoje a comunicação de ciência representa menos de 2% do investimento total na ciência. Muito, mas muito longe do que falam nos seus discursos de aproximação da ciência à sociedade. Onde está o problema?

Conclusões

O interface entre a ciência e o público continua a ser um dos territórios mais inexplorados da ciência. Da mesma forma que nos perdemos numa cidade que não conhecemos, também a ciência tem muitas ruas que nos leva ao público que continuamos a explorar e a tentar alcançar a praça central, onde o público pode de uma forma aberta, transparente e responsável participar numa das maiores aventuras da humanidade: a descoberta e compreensão do mundo que nos rodeia. Sem uma gramática da ciência estamos a incapacitar as gerações presentes e futuras para a compreensão do debate e ideias que afectam as suas vida. E isso é perigoso e até criminoso.

Slides da apresentação estão disponíveis aqui: http://www.slideshare.net/pedrorusso/porque-que-o-pblico-se-h-de-interessar

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