[Equipe Mídium] Dentro e fora do vagão

A dedicação que ultrapassa o profissionalismo.

Cindy Damasceno
Cindy Damasceno
7 min readJul 17, 2018

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Por Cindy Damasceno, Lucas Freire Falconery e William Barros

À medida que o trenzinho se aproxima de seu ponto final os integrantes da equipe — até então envolvidos em movimento — vão se reconfigurando para assumir suas responsabilidades em repouso. Nesta segunda parte, a resposta: quem liga o público ao vagão?

Quem faz o trenzinho correr?

Na Leocomotiva, parte da equipe segue para o próximo passeio. Quem são eles? Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium.

O “Leo” em Locomotiva

Leonildo, 42, é morador do João XXIII e proprietário da Leocomotiva junto com a esposa, Arlene. Comprou o trenzinho há dois anos do antigo dono, que também transitava pelas ruas do Conjunto Ceará. “Adquiri o trem, fiz meu cadastro na Prefeitura de Fortaleza e a gente tem direito de usar o espaço público. Uma permissão cedida pela Regional V.” É o responsável por passar as orientações aos animadores que encarnam os personagens. “Priorizamos a segurança, a abraçar, a fazer um afago (sic). Atender os pais. Gostam muito dessa parte.

Leonildo, o proprietário, é socorrista do SAMU e roda no Conjunto Ceará desde 2017. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium.

Durante a semana, é socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e, pela maleabilidade dos horários na sua ocupação formal, optou por rodar com a Leocomotiva aos finais de semana. Por trabalhar com jovens em fase de transição, acaba enfrentando problemas em estabelecer elenco fixo.

“Eu tenho um catálogo com o telefone deles e com o contato de outros personagens que trabalham nesse trenzinho e no de parceiros. A gente tá (sic) formando uma Associação dos Empresários de Trenzinho do Estado do Ceará.”

Arlene, da bilheteria

Arlene, professora, fica na bilheteria da Leocomotiva. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

Arlene, 41, é professora na Rede Municipal de Ensino de Fortaleza. Com o esposo Leonildo, gerencia a Leocomotiva. Em dia de trenzinho, os preparativos começam cedo. “A gente acorda, faz toda a manutenção da limpeza do trem, limpeza de carro. Verifica tudo. Faz a escala dos meninos que vão trabalhar conosco e a questão das vestimentas.” As fantasias são feitas à mão por terceiros, que cuidam da confecção das roupas e da “cabeça” dos personagens.

Além da crise, a família foi um fator essencial para o mudança de rumo.

“Ele [Leonildo] ficava muito distante da família, então, nós decidimos que ele ia sair do emprego e que iríamos investir no ramo de diversão.”

Antônio, do colete

Antônio é o responsável pela segurança dos clientes. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

Antônio Leite, 55, que já trabalhava com o antigo dono do trenzinho, é responsável por direcionar os usuários aos assentos do veículo e garantir a segurança do público. Morador da Granja Portugal, conta que, durante sua experiência no Conjunto Ceará, jamais precisou intervir: “É sempre muito tranquilo.” Ressaltou a importância do bairro para o trabalho da Leocomotiva. Revela:

“Se tirarem a gente daqui, acabou, porque isso aqui é a vida da gente.”

Antônio também exerce outras atividades profissionais. Durante o dia, vende água e caldo de cana. À noite, além de cuidar da segurança do trenzinho, é responsável por um pula-pula montado em outra praça.

Homem Aranha, o esforçado

Bruno Moreira — O Homem Aranha. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

Bruno Moreira, 17, já foi membro de outro trenzinho. Passava por seu primeiro teste para ingressar no elenco da Leocomotiva. “Um amigo meu me disse que o patrão dele estava precisando de gente”, conta ao ser questionado sobre como conheceu o trabalho de Leonildo. Revela sua paixão pela dança e uma rotina de ensaios diários em sua casa na Granja Portugal. Segundo ele, há motivo para dedicação: “Eu me esforço mais pelas crianças”. Interpretando o Homem Aranha na versão Venom, Bruno toca em um ponto importante do seu trabalho: a preocupação com as crianças que estão fora do veículo.

“A gente gosta de dar atenção, de conversar, porque tem tantas crianças que não têm dinheiro para entrar.”

Peppa Pig, a experiente

Cléuria Nunes, a Peppa Pig. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

Cléuria Nunes, 27, é a integrante mais antiga do quadro de personagens da Leocomotiva. Trabalha há um ano com Leonildo. “Eu vinha passando, perguntei, dei meu telefone e eles me chamaram”, afirma a intérprete de Peppa Pig. Antes disso, a moradora da Granja Portugal já havia trabalhado com eventos infantis vestida de outros personagens, como Masha e Minnie. Sobre sua experiência, declara:

“É maravilhoso. Além de você se divertir, trazer alegria para as crianças é tudo de bom”.

Ela revela que as coreografias são criadas pelos próprios membros do grupo. “Um faz a coreografia, se junta todo mundo e a gente ensaia”, diz.

Minnie Mouse, a futura pediatra

Danyelly Santos, Minnie Mouse. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

Danyelly Santos, 17, conheceu a Leocomotiva através de seu padrinho, Antônio, o segurança do trenzinho. Ela afirma que, a princípio, estranhou o convite. “Eu disse: ‘Não, Deus me livre!’. Depois, eu pensei bem e adorei, porque amo criança”, relembra. A intérprete de Minnie também trabalha em uma confecção e concilia as duas funções com os estudos. “É muito cansativo para mim”, conta. A paixão por crianças é comprovada quando Danyelly revela um de seus planos: “Meu sonho é me tornar pediatra”. Apesar de morar na Granja Portugal, afirma que suas idas ao Conjunto Ceará não se resumem ao trabalho na Leocomotiva:

“Às vezes, venho aqui para passear. É muito calmo. É melhor do que onde eu moro, porque lá é mais perigoso”.

Flash, o professor de forró

Francisco de Assis, o Flash. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium

Francisco de Assis de Almeida Gomes, 21, diz seu verdadeiro nome com muita pressa. “É que estou de personagem”, justifica o intérprete de Flash. Também estava em seu primeiro teste para ingressar na Leocomotiva.

“Eu creio que estou indo bem. Estou roubando sorrisos e isso é o que importa.”

Francisco já participa do elenco de trenzinhos há dois anos. Além disso, dança desde a infância e tem outro emprego: “Dou aula de Forró numa academia”. Já em seu primeiro dia de trabalho no veículo de Leonildo, o coreógrafo ressalta o companheirismo dos membros da Leocomotiva como diferencial: “Conheci esse povo agora, a gente já começou a sorrir e a brincar um com o outro”. Apesar de ser morador da Parangaba, ele revela uma preferência pelo trabalho realizado no Conjunto Ceará. “A praça aqui é maior, tem mais crianças, tem mais diversão, tem mais energia”, compara.

Quem ocupa os assentos?

Maria Eduarda, 8 (na foto) e Nicolas, 2, vieram com Andressa, irmã e mãe das crianças, respectivamente. Saíram do Bom Jardim para o Conjunto Ceará por preferirem o trajeto que o trenzinho faz. Sempre pedem pra fazer o passeio. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium.

Vó Gláucia

Gláucia veio pela primeira vez ao Pólo de Lazer com os netos. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium.

Dona Gláucia veio acompanhada dos netos pela primeira vez. Entrou em uma das paradas do trenzinho nas praças menores — a agitação atraiu as crianças, que pediram para entrar. Moradora do bairro, deixou de frequentar o espaço por medo da violência urbana. “Sempre vinha para o Pólo com a minha filha. Antigamente, a gente vinha sem susto, hoje a gente vem com susto. Todo dia eu tenho vontade [de vir] mas penso ‘Meu Deus do céu, não tem perigo não?’

Andava com sua filha, mãe das crianças, nos trenzinhos da época. Pólo era seu ponto preferido.

“[Eu] Trabalhava o dia inteiro e pra evitar que eles não ficassem tão ociosos, era o nosso lazer. Criança é criança, a gente tem que sair, né (sic)? Não pode só ficar dentro de casa.”

Tia Leiniane

Leiniane e sua sobrinha, Gabi, preparam-se para o começo da viagem. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium.

Leiniane resolveu tirar a noite para passear com as sobrinhas, que moram longe. “O trenzinho estava passeando na praça e elas começaram a dançar com os personagens. Aí resolvemos dar uma volta.” Gabi, sua sobrinha mais velha, era a mais participativa. Cantava alto as músicas da Xuxa, tirando risadas gostosas da animadora vestida de Peppa. A rotina de trabalho não deixa tempo livre para diversão. “Aqui no bairro eu nem ando muito porque trabalho fora. Geralmente quando eu saio eu venho aqui pro Pólo pra comer, mas mais à noite.

Chegadas e partidas

No final do trajeto os animadores se reúnem para bater fotos. Foto: Cindy Damasceno/ Equipe Mídium.

A locomotiva volta ao Pólo, no final da sua rota, com mais passageiros do que na ida. É que mais uma parcela de crianças subiu durante o percurso, atraídas pela diversão. A tiracolo dos pais, apontam: “Olha a Peppa!”, “Olha o Homem Aranha!”. E os animadores percebidos dançam, pulam e fazem festa ao redor dos pequenos, independente de serem clientela paga ou não.

Com seu trajeto entre-praças, a Leocomotiva rompe a postura atrás-dos-muros, adotada por Fortaleza em tempos de violência urbana e de troca do espaço público pelo privado. O trem, apesar dos vagões, já não é mais trem. É pura sinergia urbana.

Aproveita que você leu até aqui e escuta essa playlist inspirada no passeio da Leocomotiva :)

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Cindy Damasceno
Cindy Damasceno

20 e poucos anos. Antes de tudo, cearense. Depois, jornalista.