Quando a invulnerabilidade se torna um fardo

É preciso descontruir o mito da resiliência feminina

Cindy Damasceno
Cindy Damasceno
2 min readJan 26, 2019

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Nossa Senhora do Perpétuo Socorro/ Reprodução: cruzterrasanta.com.br

Existe um comportamento atribuído ao feminino que pouco se percebe ou discute: o de suporte emocional. Ele é primo dos cuidados domésticos, ambos traços da criação tradicional que delega a nós, mulheres, o cargo de única responsável. Tão normatizado quanto sorrateiro. Perigoso pela sutileza de como se disfarça de qualidade.

Parecemos todas estarmos mergulhadas nesse papel de algum jeito, talvez por aprendermos a reconhecê-lo e a prezá-lo ainda muito cedo. Chamamos de fortaleza, de fibra, de resiliência. Se apresentam em nossas mulheres referenciais e nas suas tentativas de permanecer num mundo desafiante. A tia que, sozinha, prosperou enquanto trabalhava e estudava para criar os filhos. Na vizinha, que mesmo após anos de abuso emocional diário, acompanhou o marido na luta contra o alcoolismo. Mulheres-carro-forte, inabaláveis e seguras.

É importante valorizarmos essas vitórias, afinal elas sedimentam conquistas futuras, mas é preciso refletir sobre a naturalização da invulnerabilidade feminina. Há um culto à essa figura blindada ao adverso — bem como uma consequente rejeição à fragilidade — que necessita de uma reflexão mais cautelosa. É violento, também, o dever de ser forte em tempo integral.

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro/ Reprodução: cruzterrasanta.com.br

A resiliência é reação ao sofrimento. Resistimos à solidão de não poder contar com ninguém. É um silêncio resignado e passivamente aprendido, fermentado até dar azia, e que entala na garganta para sufocar.

Ouvimos que a mulher edifica. Da casa à prole, o cuidado é imperativo e o pulso é firme. Nos tornamos alicerces emocionais empedernidas, pré-moldadas para o amparo. E aí, suprimimos a dor que é nossa — coluna rachada não segura teto.

Por trás dessa vida sacrossanta de pilastra, muito choro abafado em travesseiro. Muita lágrima gorda que só rola na intimidade do quarto. Sabemos: qualquer esmorecimento, mesmo que momentâneo, é sinal de fraqueza emocional e ninguém deseja ser fraca. Botamos a máscara do dever e seguimos numa função que não necessita ser apenas nossa.

Não deveríamos estar sozinhas. Não há vergonha em pedir ajuda, mesmo que para compartilhamentos momentâneos da dor. Não há louro em vencer batalhas solitárias.

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Cindy Damasceno
Cindy Damasceno

20 e poucos anos. Antes de tudo, cearense. Depois, jornalista.