A decepção de “Onde está segunda?”
“Onde está segunda?” é um excelente exemplo de potencial desperdiçado. Com um ótimo conceito em mãos, bons atores e um gênero e tema cheios de possibilidades a serem exploradas, o filme consegue cativar logo de início, no entanto, não demora muito para que comece a descer ladeira abaixo, entregando uma atuação e entretenimento satisfatórios, mas deixando a desejar em praticamente todo o resto.
A recente produção original da Netflix conta a história de sete irmãs gêmeas (todas interpretadas por Noomi Rapace, a estrela de “Os homens que não amavam as mulheres” na versão sueca) nascidas e criadas em meio a um futuro distópico marcado pelo colapso de recursos e pela crise superpopulacional. Como alternativa a esses problemas, o governo implementa, então, uma política de filho único chamada de “Lei da alocação infantil”, na qual todos os indivíduos são identificados por meio de uma pulseira para garantir que sejam os únicos filhos de suas famílias e se, por ventura, irmãos forem detectados, são encaminhados para uma espécie de processo que os conserva até que a sociedade atinja um futuro em que seja possível comportá-los novamente.
Nascidas na ilegalidade, portanto, as gêmeas são criadas e protegidas por seu avô Terrence Settman (interpretado por Willem Dafoe), que as nomeia como os dias da semana (“segunda”, “terça”, etc) e as orienta a assumirem uma única identidade para que possam sobreviver nesse regime. Cada irmã tem, dessa maneira, o direito de sair de casa no dia da semana correspondente ao seu nome e tem o compromisso de interpretar a identidade comum de Karen Settman — nome da falecida mãe das meninas. Essa dinâmica se dá durante toda a vida das gêmeas até o momento presente em que o filme acontece, quando, já aos 30 anos, uma das gêmeas não volta para casa após o trabalho. É a partir desse desaparecimento que a trama começa a se desenrolar e consequentemente, os problemas começam a aparecer.
O primeiro incômodo com o filme vem pela obviedade do nome. O título original “Seven sisters” — que, diga-se de passagem, descreve bem melhor a história sem escancará-la — foi mudado ainda em inglês para “What happened to Monday?” entregando de bandeja para o espectador o ponto principal da trama tão logo o filme começa. E isso provavelmente não seria um problema se o filme fosse bem sucedido em surpreender, mas ao contrário, tem-se apenas uma sucessão de plots previsíveis em meio à banalização de mortes e eletrizantes cenas de ação. Essa, talvez, seja uma das maiores questões com o filme: diante de um promissor enredo e de sinais de que iriam complexificá-lo, optou-se por entregar uma trama rasa, mainstream e que não atinge o auge de nenhuma de suas propostas: nem o mistério, nem o suspense, nem o drama, nem o romance, apenas a ação.
A constituição dos personagens desempenha um grande papel nessa sensação de previsibilidade e frustração que paira pela trama. A construção da história das gêmeas, por exemplo, mesmo intrigando a princípio, não se aprofunda, revelando-se, assim, fraca e ineficaz na tarefa de desenvolver um vínculo afetivo entre as irmãs, o que seria essencial para sustentar a história e trazer veracidade não só para a relação entre elas mas também para a forma como elas vão lidar com o desaparecimento, as buscas e as perdas. Na trama, são mostrados alguns flashes de suas infâncias, o que até começa o trabalho de transportar o espectador para dentro da história das irmãs, mas não o consuma, falhando em complexificar as personagens e se apoiando mais do que o desejável nos estereótipos para construir as sete personalidades diferentes: temos a irmã nerd, a durona, a problemática, etc. E a construção medíocre também pode ser observada nos outros personagens secundários, como na vilã interpretada por Glenn Close: a tirana fria e poderosa; no agente da corporação responsável por caçar as irmãs, munido de uma violência e ódio infundados; no par romântico das uma das irmãs: tão ingênuo e apaixonado, que nem percebe que, em determinado momento, outra irmã está desempenhando o papel de sua amada. Dessa forma, o vínculo afetivo entre espectador e personagem também acaba se fazendo deficiente, sem um compartilhamento de história nem uma construção de personagem satisfatórios que gerem apego ou preocupação no espectador.
Os diálogos também deixam bastante a desejar, se mostrando superficiais e clichês, ora para marcar as personalidades mal desenvolvidas, ora para causar determinados efeitos dramáticos.
Outro problema recorrente na trama são as incoerências e os furos no enredo: as sete gêmeas, mesmo sendo criadas pelo avô e com relativamente pouco contato com o mundo lá fora, possuem um sotaque estrangeiro que destoa de todos os outros personagens, inclusive da versão criança delas mesmas; apesar da superpopulação e dos desafios que ela acarreta, como a escassez de alimento que leva as irmãs a comerem carne de rato, os apartamentos retratados são bem amplos e confortáveis para um mundo que sofre com o excesso populacional; o vínculo entre as gêmeas é simplesmente dado e deve ser suposto ao longo de todo o filme, mesmo não tendo sido construído, e é bem estranho ver como as irmãs lidam relativamente bem com as perdas que acontecem ao longo da trama, especialmente no final, quando perdoam a causadora de tudo aquilo com um diálogo que beira o ridículo e absurdo.
Por fim, vale dizer que, apesar da construção medíocre dos personagens, a atriz Noomi Rapace fez um ótimo trabalho na difícil tarefa de interpretar as sete irmãs, remetendo a uma inevitável vibe “Orphan Black”. Rapace também se sai muito bem nas cenas de ação, sendo estas muito bem produzidas e representando os pontos altos da trama.
Desta forma, “Onde está segunda?” é uma sequência que, de fato, tinha um potencial muito grande, mas optou por não desenvolver a interessantíssima problematização com relação ao planeta, a complexidade dos personagens e o talento de ótimos atores para investir em uma trama de ação convencional, que pouco surpreende e inova. O filme vale pela atuação da protagonista e pelas cenas eletrizantes, mas a frustração ante ao potencial desperdiçado é, infelizmente, inevitável ao fim da sequência. De novo, não foi dessa vez, Netflix.