Abrindo os olhos sobre a América

Luan Herdi
cinecríticauff
Published in
3 min readDec 11, 2017

O documentário Ojos Bien Abiertos tem como mote uma onda de governos de esquerda pipocando pela América Latina. Esse tema resgata diretamente o desejo esquerdista de unificação latinoamericana, lembrando o revolucionário Che Guevara. Pelo passeio que o filme nos convida, pela América do Sul, notamos a imagem de Che por trás de inúmeros lugares, fazendo com que seu ideal continue respirando. Toda a história é guiada pelas palavras do diretor uruguaio Gonzalo Arijón, que traça uma viagem em busca do reconhecimento do povo latinoamericano. O escritor, também uruguaio, Eduardo Galeado, que escreveu um livro referencial para pensar o nosso continente, As veias Abertas da América Latina, faz sua participação com oportunas falas de seu livro, que compõe muito bem as imagens da viagem. Sendo assim, o filme nos leva a repensar a forma que enxergamos a América Latina. De onde ela surgiu? Como ela é? O que ela nos mostra? Somente con los ojos bien abiertos para podemos responder essas perguntas, nos diz o filme.

As primeiras imagens que nos apresentam a América Latina são de luta. Esse é um símbolo que o filme ergue sobre o continente, afim de desenhar o que seria a figura do indivíduo latino americano. Esse personagem parece ser o desejo principal do diretor, vítima direta e indefesa do sistema, que em sucessivas vitórias continua derrotado. Sendo assim, existe a preocupação de mostrar ao espectador diferentes povos de variadas partes da América do Sul que são estruturalmente oprimidos. Há essa preocupação, inclusive, com as futuras gerações, mostrada por inúmeras imagens de crianças.

O filme repete a ideia de “viagem de descoberta”, tendo como premissa uma viagem pelo sul da América na busca de entender o continente, assim como o ideal de Che, que é inesquecível nesse momento. Funciona. Acompanha-lo nessa viagem vale a pena não só pelas belas paisagens, mas principalmente para receber o panorama político que é desenhado de forma claríssima. Esse enredo é contado em meio a diferentes culturas e realidades, transformando a América em múltiplas partículas distintas que se conversam e que acompanham fielmente o roteiro da explicação. Se encaixa, foi uma boa viagem.

O filme “abre os nossos olhos” em muitos sentidos, um deles é perceber que o que aprendemos sobre sermos latinos faz parte de uma estrutura hegemônica alimentada pelo Velho Mundo. O esforço de se redescobrir um latinoamericano exige enfrentar imposições fortemente estabelecidas. A História que conhecemos é verdadeira: somos um povo formado por uma enorme diversidade de outros povos provenientes de diferentes lugares do mundo. Alguns vieram, alguns foram trazidos. Mas nessa história, por exemplo, esquecemos dos povos originários, que foram dizimados com a chega dos colonos e que até hoje sofrem constantes investidas de exclusão. No Brasil, por exemplo, o número da população indígena é assustadoramente menor hoje do que em 1500, e aprendemos que isso é absolutamente normal.

Sim, somos muitos e diferentes entre si. Não só a aparência, mas também na cultura. Com os olhos um pouco mais abertos, ouvindo as palavras de Eduardo Galeano, esboçamos um continente plural, criado na diversidade, construímos a noção de que somos diferentes. Porém existe um constante exercício do olhar. Como uma lente que aproxima e afasta, nos individualizamos para valorizar nossas diferenças, ganhar uma independência verdadeira, e ao mesmo tempo buscamos nos unir, pois nos enxergam conjuntamente de uma só forma. É um exercício paradoxal, difícil de explicar. Talvez busquemos a união pois estamos no mesmo lugar, aqui, por interferência humana, humanidade essa que assola o povo latino até hoje.

--

--