Yasmin Lucchesi
cinecríticauff
Published in
4 min readOct 29, 2017

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“American Bitch” ou um aulão de Lena Dunham sobre assédio

Ficha Técnica
Gênero: drama/comédia
Direção: Richard Shepard
Roteiro: Lena Dunham
Duração: 00:26:57
Ano: 2017

Tão explicativo quanto um TED, o 3° episódio da sexta (e última) temporada de Girls, “American Bitch”, a princípio parece falar dos homens que podem tudo, artistas que, por serem consagrados, saem impunes de todos os seus comportamentos misóginos, até os criminosos. Mas acaba indo muito além quando aborda questões que contemplam o assédio contra mulheres no geral e vira uma verdadeira aula que deveria ser assistida por todos.

Desde o início a série premiada se envolveu nas mais diversas polêmicas, mesmo dentro de uma bolha jovem-adulta e estadunidense, colocando em voga de maneira não óbvia pautas que precisam ser discutidas, como a sexualidade feminina, a gordofobia, a competitividade entre mulheres e os dilemas dentro das relações afetivas no geral. Fora da narrativa, Lena Dunham também se posiciona como feminista (sugiro fortemente a leitura do artigo linkado aqui) e já criticou individualmente personalidades icônicas do cinema como Woody Allen, que não à toa está presente no cenário desse episódio.

Quadro com a figura de Woody Allen à direita.

A obra é isolada do restante da ficção seriada, tornando-se assim ainda mais potente, já que, mesmo o público que não acompanha Girls, pode assistir sem se preocupar com lacunas narrativas. Dito isso, aviso que o restante dessa crítica contém spoiler, mas que atrapalha — ou não, dependendo da sua relação com o famigerado — apenas o episódio em si.

Em American Bitch Hannah é convidada à casa de um de seus autores favoritos, Chuck Palmer (Matthew Rhys), depois de escrever para um blog feminista sua opinião sobre as acusações de assédio sexual contra Chuck que teriam ocorrido durante a turnê de seu novo livro.

Logo de início, antes mesmo dos diálogos — destaque do episódio — a apresentação do apartamento de Chuck estabelece a relação de poder entre os dois e deixa claro para o espectador (assíduo ou não) do que se trata a situação, já que o personagem é completamente inédito na trama. Planos com inúmeros livros publicados e prêmios literários, que intimidariam qualquer escritora iniciante, como é o caso de Hannah.

A partir daí se desencadeia um debate entre os dois escritores, o homem famoso e consolidado na carreira e uma jovem que ainda não alcançou popularidade, mas que poderia acontecer entre qualquer homem que usufrui de seus privilégios e mulher que está ciente de seu lugar no mundo e luta para mudá-lo. Cada reprodução machista e absurda de Chuck é rebatida de maneira inteligente por Hannah. É bonito de se ver, até eu, que detesto esportes, tive vontade de gritar “PONTO PRAS MENINAS!”.

Mas aos poucos vai surgindo o “lado do homem” que se humaniza citando a depressão da filha, declara-se canalha mas diz que nunca faltou com consentimento, discursa sobre o quanto não podemos confiar no que dizem na internet (o que me lembrou o 5°ep de easy), e sempre elogia a inteligência de Hannah, que certamente não poderia acreditar naquilo tudo sem provas. O estopim se dá quando Chuck mostra um texto de sua autoria sobre a noite de um dos assédios, onde se vitimiza completamente. Como espectadora eu quis pausar e gritar, onde diabos estavam com a cabeça para estragar um episódio tão bom até ali? Mas continuei firme forte, afinal o ódio também nos move.

E, então, temos a segunda reviravolta desse episódio incrível (perdoem a tietagem), já imersos na vibe “mais que amigas, friends”, Chuck pede a Hannah que se deite com ele, sem apelo sexual, com roupas, porque ele se sente sozinho faz algum tempo. Mesmo depois de ponderar de maneira caricata, ela deita. E ai ele coloca o pau pra fora. É, isso mesmo que você leu, depois de toda a ladainha “nem todo homem” ele coloca o pau pra fora. Plot twist: era isso mesmo, homens são todos iguais e você, não só pode ser a próxima vítima, como já está sendo (essa última frase fazia parte do rascunho para nortear o parágrafo conclusivo, mas achei sincera e certeira demais para não ficar aqui).

Depois de um breve momento de confusão, Hannah levanta iniciando uma discussão e é interrompida pela chegada da filha de Chuck, que não se comove nem um pouco e permanece com o sadismo no olhar. A menina pede para Hannah escutar o que tem ensaiado e logo em seguida começa a tocar Desperado, da Rihanna, que, mesmo depois do corte de cena, continua na trilha, enquanto aparecem diversas mulheres entrando pela porta do prédio de Chuck, para encerrar de maneira densa e merecida esse episódio.

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