AMY

Michelle Camargo
cinecríticauff
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4 min readNov 21, 2017

Nascida em 14 de setembro de 1983, Amy Jade Winehouse foi uma compositora e intérprete britânica. Com apenas dois álbuns lançados, seu trabalho foi sucesso de críticas, conquistou diversos prêmios, incluindo cinco Grammy’s das seis nomeações em 2008. Na vida pessoal a artista lidou com relacionamento abusivo, vício em drogas, bulimia e inúmeras críticas da mídia. Assim como Kurt Cobain, Janis Joplin e Jimi Hendrix, Amy faleceu aos 27 anos. A cantora foi encontrada morta em seu apartamento com excesso de álcool no sangue.

Em 2015 foi lançado no Festival de Cannes o documentário “Amy”. O diretor da obra é Asif Kapadia. Britânico, descendente de indianos, formado em cinema pela Royal College of Art, onde ganhou reconhecimento ao ser premiado, também em Cannes, pelo seu trabalho de conclusão de curso. O curta The Sheep Thief (2007), gravado na Índia, conta a história de um menino órfão e o desenrolar de sua história após roubar uma ovelha. Outra obra importante do diretor foi o documentário “Senna”, sobre a trajetória do piloto Ayrton Senna na Fórmula 1, vencedor de prêmios como BAFTA Awards. A última premiação de Kapadia foi no 88º Oscar, quando venceu na categoria de melhor documentário pela obra onde conta a história de Amy atravessando sua vida pessoal com sucesso profissional. Ao receber a estatueta o diretor afirmou ter retratado a “verdadeira” em sua obra.

Quem possui a autoridade da narrativa é a própria Amy. A maioria dos fatos são narrados por ela com apoio de imagens de arquivo e embasados pelo depoimento de amigos, familiares, e demais testemunhas dos acontecimentos. Cada personagem possui sua função na narrativa claramente desde o momento em que é apresentado. No início do documentário a artista aparece dando indícios de baixa autoestima, insegurança em relação à sua beleza, seu trabalho e, principalmente, seu potencial de fazer sucesso com o estilo musical escolhido para o primeiro álbum, o jazz. A bulimia é revelada por Janis Winehouse, mãe da cantora, com gravações da adolescência mostrando a doença que a acompanharia até o final da vida. Na sequência a vida profissional é retomada. A ansiedade para compor o segundo álbum a aproximou das drogas como uma forma de escapar do lapso de criatividade que vivia. No mesmo período Amy conheceu Blake Fields. O ex-marido é inicialmente apresentado sem ser julgado ou condenado em uma tentativa de deixar o espectador, a partir do seu posicionamento de observador frente aos fatos exibidos, formar uma opinião própria em relação a ele. Seus excessos são retratados de forma naturalizada assim como o relacionamento abusivo do casal. Após o casamento, realizado em Miami, os dois retornam para Camden Town, onde Amy vivia, dando início ao seu declínio pessoal, profissional e à representação do então marido como má influência. A partir desse momento a manipulação feita pelo diretor passa a ser evidente. Fields assume o estereotipo de vilão, responsável por preencher a insegurança, solidão e instabilidade emocional ao lidar com a fama, consolidada mundialmente após o sucesso do álbum Back to Black, através de seu amor obsessivo, e novas drogas até então nunca usadas por Winehouse.

Sua prisão marca o momento da história em que Amy, depois de muitas tentativas de reabilitação boicotadas pelo casal, começa a recuperar-se. Sóbria, com o corpo voltando a funcionar normalmente, após um período de férias em Santa Lúcia para compor seu terceiro álbum e faixa gravada com Tony Bennett, referência do jazz, a narrativa parece caminhar para um final feliz. Porém, Amy recebe a notícia de que Blake havia iniciado o processo de divórcio alegando ter sido traído enquanto estava na cadeia. Na vida pessoal o fato serviu como gatilho para cantora, já cansada de enfrentar a realidade sem drogas, voltar a beber. No filme marcou mais um episódio dramático em sua vida amorosa, encaminhando a narrativa para uma nova reviravolta. Apesar de ter se afastado das drogas ilícitas ela não conseguiu desvencilhar-se do alcoolismo. A quantidade excessiva de álcool no sangue somada à desnutrição consequente da bulimia e aos problemas cardíacos derivados do abuso de crack, heroína e cocaína levou Amy à óbito no dia 23 de julho de 2011.

Aos olhos de um espectador desatento a própria artista está contando sua trajetória através de imagens dela desde um Natal em família até episódios de abuso de drogas. Porém, Amy já havia morrido quando o filme foi produzido. A escolha dos elementos, ordem e ênfase em um assunto em detrimento de outro foi feita pelo diretor na intenção de criar personagens de acordo com seu próprio ponto de vista. A cantora tem voz ao longo de toda narrativa, mas não tem controle algum sobre como sua representação é feita. Apesar de mostrar a vulnerabilidade, carência e insegurança da cantora como justificativas para suas atitudes, o filme retrata Amy da mesma forma que a mídia sempre fez: um grande talento perdido para dependência química.

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