Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo.
O filme “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo” é um longa-metragem brasileiro lançado em 2009. Seu roteiro e sua direção foram compostos por Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. O filme traz o relato tanto documental quanto poético de um geólogo que viaja pelas estradas do sertão nordestino parando nas localidades por onde os canais de transposição do Rio São Francisco irão passar.
Segundo Karim Aïnouz o projeto surgiu com a “vontade de ambos em fazer alguma coisa juntos”, já que eles vinham de “lugares geográficos e afetivamente parecidos[…]”. Marcelo Gomes veio da cidade de Recife e Karim Aïnouz, do Ceará. Inicialmente, em 1997, a ideia era fazer um filme sobre as feiras, “enquanto espaço onde as temporalidades se cruzam”. A partir disso, os diretores resolveram fazer uma viagem para documentar tais feiras.
O longa de Gomes e Aïnouz pode ser compreendido dentro do gênero “Road Movie” — filmes que tratam basicamente da relação do personagem principal com a estrada e em muitos casos tratando a estrada em si como um personagem ou metáfora para a transformação sofrida pelo protagonista. Tais filmes remetem ao início da arte cinematográfica, como diz Walter Moser (2008, p. 7): “a invenção do automóvel como veículo de locomoção individual e privado com motor à combustão e do cinema como nova mídia capaz de representar o movimento se situa por volta do fim do século XIX”.
Logo de início o protagonista apresenta-se através da voz-off apenas, a partir disso vai relatando sua tarefa técnica durante a viagem. Por meio da descrição de uma longa lista de objetos que carrega consigo — são objetos relacionados à pesquisa geológica, na qual estará presente durante toda a narrativa fílmica — descobrimos que o personagem está fazendo uma viagem de campo para estudar os terrenos que serão afetados pela transposição de um rio. Contudo, seu relato inicialmente técnico logo deságua em uma densa jornada psicológica talvez desencadeada pela música “Sonhos” de Peninha que toca no rádio enquanto a câmera subjetiva filma a estrada.
Tão logo o protagonista começa a relatar suas experiências na estrada junto as pessoas que atravessam seu caminho, sua mente é inundada por pensamentos e relatos de cunho pessoal, descrevendo-os de forma poética e dramatizadora. Em determinado momento da trama, torna-se evidente que o narrador personagem encontra-se escrevendo uma carta de amor à sua companheira, mulher pela qual ele ainda estaria sofrendo as dores após terem terminado um relacionamento.
O que surpreende na diegese fílmica é a capacidade dos autores em relacionar vivências cotidianas associadas ao trabalho de geólogo, em meio a descrições de rochas e tipos de solos, às emoções e sentimentos do personagem principal — em uma livre inspiração no trabalho de Herman Melville e seu clássico literário “Moby Dick”, onde o autor associa sua narrativa a detalhadas descrições sobre o trabalho baleeiro.
Há uma linha tênue entre o relato documental envolvendo a vida das pessoas e povoados a serem afetados pela construção dos canais de transposição do rio e o melodrama pessoal vivenciado pelo narrador, que é constantemente atravessado por uma série de personagens — dentre eles prostitutas com as quais o protagonista passa suas noites solitárias. Recursos narrativos e imagéticos são colocados em prática, desde o uso de stills (frames “congelados” retirados da película), a técnicas de iluminação natural — tudo ajuda a compor a atmosfera tanto bucólica, quanto dinâmica, principalmente no que diz respeito aos aspectos psicológicos desencadeados no filme.