Dente Canino (2009)

Vic Freitas
cinecríticauff
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3 min readOct 13, 2017

Dentre as poucas palavras que podem ajudar a descrever “Dente Canino”, frieza é uma quase satisfatória. Desde a paleta de cores pálidas escolhida na composição de cada quadro até a passividade com que a câmera nos insere na estranha rotina dessa família sem nome, é tudo frio, apático e terrível.

Dente Canino concorreu ao Oscar de 2011 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Dente Canino (2009), dirigido e co-roteirizado por Yorgos Lanthimos, nos insere, sem nenhuma contextualização prévia, dentro da rotina de uma família grega nada convencional. Os pais e seus três filhos — que estão no início de sua vida adulta, mas se comportam como crianças— vivem em uma propriedade rural com altos muros, cujo objetivo é simples: impedir que os jovens tenham qualquer contato com o que pode estar além dessas barreiras. Eles são ensinados que o mundo externo é terrivelmente hostil e a única maneira de deixar a casa de forma segura é após a queda de algum dos dentes caninos. Dentro dos muros, as regras completamente arbitrárias construídas pelos pais mantêm a filha mais velha, a mais nova e o filho, inocentes, felizes e, na pior das hipóteses, um pouco entediados. Pelo menos até que uma interferência externa os ofereça um pouco de perspectiva.

Na primeira cena, observamos os três jovens ouvindo a uma gravação onde uma voz feminina os apresenta algumas palavras e seus respectivos significados. A primeira delas é a palavra “mar”, que segundo a voz tranquila que sai do toca-fitas significa “cadeira de couro com braços de madeira”. Qualquer palavra que esteja relacionada ao mundo externo é destituída de seu significado original. A palavra “estrada” vira sinônimo de vento forte e “zumbi” é uma pequena flor amarela. Essa manipulação cria situações que de tão absurdas, se tornam absurdamente cômicas. A narrativa é recheada de longos diálogos e longos períodos de silêncio que podem parecer desconexos, mas contribuem para definir o ritmo do filme, que está sempre pronto para surpreender o espectador justamente no momento em que a lentidão e a aparente monotonia dos acontecimentos o faz baixar a guarda.

A produção não nos dá nomes, tempo ou localização. O posicionamento da câmera não toma partidos, ela está ali apenas para registrar. Cabe a nós, os observadores desses acontecimentos, a tarefa de dar sentido ao que a narrativa nos mostra. Isso reforça a característica alegórica da produção. Temos a oportunidade de testemunhar a construção de algo próximo de uma natureza humana não corrompida dos três filhos do casal. Mesmo com todos os esforços para mantê-los alheios às mazelas do mundo exterior, ainda assim, os jogos de poder, a curiosidade sexual e a ambição se manifestam nas ações desses três personagens.

Durante o filme são levantadas questões que acompanharão o espectador horas, dias ou semanas depois de seu final: estaria o filme fazendo uma piada sarcástica sobre a maleabilidade da crença humana? Debatendo sobre as influências que o convívio em sociedade pode ou não ter sobre o indivíduo? Fazendo uma crítica à superproteção que alguns pais infligem aos seus filhos? Provavelmente todas as opções acima, ou nenhuma delas. Mais do que um filme, Dente Canino é uma experiência. Uma bem esquisita. Demanda do seu espectador uma boa dose de resignação, já que esperar dessa obra alguma explicação sobre si pode ser tão produtivo quanto esperar o seu dente canino cair.

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