Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

Inês Alves
cinecríticauff
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3 min readOct 5, 2017

“Santa é a carne que peca”

“Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” já chama atenção pelo título diferente e poético. Baseado no livro homônimo de Marçal Aquino, roteirizado pelo mesmo e dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, o filme narra a história do tórrido triângulo amoroso entre Cauby (Gustavo Machado) um fotógrafo que se mudou recentemente para o Pará, Lavínia (Camila Pitanga) ex prostituta e casada com Ernani (Zé Carlos Machado) pastor que a “salvou”. Tendo como pano de fundo uma pequena cidade do Pará marcada pela exploração da floresta amazônica, a narrativa se desenvolve lentamente, como que se seguisse o ritmo cotidiano das pessoas que habitam aquele lugar.

Desde a cena de abertura, onde uma mulher nua é filmada deitada na areia da praia, já fica claro que o uso da nudez e do corpo serão constantes durante o longa. Entretanto, a nudez, principalmente de Lavínia, não é usada gratuitamente, mas sim como uma forma de construir a personagem e sua relação como os homens da trama. A paixão e o desejo exacerbados ficam claros em todas as cenas de sexo mostradas, marcando a intensidade do sentimento vivido entre os personagens.

Desejo é um dos temas centrais do filme, junto da ideia de musa inspiradora que se personifica em Lavínia. Para Cauby, Lavínia é a musa de suas fotografias e a responsável por lhe despertar sentimentos profundos, já para Ernani ela é a consolidação e prova de que seu trabalho dedicado a fé traz resultados, é mais uma testemunha e inspiração do poder de Deus. O embate entre o sagrado e o profano, na tentativa de mostrar que existe muito além dessa dualidade e que por vezes o pecado e o santo se misturam, perpassa intensamente a narrativa. No fim das contas, Lavínia é a deusa desses dois homens, o que faz com que grande parte da sua existência se dê a partir do olhar deles.

O filme possui um ritmo lento, um ponto negativo, pois apesar de ser compreensível a tentativa de passar o ritmo cotidiano do lugar existem muitas cenas que são bonitas esteticamente mas não fazem a história seguir. Além disso a narrativa se torna confusa em alguns momentos por conta de mudanças no tempo, para que fosse possível contar o background de alguns dos personagens.

O título já deixa claro que tudo vai dar errado, afinal as notícias recebidas são as piores, então de forma quase que de desventuras em série vê-se as frágeis relações dos personagens desmoronarem. É um drama forte, melodramático no limite e sem ser caricato. A atuação dos atores é impecável e faz com que a história alcance seu maior marco e ponto forte: a intensidade.

“Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” é um bom filme para desconstruir o estereótipo e preconceito com o cinema brasileiro, mostrando que é possível sim construir boas narrativas fora do eixo comédia pastelão, se provando tão envolvente quanto a paixão do seu triângulo amoroso.

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